Incêndio no Parque Nacional da Chapada da Diamantina revela ineficiência do poder público na gestão do pólo de ecoturismo e na prevenção de catástrofes
por Carol Ramos para Jornalistas Livres
São duas da tarde e Thyago Rigoni entra no Skype para conversar comigo enquanto senta para almoçar com a mulher e o filho pequeno. Ele não os vê a alguns dias por estar em campo combatendo o fogo que assola a mais de um mês o Parque Nacional da Chapada da Diamantina e sua fala acelerada, que sobrepõe a minha o tempo todo, revela a ansiedade, o stress e a revolta por mais um incêndio que destrói a cada ano esse patrimônio natural da humanidade, que graças ao ecoturismo conseguiu conter o avanço da devastação natural causada pelo extrativismo e pela criação de gado.
Secretario da ACV-VC (Associação dos Condutores de Visitantes do Vale do Capão), uma organização de base comunitária que também tem um braço brigadista voluntário de combate à incêndios florestais a 20 anos, Thyago não tem mais ilusões sobre a gestão do Parque, feita pelo ICMBio, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e que cuida de outros 69 parques nacionais, como a Chapada do Veadeiros, também vítima de um incêndio no mês de novembro. Segundo Thyago, o repasse do governo federal para o ICMbio, a nível nacional, foi 1/18 da verba adequada. Também não há repasse de multas por compensação ambiental para programas de recuperação e estruturação, o que seria um enorme avanço já que a região sofre impactos seríssimos causados por um polo agrícola que só cresce.
“Mesmo sendo um valor aquém do necessário, o escritório do ICMbio que faz a gestão do nosso parque recebe um certo recurso, mas não tem a menor noção de comando de operação e gestão de catástrofe. Podíamos ter acabado com o fogo no 13o. dia, mas eles têm apenas 5 ou 6 funcionários para um território de 154 mil hectares e não dialogam com a comunidade”, revela Thyago, adepto da meta “fogo zero”, um consenso de que os incêndios são criminosos e podem ser evitados com medidas preventivas.
Segundo César Gonçalves, chefe-substituto do Parque, quem faz a gestão dos recursos é o escritório central, em Brasília, e a base baiana não só não põe a mão no dinheiro como também enfrenta diversas dificuldades, como a licitação para a compra de um sistema de rádio digitalizado, que já dura três anos, por exemplo, e funcionários trabalhando exaustivamente sem receber salários a quatro meses.
Mas seu ponto de vista sobre o incêndio e a prevenção é um pouco diferente do de Thyago. “Este incêndio nem de longe é um dos maiores. Ano passado teve um muito pior. Foram pessoas que passavam pela estrada. É um fenômeno natural da Chapada, que pode ser evitado de diversas formas, como gestão de biomassa, que é um excesso de mato que deve ser queimado antes que queime espontaneamente e provoque incêndios”, diz César.
“A nível federal é urgente trabalhar com prevenção e reflorestamento, com carreiras de guarda florestal de elite, pois as equipes que chegam de fora não sabem andar no território e recebem treinamento de um final de semana para combater incêndio. A nível local, a gestão deveria ter trinta vezes mais funcionários, com gente mais jovem, inteligente e treinada, além de armadilhas fotográficas em cada entradinha de trilha para acionar a polícia e dar tempo de conter o fogo. Passamos anos sem um incêndio, graças a uma câmera de mentira que emitia umas luzes de LED em cima de um morro”, reflete Thyago. De forma complementar, o guia também levanta a urgência de mais guardas parque, portarias oficiais, uma policia mais investigativa, uma vara criminal e o fortalecimento da polícia militar ambiental. Nada exagerado para proteger um santuário ecológico de biodiversidade e que abriga diversas comunidades e atividades econômicas, além da Bacia hidrográfica do Santo Antônio e os rios Santo Antônio, Paraguaçu e Rio das Contas.
No última semana choveu no Parque e a maior parte do incêndio parou, mas ainda restaram focos de fumaça, segundo a página da ACV-VC no Facebook.