Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes 2017

De 4 a 22 de Outubro de 2017 ocorreu o 19º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes em Sochi, na Rússia. Laís Vitória participou do evento. Veja seu relato:

Mais de 25 mil jovens presentes em um mesmo evento. Jovens do Afeganistão, da Coreia do Norte, da Indonésia, da índia, da Espanha, da Inglaterra, da Polônia, do Brasil, do Chile, da Argentina, da Colômbia… Os 180 países membros da ONU representados, e até países não membros da ONU, como Palestina. No total foram 185 países representados. Que evento poderia ser tão importante para reunir delegações do mundo todo?

A resposta é simples: World Festival of Youth and Students, um evento anti-imperialista que ocorre desde 1947, sendo que o maior evento até hoje foi o de Moscou, em 1957, que em plena União Soviética conseguiu reunir trinta e quatro mil jovens do mundo todo. Também já foi realizado em Cuba.

No ano em que os 100 anos de revolução russa são comemorados, nada mais justo do que a Rússia hospedar novamente esse grande evento. É minha obrigação dizer que os russos nos hospedaram da melhor forma possível.

Ele foi dividido entre os programas regionais, que duraram do dia 14 (abertura do festival) até dia 17, e o festival principal, que foi em Sochi e começou no dia 14. Os programas regionais tiveram por objetivo mostrar um pouco mais dos interiores da Rússia, além de focar nos temas de estudo dos jovens. Ocorreram em diversas regiões da Rússia, até na Sibéria.

No programa regional a que fui, em Kaliningrado, além de conhecermos a região, pudemos escolher entre duas palestras: uma sobre economia, com empresários, e outra sobre a questão política na Rússia, com um jornalista russo e um professor de história da Universidade Estatal de São Petersburgo.

Depois do programa regional fomos a Sochi, local das Olimpíadas de Inverno de 2014. Fomos hospedados pelo governo russo na Vila Olímpica, e o evento ocorreu nas instalações preparadas para as Olimpíadas de Inverno, as quais serão utilizadas ano que vem para a realização da Copa.

O mais interessante, porém, foram os jovens que esse Festival conseguiu reunir, inclusive, para minha surpresa, um brasileiro discursou no encerramento do evento, Henrique Domingues, brasileiro, militante da UJS.

O que considero mais importante compartilhar é a visão que os jovens têm dos conflitos em que vivem. É desenvolver empatia e conhecer melhor os conflitos por meio de uma visão humana, o que não exclui uma visão política dos acontecimentos.

Palestina Vive

Eu estava almoçando no local determinado pelo festival, na Adler Arena, em que passávamos nosso cartão de credenciamento para podermos almoçar de graça. Como sou uma pessoa extremamente sociável, logo comecei a conversar com as pessoas que estavam a minha volta na mesa.

Ibrahim Sawtary é um jovem palestino de 23 anos, estudante de engenharia. Ele não sabe o que é viver fora de uma guerra. O seu conceito de liberdade passa pela ausência de ‘check points’, pontos em que os palestinos são revistados pelos israelenses.

‘Eu gasto mais de duas horas para chegar à universidade graças aos check-points. É como se eu tivesse que passar por várias revistas de aeroportos para chegar a qualquer lugar. Até ir para a universidade é uma forma de resistência’. – Esclarece Ibrahim, para em seguida me mostrar um vídeo de uma criança palestina sendo morta. ‘Esse é o meu dia-a-dia. Não sei por que vocês estão tão chocadas. O assassinato faz parte do dia-a-dia. Nós jogamos pedras, eles respondem com armas de fogo.’

 A moça da Slovenia, sentada ao meu lado, também estava chocada com as imagens, mas não tanto: ‘eu vi e vivi a guerra em meu país, quando estávamos nos desligando da Iugoslávia. Foram dez dias de luta. As pessoas dizem que 10 dias não é guerra, mas para uma criança de 10 anos que vê quase tudo o que conhece ser destruído, é guerra sim. Impossível esquecer.’

