‘Durmam de botina’ foi a senha na tarde daquela quinta-feira, no dia 17 de julho, há um ano, no Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio. Feito na divisa entre o Assentamento Ireno Alves e as terras de uma grande madeireira nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu, na região centro-sul do estado do Paraná.
O clima no acampamento se transformou. Uma mistura de ansiedade, medo, tensão e felicidade. Aquelas famílias já estavam por ali há mais de 60 dias. A ocupação era aguardada. A hora se avizinhava. “Vamos para a nossa terra, terra pra produzir comida”, falavam. Homens, mulheres, crianças, jovens e idosos todos com um só objetivo: a conquista.
A movimentação no acampamento, àquela altura com mais de 2mil “cadastros” — cerca de 5mil pessoas — , aumentou. Sacolas, malas, fogões, ferramentas, tudo sendo empacotado e carregado. Carros velhos, caminhões, tratores, kombis, motocicletas… Organizados, em menos de três horas tudo estava pronto. Uma fila de carros se formou, o trânsito no acampamento ficou complicado.
Todos estavam prontos. Todos queriam a terra, a tão sonhada terra.
Afinal, o MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra só existe por causa da terra. Lutar pela terra, fazer a reforma agrária e transformar a sociedade, eis os pilares do Movimento.
Eram 18h quando, a qualquer momento, aquele mundão de gente marcharia para a conquista do chão para produzir. Mas não foi às 18h. Nem às 19h, nem às 20h. Somente a meia noite veio a orientação para a coluna avançar. E lá se foram os Sem Terra, ocupar e resistir, para produzir. A ocupação ocorreu de forma rápida, não houve resistência. O único imprevisto foi um temporal que encharcou tudo. Mas apesar do aguaceiro, na manhã seguinte já se via os barracos sendo levantados e as roupas, os colchões e cobertores secando ao sol que brilhava.
O Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio tem uma característica peculiar: muitos dos acampados são filhos de assentados da região. Região essa que tem um longo histórico no que diz respeito à luta agrária. Foi ali, que na década de 90 o MST realizou a maior ocupação da sua história. Em 1996, mais de 3.340 famílias ocuparam a antiga fazenda Giacomet-Marodin e conquistaram o maior conjunto de assentamentos da América Latina. Em 2014 a ocupação foi na Fazenda Rio das Cobras, em terras da mesma empresa, que hoje atende pelo nome de Araupel. Os Sem Terra denunciam que as atuais terras da empresa tem um histórico de apropriação ilegal e grilagem.
Um ano de resistência
Apesar da intensa campanha difamatória realizada pela empresa Araupel para deslegitimar os Sem Terra, os camponeses resistem. Hoje, o acampamento está organizado com 2500 famílias, cerca de 7 mil pessoas. Já recuperaram variedades de sementes crioulas e utilizam sistemas de controle biológico.
Cultivam, coletivamente, 200 hectares de terra. Produzem de forma agroecológica uma imensidão de frutas e verduras. Hortaliças, mandioca, feijão, arroz, abóbora, milho. Criam galinhas, porcos e algumas cabeças de gado. A maior parte da produção é para consumo próprio, mas já se comercializa uma pequena quantidade em feira livre no município de Rio Bonito do Iguaçu.
Dimas da Silva Lemes, 68 anos e uma energia de criança, responsável por uma horta comunitária que produz “tudo de época”, e “não tem veneno, é orgânico, é tudo limpinho”, afirma que está na luta por um pedaço de terra pois, quando trabalhava na cidade, queria que quando se aposentasse “fosse para um lugar pacato”.
“eu e minha mulher estamos na luta. Se não for agora, logo teremos
nos tantinho para produzir”.
Dimas também é voluntário na cozinha da Escola Itinerante do acampamento. “Em breve vou começar a ensinar a criançada a plantar e cuidar da horta da escola. Hoje a gente vai no mercado e não sabe o que está comprando nem comendo. Aprendendo a plantar e cuidar, a criançada vai saber a importância de produzir sem venenos”.
A educação
A Escola Itinerante do acampamento atende 560 alunos da educação infantil, ensino médio e ainda turmas de EJA fase I, II e III. Segundo Juliana Cristina de Mello, acampada e educadora, a Escola Itinerante tem características próprias.
“A educação no acampamento é diferente, a forma de se abordar a questão do conhecimento é sempre buscando despertar o senso crítico no sujeito. A forma de tomada de decisões da escola, conta com a participação da comunidade e dos educandos”, comenta.
Uma das dificuldades apontadas por Juliana é a rotatividade dos professores da rede estadual que trabalham no acampamento. “Temos alguns professores que estão acampados, com esses conseguimos construir essa forma de educar diferenciada.
Juliana Ribas, Sem-terrinha.
Mas a maioria são professores que não conhecem a nossa pedagogia e também não sabemos até quando darão aulas por aqui. Não dão conta de assumir compromisso com a proposta pedagógica. Por isso defendemos que o professor possa ter 40 horas fechadas em uma única escola”.
Juliana Ribas, sem-terrinha, 12 anos, lembra que a escola itinerante levou dois meses para ser instalada. “Antes da itinerante funcionar aqui no acampamento era complicado para estudar. Tinha um ônibus que levava a gente lá na escola do assentamento Marcos Freire, mas sempre ficava gente pra trás, não cabia todo mundo”.
“..Atualmente, com a escola funcionando no acampamento, Juliana não perde mais aulas. “Agora não perdemos mais aulas, a nossa escola funciona em ciclos de formação humana, trabalhamos com as porções da realidade e fica melhor para aprender porque é de acordo como o que a gente vive, de acordo com a nossa realidade, é a pedagogia do MST”.
Mesmo assim, a sem-terrinha se preocupa com o futuro da educação. “Eu estou com medo de quando a gente for para o lote mudar toda essa realidade. Aqui a gente está perto de todo mundo. Nosso acampamento está bem estruturado. Tem a rádio poste que a gente usa para informar as pessoas, quando tem alguma urgência. Tem o mercado, a panificadora, a borracharia”, comenta.
Perguntada se sabia o que gostaria de “ser quando crescer”: “Antes eu sabia. Eu queria ser policial. Mas de acordo com a minha realidade agora, essa profissão não serve mais. Veja, nem todos os policiais são assim mas muitos dizem que sem-terra não presta, que está invadindo as terras. Os sem terra estão ocupando. Essas terras aqui são griladas, foram tomadas a força. Isso não é justo”.
Sobre a Reforma Agrária, Juliana explica que as terras griladas da Araupel servem só para monocultivo de madeira. “O povo que está aqui quer terra para se manter, plantar arroz, feijão, alimento saudável. O monocultivo gera pouco emprego e a renda é só para um e nem sempre fica no país, manda lá para fora. Quando a gente chegou aqui, não existia nem formiga nestas terras, de tanto veneno que era passado aqui”.
Ainda indagada sobre a dificuldade para se fazer a distribuição de terra, Juliana aponta a corrupção como responsável. “
O burguês lá de cima, sabe que a vida não é fácil para o pobre, que é preciso distribuir a terra. Aí vai lá e paga para a rádio, paga para o político dizer que a terra não é grilada, que não é da União. Ele ganha milhões e acha que pode comprar tudo. Ele quer que seja tudo dele, para fazer monocultura”.
Um novo momento da luta pela terra
Antônio de Miranda, da direção nacional do MST, aponta um bom momento da luta pela terra. “O MST vem fazendo uma intensificação da luta. Temos vários focos de ocupação. Em Goiás, no Mato Grosso do Sul, e aqui no Paraná temos uma boa perspectiva, uma análise que seja possível, ainda neste ano, sair o processo para constituirmos o assentamento”, comenta.
Miranda também aponta que, de acordo com o planejamento que já vem sendo feito com as famílias, o futuro assentamento terá uma forma de sociabilização diferente. “Planejamos um assentamento menos “quadrado”, com os lotes mais próximos. No que diz respeito a produção, será agroecológica, saudável. “Também temos algumas famílias debatendo a produção de leite, grãos e frutas”.
Indagado sobre o lançamento do Plano Agrícola e Pecuário 2015/16, com R$ 180 bilhões, 20% a mais que o ano passado, Miranda lamentou. “Lamentável o volume de recurso que vai para o agronegócio. Lamentável a prioridade que o governo dá para a agricultura que tem a produção voltada para as commodities de exportação, principalmente soja e milho”.
Para a agricultura familiar, que também teve um acréscimo de 20% nos recursos, totalizando R$ 28,9 bilhões, Miranda comenta que esse volume não corresponde a quantidade de famílias produzindo no campo. “Se todas as famílias acessassem o recurso faltaria dinheiro. Do jeito que está, o Pronaf é excludente, contempla não mais que 80 mil famílias. O volume de recurso não é a questão e sim a forma de se ter acesso ao recurso. Sobre o Plano da Reforma Agrária que vem aí, esperamos que seja para a conquista de áreas. Não dá para o governo ficar no discurso de melhorias dos assentamentos. No último período, o MST e outros movimentos que lutam pela terra não obtiveram conquistas de áreas, novos assentamentos. O que houve foi regularização fundiária e não desapropriação para assentar novas famílias. E o reflexo disso a gente percebe no preço dos alimentos. A agricultura familiar não está produzindo. Se investe na agricultura para exportar e o alimento precisa ser importado, com isso os preços sobem. Precisamos de mais áreas e de recursos desburocratizados para produzirmos alimentos saudáveis”, finalizou.
Juventude sem terra
Característica peculiar do Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio foi a construção, desde a massificação, por jovens, em especial filhos de assentados. Wellington Lenon, acampado e do setor de comunicação do MST, explica que um coletivo de jovens, desde a época do acampamento base se mobilizava junto às famílias dos assentamentos da região para o debate e construção da ocupação. Essa foi a primeira tarefa da juventude. “O papel da juventude foi de mobilizar e organizar a própria juventude para ocupar.
Agora, depois de um ano, essa mesma juventude vem discutindo as estratégias para a resistência na área e a inserção destes jovens ocorre em todas as instâncias do acampamento. Desde a coordenação, passando pelos setores. Temos um coletivo pensando a questão da renda, escrevendo projetos, participando de editais. Temos um coletivo que organiza a cultura e a comunicação. Outro grupo já inicia os debates sobre a agroecologia. Tem muito jovem do acampamento fazendo os cursos que o MST oferece de agroecologia, agronomia. A Juventude tem um papel permanente aqui no acampamento”.
Lenon explica ainda que se debate com profundidade a questão da permanência da juventude no campo. “Sempre abordamos o tema do êxodo da juventude que conquista o assentamento e as vezes é induzida pelas indústrias ou pela própria mídia a deixar o campo. Fazemos essa reflexão de que precisamos garantir a nossa permanência e com isso construir as demandas para que essa permanência se efetive. Que assentamento queremos. Queremos esporte, lazer, cultura, comunicação. A juventude do campo precisa de acesso. Garantir, principalmente, o acesso a educação de qualidade. Para permanecermos no campo, mas não só para trabalhar na roça. Para permanecermos no campo com formação. Com saúde, médicos, assistência técnica. Precisamos garantir nossos direitos. Por que não podemos ter um teatro ou um cinema no assentamento? É um direito da juventude”.
As famílias não querem auxílio aluguel que não contempla todas as famílias. A Comunidade Mandela luta por Moradia para todas as famílias Foto: Fabiana Ribeiro | Jornalistas Livres
Negociação entre o proprietário do terreno e a municipalidade
A área de 300 mil metros quadrados é de propriedade de Celso Aparecido Fidélis. A propriedade não cumpre função social e possui diversas irregularidades com a municipalidade.
As famílias da Comunidade Mandela já demonstraram interesse em negociar a área, com o proprietário para adquirir em forma de cooperativa popular ou programa habitacional. Fidélis ora manifesta desejo de negociação, ora rejeita qualquer acordo de negócio.
Mas o proprietário e a municipalidade – por intermédio da COAB (Cia de Habitação Popular de Campinas) – estão negociando diretamente, sem a participação das famílias da Comunidade Mandela que ficam na incerteza do destino.
As mulheres são a grande maioria da Comunidade e também são elas que estão nos atos lutando por direitos. Foto: Fabiana Ribeiro | Jornalistas Livres
As famílias querem ser ouvidas
Durante o ato, uma comissão de moradores da Ocupação conseguiu ser liberada pelo contingente de Guardas Municipais que fazia pressão sobre os manifestantes , em sua grande maioria formada pelas mulheres da Comunidade com seus filhos e filhas. Uma das características da ocupação é a liderança da Comunidade ser ocupada por mulheres, são as mães que lideram a luta por moradia.
A reunião com o presidente da COAB de Campinas e Secretário de Habitação – