A economia e o Manual da Redação da Folha

O Manual da Redação da Folha presta um enorme desserviço para a disseminação do conhecimento básico de economia. São duas as principais impropriedades cometidas: o reforço do pensamento único e naturalização das elevadíssimas taxas de juros brasileiras.

O pensamento econômico único

O tema economia é desenvolvido no Manual de modo a reforçar o pensamento único, isto é, o texto dá ênfase à ideia de que, em economia, existe somente uma solução correta para os problemas de uma sociedade ou de um país.

Veja como o Manual define o verbete Heterodoxia/Ortodoxia:

“No contexto brasileiro, o termo ortodoxia refere-se à teoria econômica mais alinhada aos cânones internacionais. Associa-se a
temas como austeridade fiscal, controle da inflação e maior abertura comercial. Ideias como essas em geral são combatidas pelos
chamados heterodoxos, que costumam refletir uma mescla de marxismo e keynesianismo tradicional […]”

Em outros termos, o Manual está afirmando que os ortodoxos são aqueles que seguem os padrões, os modelos, as normas e as regras internacionais. Os heterodoxos são uma mistura de marxistas com keynesianos favoráveis ao descontrole da inflação, ao descontrole nos gastos públicos e ao fechamento do comércio com outro países.

Em resumo, os ortodoxos constituem a ala que prega a teoria econômica correta. E, portanto, não há necessidade de ouvir o outro lado, verbete muito caro ao Manual.

O consultor sobre o tema economia foi Alexandre Schwartsman, economista bastante alinhado com as finanças nacionais e estrangeiras e ferrenho defensor das políticas neoliberais adotadas pelo atual governo: diminuição do tamanho do Estado, privatização, ampla abertura comercial, reforma da previdência, reforma trabalhista, entre outras.

O Manual oculta o fato que raríssimos economistas desprezam, hoje, o controle da inflação ou o controle dos gastos públicos. A forma e o grau como esses controles são implantados são os pontos em desacordo. A austeridade, por exemplo, adotada de modo brutal e cego, como esse congelamento de gastos por 20 anos, produz um custo insustentável para os mais pobres, um custo muito superior a outras possibilidades de política econômica, que diluam no tempo a recuperação da sustentabilidade fiscal. Estudos de organismos internacionais de cunho conservador, como o FMI, já admitiram que os arrochos que impingiam às nações em dificuldades geravam custos altíssimos à sociedade e retardavam a recuperação.

Entre os princípios editoriais elencado no Manual, destaca-se o da pluralidade:

“Cultivar a pluralidade, seja ao divulgar um amplo espectro de opiniões, seja ao focalizar mais de um ângulo da notícia, sobretudo
quando houver antagonismo entre as partes nela envolvidas; registrar com visibilidade compatível pontos de vista diversos
implicados em toda questão controvertida ou inconclusa[.]” (p. 13/14)

Ora, seria a teoria econômica um tema incontroverso e pacificado, sobre o qual não se precisaria “cultivar a pluralidade”? A Folha está certa em pedir orientação a um único economista para orientar seus jornalistas e editores? Bem, “o principal jornal do país”, como se autodenomina a Folha no subtítulo de seu Manual, continuará mostrando que há uma só solução para nossas questões econômicas, e, certamente, não será a solução de menor custo para os trabalhadores.

A naturalização das taxas de juros elevadas

As discussões sobre os gastos do governo nunca trazem à tona os gastos com juros. A impressão que se tem é que a taxa de juros é obra da natureza, como uma goiaba ou uma jabuticaba. Elas são altas no Brasil por conta de um pecado original sem similar nos outros países e nada há a se fazer.

Imagine a diferença nos gastos públicos se a taxa Selic, amanhã, fosse reduzida de 6,65 % ao ano para 3,5 % ao ano. Essa redução incidiria, dentro de algum tempo, sobre R$ 3,4 trilhões. A economia com a reforma da previdência pareceria dinheiro de cachaça perto da economia com os juros.

Veja como o Manual define o verbete Juro/Juros

“A taxa de juros de curto prazo varia de acordo com a oferta de moeda no mercado […] Na prática, os Bancos Centrais determinam um meta para os juros de curto prazo e ajustam a oferta de moeda para manter a taxa próxima à meta.”

Imaginar que existe um mercado que determina a taxa de juros de curto prazo conforme a oferta e demanda de recursos é uma impropriedade descomunal. O próprio texto do Manual se contradiz no verbete Copom:

“Comitê de Política Monetária, formado pelo presidente e por diretores do Banco Central. Reúne-se a cada seis semanas para determinar a taxa Selic.”

A verdade é que o Banco Central determina a taxa Selic, que é a base para a formação de todas as outras taxas praticadas na economia. É verdade também que a taxa Selic atinge diretamente os gastos do governo com juros, pois a taxa determinada pelo Copom incidirá sobre os trilhões de reais de dívida que o governo tem. Em outras palavras, o Banco Central tem um poder imensurável sobre os gastos do governo. Nos 12 meses terminados em janeiro de 2018, o governo gastou com juros o valor de R$ 393 bilhões, ou 6 % do PIB.

Ao tornar natural que o Brasil tem a maior taxa de juros do mundo continuaremos direcionando, sem qualquer discussão, essa dinheirama para os bolsos daqueles que emprestam dinheiro para o governo. É assim que a Folha de São Paulo, como afirma em seus princípios editoriais, mantém “atitude apartidária, desatrelada de governos, oposições, doutrinas, conglomerados econômicos e grupos de pressão”?

Notas
1 As citações fazem parte do Manual da Redação: Folha de S. Paulo, 21. edição, São Paulo, Publifolha, 2018. 486 p.
2 Para ver os gastos com juros e o montante da dívida mobiliária: http://www.bcb.gov.br/htms/notecon3-p.asp

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