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Entenda o ‘caos’ na segurança pública do Espírito Santo

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O Espírito Santo tem vivido em desordem generalizada. Quem acompanha os noticiários ou está nas ruas praticamente desertas, é testemunha do medo e do caos causado pela queda de braço entre Estado e Polícia Militar. Enquanto os bastidores estão efervescentes, as ruas estão praticamente vazias e as pessoas, por segurança, não querem arriscar temendo o pior. A partir de agora, vamos detalhar para você, leitor, o cenário caótico o qual se tornou a segurança pública no Espírito Santo.

O movimento e suas razões

Na noite do dia 3 de fevereiro, os noticiários capixabas informaram sobre a presença de familiares de PM’s em frente aos quartéis da Grande Vitória e dos municípios de Guarapari, Linhares, Aracruz, Colatina e Piúma. Desde então, essas pessoas estão “barrando” a saída de viaturas das bases da PM.

Portando cartazes, os manifestantes reivindicavam:

  • Melhores condições de trabalho aos PM’s;
  • Reajuste salarial, pois há três anos não há reposição da perda pela inflação em suas remunerações;
  • Aumento do efetivo da PMES, que está abaixo de 10 mil homens.

As manobras do governo, a queda de braço, a imprensa e as mídias digitais

O Governo do Estado do Espírito Santo, desde o início, afirma que não vai ceder a pressão das famílias e dos policiais aquartelados e se dispôs a entrar em uma queda de braço com os manifestantes. O primeiro passo dado pelo governo foi conseguir na Justiça o decreto que torna o movimento grevista ilegal.

Em seguida, o Poder Executivo do ES anunciou a troca de comando na Polícia Militar. Saiu o coronel Laércio Oliveira, que ficou no cargo por menos de um mês, e entrou o coronel Nylton Rodrigues Filho. O novo líder da PM, em seu primeiro ato, determinou por escrito que todos os policiais respondam às suas escalas de trabalho nas ruas e não comparecer aos batalhões e quartéis. Além disso, o Estado teve de recorrer ao Governo Federal, que enviou 1.200 homens da Força Nacional para atuar nas ruas da Grande Vitória.

Vale destacar o papel da imprensa nessa guerra. A grande mídia capixaba tem sido um espaço bastante amplo para os ataques do governador interino César Colnago (PSDB) e do secretário de Segurança Pública, André Garcia, que classifica a greve como “palhaçada” e afirmou nesta terça-feira (07) o seguinte: “O movimento tem a clara intenção de desestabilizar. Estão apostando no pior. Mas vão perder. E depois vamos atrás das consequências dessa irresponsabilidade”.

A imprensa tem se aproveitado da falta de articulação dos manifestantes e da intensa circulação de materiais nas mídias digitais para deslegitimar o movimento. Exemplo disso, é a divulgação no Facebook do vídeo no qual a PM pede “autorização” aos familiares para poderem atuar nas ruas. Horas depois, a publicação já estava no Gazeta Online, principal portal de notícias do Espírito Santo, vinculado à Rede Gazeta, filial capixaba da Globo.

O duro posicionamento do Governo do Estado e da imprensa capixaba gerou efeitos que fortaleceu o clima da queda de braço. A população, revoltada com o suposto impedimento das famílias ao trabalho da PM, foi às ruas protestar.

O governador afastado por conta de uma cirurgia, Paulo Hartung, retornou aos holofotes para acusar o movimento de realizar chantagem, de “sequestrar” a liberdade da população e que o Poder Executivo não pagará o “resgate”. Já André Garcia afirma também que o movimento grevista tem influência política.

Por que os PM’s não podem realizar greves?

No dia 6 de fevereiro, O Tribunal de Justiça do Espírito Santo declarou a ilegalidade do movimento grevista dos policiais militares, ordenando o fim do movimento e estabelecendo, caso haja descumprimento, uma multa de R$ 100 mil por dia. De acordo com o desembargador Robson Luiz Albanez, o movimento dos familiares impediu e paralisou atividades essenciais à preservação da ordem pública.

Além disso, a Constituição de 1988 veta qualquer possibilidade dos policiais militares, bem como membros do Exército e do Corpo Militar de Bombeiros, de realizarem greves. O inciso IV, do terceiro parágrafo do Artigo 142 da Carta Magna, diz: “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”.

Vale ressaltar que o movimento que começou no dia 3 de fevereiro não tem nenhuma ligação com a Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Estado do Espírito Santo (ACS/PMBM/ES). No entanto, as manifestações são encaradas como uma “greve branca”.

Impactos da Manifestação no Espírito Santo

Desde o dia da manifestação dos familiares, os números da calamidade que atinge o Espírito Santo são assustadores. O número de mortes aproxima-se de cem e, de acordo com o Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santo (Sindipol-ES), a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV-ES) registrou 260 ocorrências de veículos furtados ou roubados somente na Região Metropolitana de Vitória. A média natural é de 17 a 20 ocorrências por dia.

O transporte público na Grande Vitória sofreu com os impactos do caos. Diante das ameaças sofridas por rodoviários e da total insegurança nas ruas, avenidas e bairros da região metropolitana, a categoria decidiu não circular durante os dias 8 e 9 de fevereiro.

Neste dia 8 de fevereiro, em Vitória, escolas, postos de saúde, parques e outras repartições públicas estiveram com suas atividades suspensas, exceto a Guarda Municipal e a Limpeza

Pública. Em Vila Velha, apenas três unidades de saúde funcionaram normalmente. No município de Serra, a coleta de lixo estiveram em atividade, bem como os Pronto-Atendimentos e a Maternidade de Carapina. Em Cariacica, todas as atividades foram suspensas por falta de segurança.