‘Eu estou aqui para lutar pela liberdade do meu país. Quando voltar para a Palestina, não sei se serei ou não preso. Os delegados de Israel tiraram fotos de nós, com certeza já entregaram para a polícia. Quando saímos da Palestina, tivemos que ficar 3 horas em um interrogatório. Não foi fácil chegar até aqui. Até hoje só fui preso uma vez, por um post no Facebook contra Israel, fiquei 3 meses na prisão. Vamos ver como será à volta. Por mais que eles queiram, nós palestinos não vamos sair de nossa terra. Terão que matar todos nós. ’- Afirma sorrindo, como se suas afirmações categóricas não significassem grande coisa.

Durante o festival regional, convivi com Mariya Afghaniyar (25), jovem afegã muçulmana que trabalha para o Escritório de Representação Especial do Presidente da República Islâmica do Afeganistão. Me surpreendia quando, durante os almoços, ela olhava com pesar para o celular, com uma frequência que considerei estranha: ‘preciso olhar com frequência para ver se a minha mãe responde.  Não quero que ela saia para a rua, os bombardeios são frequentes. Quando ela não responde, temo que tenha sido assassinada.’

 A entrevista que fiz com Mariya, já no final do festival, foi dolorida de ouvir: ‘não sou livre. Não sou livre e nunca serei. Vivo em um país que está sempre em guerra, que não tem nenhum respeito por mulheres. Nós vivemos no medo, e mesmo assim temos muita coragem, pois continuamos trabalhando, lutando, tendo esperança no futuro. Esse festival e esse país me mostrou o que é viver em paz, quando voltar vou contar para meus pais, parentes, amigos, como esse país que venceu a Segunda Guerra, que é uma potência, vive em paz.’

Quando questionada sobre como é ser uma mulher com ideologia de esquerda no Afeganistão, ela descreve que ‘na verdade eu não conto sobre a minha ideologia de esquerda para qualquer um. É perigoso. Eu só falo quando encontro alguém que tem a mesma ideologia que eu. Eu tenho essa ideologia, mas não posso fazer nada, porque sou mulher, porque sou muito, muito fraca, porque não tenho poder étnico (ethnic power), poder político, poder econômico, não tenho poder para expressar minhas ideologias, não posso expressar quem eu sou. Então eu venho aqui para poder contar para a minha filha, que vai contar para a filha dela, que eu tinha essa ideologia, mas não poderia fazer nada, nem por ela e nem por ninguém, tanto pelo machismo quanto pela falta de soberania de meu país. Eu só tento permanecer viva. Gostaria que todos pudessem sentir um a dor do outro, como disse Che Guevara: se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo então somos companheiros. Fico feliz em ser amiga de Che Guevara, mas sinto muito por não poder mudar nada.’

  Ao mesmo tempo, ao conversar com Melissa, uma jovem cubana, secundarista, que quer ingressar no curso de história e ser professora, ela disse o contrário do que o esperado: ‘quanto mais eu viajo, conheço outras nações, mais eu percebo que vivemos sim uma democracia em Cuba. Ao ouvir tantas histórias sobre os problemas de educação, os problemas sociais, me sinto sortuda por viver em Cuba.’

No meio de tantos contrastes, de tantas opiniões opostas (a delegação do Líbano tentou queimar a bandeira de Israel), o principal é que foi possível criar um evento mundial sobre política para os jovens, mesmo em uma conjuntura política tão explosiva quanto a da atualidade. Espero ver mais eventos tão construtivos como esse para a juventude. Termino com a fala de Putin na abertura do evento: ‘eu estou convencido de que vocês- juventudes de diferente países, nacionalidades e fés- compartilham sentimentos em comum, valores e ambições, inspiram liberdade e felicidade, criar a paz. Nós faremos o nosso melhor para que vocês alcancem sucesso.’

 

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