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Elisa Lucinda: “Equívocos de uma exclusão” ou “Os componentes da guerra”

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Elisa Lucinda
Estou ensaiando em Brasília L, o musical, uma peça cuja história é absolutamente lésbica e cujas personagens gravitam à volta do tema do amor entre mulheres. Peço então agora, meus senhores e senhoras, a atenção ao tema. Vamos olhar para este assunto com o que meu amigo querido, “filósofo” pop, pensador, produtor e agitador cultural Diogo Rodrigues, chama de “comunicação compreensiva”, a prática da anti-intolerância.
 
Então, vamos lá: Quando Sérgio Maggio, jornalista, escritor, dramaturgo e diretor, me convidou para tanto, o primeiro espanto foi concluir que, em trinta anos de carreira, é a primeira vez que me convidam para interpretar uma mulher que gosta de namorar outra mulher. Que absurdo! Então a ficção está atrasada assim em relação à realidade? Então a ficção ainda está tímida para contar as inúmeras histórias de amor e os dramas que envolvem romances homoafetivos? Então a ficção está desatualizada, é discriminadora, fixando o seu protagonismo somente no amor heterossexual? Então essas histórias não merecem ser tratadas na arte? Ó, ficção, estás desatualizada, sim!
 
Para viver a minha Ester, a primeira coisa que tomei emprestada é a sensação de opressão que eu sinto por ser negra. As opressões se igualam quando são eficazes e provocam mal-estar, inibição, exclusão. Conheço isso. Conhecemos. Tanto eu, quanto minha assistente, Taís Espírito Santo, quanto minha empregada doméstica, Valéria Falcão, quanto Lázaro Ramos, quanto Flávia Oliveira, quanto Mariana Nunes, quanto Djamila Ribeiro. Todos negros. Todos os negros. Numa sociedade com forte fundamento escravocrata conhece-se logo cedo as crueldades desse delírio de superioridade branca que se incrustou numa banda do mundo e nela ainda manda e desmanda.
 
A grande lição da vida tribal ou em cooperação coletiva é a da compaixão, o colocar-se no lugar do outro. Sem altruísmo, sem alteridade, sem brincar de ser o outro (tal qual os atores fazem profissionalmente), não há possibilidade de uma sociedade harmônica e justa.
 
Então, eu peço a você que odeia viado, que não perdoa a diferença, você que “aceita”, você que acha que a pessoa lésbica tem algum problema, algum defeito de fábrica, você que acreditou quando afirmaram que isso é coisa do diabo; eu peço a você, que reconsidere a questão e se coloque no lugar desse outro. De verdade. Você aguentaria a chacota?
Ninguém é gay ou lésbica contra ninguém não. Não é crime. Não é fácil ser condenado pela sua natureza. Senão, vejamos: como deve ser difícil ser um homem com real atração por outro homem sendo obrigado a esconder isso em todos os lugares… Nos colégios, no trabalho, festinhas e bares. Como deve ser opressor ser casado com uma mulher sendo em verdade no fundo uma bicha presa no armário. E uma bicha preta? Com quantos estereótipos tem que brigar para ainda ouvir: “Que desperdício um negão desse!?”
 
Parto desse lugar para, usando o nome do livro do meu querido Lázaro Ramos, sugerir que “Na minha pele” para ler essa realidade. Ou seja a pele da personagem que representarei no teatro, a pele do seu vizinho, sua colega de sala, sua aluna, seu chefe, que você nunca engoliu por causa “disso”.
 
É tão maluco o preconceito que chegou a cobrir de cegueiras o olhar preconceituoso, deturpou e trouxe para tais grupos excluídos uma pecha, uma marca, uma alcunha permanente de mau-caratismo. E é isso o tempo inteiro o que se faz; comete -se diariamente injustiças. O cara fez alguma coisa errada, bateu, roubou, atentou contra o coletivo, alguém sempre acrescenta: “também, viado, né?” Como se houvesse uma lógica. Como se isso quisesse dizer que ser gay é uma coisa relacionada ao caráter. E pejorativamente, sempre. Isso é muito cruel, extremamente cruel, mau, porque gostar de homem ou de mulher não dá a ninguém nem ao heterossexual, nem ao homossexual, nenhuma atribuição do ponto de vista do caráter.
 
Pode se pressupor que sejam pessoas mais livres, mas nem sempre essa recíproca é verdadeira, nem sempre escapa-se dos “ismos” ou seja, os machismos, dos racismos, dos sistemas de opressão que estão incrustados nas relações de trabalho, nas relações sociais.
 
Inclusive entre gays e lésbicas.
Me dei conta de que em minha vida, das coisas mais maravilhosas que eu tenho, muito dessas coisas maravilhosas, eu devo ao meu encontro com os gays na dramaturgia da minha vida, no novelo do meu destino, no enredo existencial que eu compus até agora, que nós compusemos até agora: Minha arte, a possibilidade de exercê-la. A possibilidade de vivê-la em outra cidade. Stravinsky, Grotowski, Ravel, Villa-Lobos, Bidu Sayão, Jorge Mautner, Itamar Assumpção, Carmina Burana, foram palavras que ouvi primeiro da boca dos gays. Meu filho amado, muitas associações de trabalho, muitos afetos indescritíveis nos cânones dos afetos, todo este tesouro eu vivi e tenho por causa do meu encontro com o mundo gay e lésbico.
 
Esse é o meu Grito. Estamos sendo injustos. E estamos iludidos. Nossos médicos, grandes médicos, pessoas que fizeram arte e ciência no mundo, enfim nossos dentistas, nossos advogados… Há milhares deles que gays espalhados neste mundão. Tem muita sapatice entre jornalistas, atrizes , cantoras que amamos; muitas mulheres que namoram mulheres e que são extremamente brilhantes no trabalho; que sem elas o mundo seria muito pobre. Como se ama e se admira essas pessoas e, muitas vezes sem saber ou sem perceber sua preferência de objeto de desejo erótico, fica tudo certo.Mas há aqueles que quando esta verdade é revelada se sentem traídos. Como no caso de Daniela Mercury que recebeu graves violências, fruto da mente fechada de alguns fãs, ou que se diziam fãs.
 
Então, é muito ridículo que sigamos nessa ignorância burra, de excluir o que julgamos desconhecer e o que julgamos errado só porque não é como a gente.
 
Pude ouvir, ao longo da minha vida até aqui, grandes depoimentos comoventes, sabe? De amigos que me contaram o quanto sofreram. Crianças aterrorizadas com a própria verdade. É só um tipo de gente, gente! Uma variedade. Há aqueles que foram criados na igreja católica, por exemplo, que tinham que confessar os seus pecados. E como confessar que desejavam o coleguinha, a coleguinha? Nossa, são gerações que sofreram muito, meu Deus! Demais, demais, demais. Não é exagero reiterar. Mulheres que casaram com homens sem gostar e que sofriam muito na hora da relação, porque transar com quem a gente não sente atração… É um martírio. Deve ser. Eu acho. Trata-se de uma experiência contra a própria natureza da experiência sexual.
Talvez tenhamos em nossas famílias histórias ocultas. Aquele tio que ninguém comenta ou que todos comentam. Aquela tia que nunca se casou. Só sofreu o olhar cruel e o dedo apontado. Por quê? Qual é o delito?
 
Me valho de todas as histórias que eu ouvi. Me valho das convivências com essa tribo multifacetada que enriquece o mundo, o nosso mundo, para fazer L’, o musical, para viver a minha Ester, para exibir nossa viagem. (Somos seis atrizes, cinco são héteros), pela experiência da vida desse outro, dessa outra cidadã que merece e exige respeito. Estou adorando.
 
O teatro possibilita o exercício de nossas variações. E de nossa imensa pluralidade. Mas não restringe aos atores a possibilidade de compreensão da história do outro, se colocando em seu lugar, o mais profundo e honesto que se conseguir. Não é exercício fácil. Há fantasmas do superego de plantão. Mas vale a pena.
 
No caminho da reflexão para escrever essas linhas juntei vantagens incríveis da presença das relações homoafetivas no mundo, e que melhor este mesmo mundo.
 
Afinal o que é a luta anti-homofobia senão um pedido desesperado de paz? Nenhum cidadão ou cidadã pode ser agredida por causa de sua vida amorosa, e muito menos ser duplamente vitimizado ou vitimizada quando cria coragem pra denunciar a barbárie.
 
O espirituoso Roberto Samico costumava dizer para as pessoas heteros: “Ah, lá na sua família ninguém é gay, trans ou lésbica? Que pena, né, não tiveram essa sorte!”
 
Faz sentido. Sem esses e essas, muitas mentes morreriam sem se abrir. Quantos entendimentos da vida a presença destas pessoas não provocou? Duas amigas minhas, são um casal aqui em Brasília, acabaram de adotar dois meninos, um de 15, outro de onze anos. Irmãos. Os meninos estão felizes, com aparelhos nos dentes, escola boa e duas mães. Qual o absurdo? Nenhum. Conheço gente com duas mães. Dois pais. O que sei é que, esses e essas que amam pessoas do mesmo sexo formam casais que despontam cada vez mais na pratica da adoção de crianças, e são também campeões na preferência pelos maiores. Estes, coitados, costumam ser abandonados por todos os lados e mofam até os dezoito anos no abrigo onde cresceram na ilusão desta esperada hora.
 
Se fossemos revirar o mundo concluiríamos que vemos disparates criados por nossa ignorância no lugar de enxergarmos imensas belezas.
 
É sério. Tenho passado a semana toda em Brasília mergulhada no tema. Tentando encontrar em mim a lésbica que eu seria, se fosse. Estou aqui sendo estudante do outro, da outra, de mim e da vida. Não é ruim não. Nos enriquece. Amplia. A prática da discriminação provoca cortes, desentendimentos, rupturas… A prática da exclusão gera equívocos, distorções da realidade, produz intolerâncias, radicalismos, mortes inexplicáveis, torpes, indefensáveis. Que, não por acaso, são os componentes da guerra.
 
Elisa lucinda, inverno. 2017.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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