De acordo com o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Estado do Espírito Santo (Sindsaúde-ES), Valdecir Gomes, os hospitais estaduais têm poucos servidores à disposição. Porém, a direção do Hospital Estadual Antônio Bezerra de Farias, em Vila Velha, tem ameaçado cortar ponto do trabalhador não consegue chegar na unidade, apesar do prédio administrativo da unidade não ter ninguém e da Secretaria de Saúde do Estado estar fechada.

“O diretor deu ordens para buscar os funcionários em ambulâncias, mas não está garantindo nada, nem a integridade dos servidores, e o pessoal está passando o maior aperto. Mas as coisas vão mudar. Se não der para os trabalhadores irem, eles não irão”, afirmou Valdecir.

Além disso, o Departamento Médico Legal de Vitória (DML) atingiu, nesta segunda-feira (06/02) a sua capacidade máxima, por conta da quantidade de óbitos registrados na Grande Vitória. Cerca de 50 corpos chegaram à unidade e muitos estão espalhados pelos corredores.

A falta da Polícia Militar nas ruas também sobrecarregou o trabalho das Guardas Municipais e da Polícia Civil, além da atuação da Força Nacional. Na noite desta terça-feira, o investigador da Polícia Civil, Mario Marcelo de Albuquerque, foi morto a tiros na BR-259, no município de Colatina, noroeste do estado, após agir em um assalto a um motociclista. Por conta disso, o Sindipol-ES paralisou as atividades nesta quarta-feira e, no dia 09/02, realizarão uma Assembleia Geral.

O comércio e agências bancárias também foram atingidas com o caos no ES. Além de assaltos, arrombamentos e furtos, a Federação do Comércio e Bens, Serviços e Turismo do Estado do Espírito Santo (Fecomércio-ES) estima que o prejuízo aos comerciantes gira em torno de R$ 45 milhões por dia, levando em consideração o PIB diário e o fechamento de várias lojas. Com isso, a população passa dificuldade para abastecer seus lares com alimentos e para retirar dinheiro, por conta do medo que assola as ruas.

O que aprendemos com o caos no ES?

O movimento dos policiais militares e de seus familiares, diante da onda de violência que atinge o Espírito Santo e da maneira como foi conduzido o protesto, se mostraram bastante desarticulados. Muito por conta de uma legislação que os proíbe de se organizarem e lutarem por condições dignas no exercício de suas profissões. Permitiram que a mídia os atacasse, gerando inúmeras reações da opinião pública, como revolta, indignação e até deboche.

De fato, como disse o jornalista Ricardo Boechat no Jornal da Band do dia 6 de fevereiro, faltou espírito público aos militares e aos familiares ao não entenderem o transtorno que seus atos geram. Em uma situação alarmante na qual a população capixaba está inserida, voltar às ruas sem deixar de buscar alternativas para negociar com o Governo do Estado seria o mais justo.

Uma situação parecida com essa aconteceu há alguns anos atrás com os rodoviários. Em 2013, a Grande Vitória foi atingida por uma forte chuva, que alagou vários pontos. A categoria, por conta disso, concordou em levar 70% da frota para as ruas nos horários de pico. Mesmo assim, o povo teve que enfrentar ônibus lotados, engarrafamentos, alagamentos…Inclusive, muitos se arriscaram a voltar à pé para suas casas (este que vos escreve foi um deles).

No entanto, quem compreende a conjuntura política do Espírito Santo sabe que o vilão desse filme de terror é único: o Estado. As posturas do governador em exercício, César Colnago e do secretário de Segurança, André Garcia, chegam a ser vergonhosas e assustadoras. Sem falar da atuação de gala do governador Paulo Hartung, que, com um semblante pálido por conta da cirurgia que realizou no fim de semana, acusou a categoria de “sequestrar” a liberdade dos cidadãos e “pedir resgate”.

A verdade é que todo esse problema é resultado de uma política de corte de gastos que o governador Paulo Hartung pratica no Espírito Santo desde o início de seu terceiro mandato, em 2015. O capixaba só sentiu de verdade os resultados agora, mas não é nenhuma novidade: já vimos os servidores do Incaper decretar greve, pela falta de diálogo do governo em negociar o reajuste salarial e também pelo sucateamento da instituição.

A Cesan também sofre essa política absurda e é alvo constante da iniciativa privada por isso. A saúde pública e seus servidores estaduais também sofrem com estruturas precárias. Mas esse transtorno é só o começo do que estar por vir. Lembre-se que o Governo de Michel Temer quer limitar gastos por 20 anos…

Por conta de tudo isso, está mais do que na hora de discutir a questão da desmilitarização da PM, transformando-a em uma instituição 100% civil. É inadmissível perpetuar uma estrutura tão abusiva e que não proporciona condições dignas de trabalho a seus servidores.

Além da desmilitarização da PM, esse caos também traz outra discussão: não se faz segurança apenas com policiais. Segurança não pode ser remediada, deve ser estimulada com mais educação, emprego, lazer, esporte, infraestrutura de qualidade nas comunidades e também com polícia nas ruas realizando um trabalho digno, atuando dentro dos limites da legislação brasileira.

A atuação da imprensa nesse conflito também é bem questionável. Mais uma vez, os grandes veículos de mídia se posicionam a favor de quem está no poder. A todo momento, a imprensa culpa os PM’s pela calamidade, tratam os servidores com deboche e não se dão o trabalho de questionar a atuação, muito menos o resultado da política de corte de gastos feita por Paulo Hartung.

O caos no ES nos deixa uma valiosa lição, apesar de tudo: “não somos uma sociedade civilizada. Somos uma sociedade controlada”.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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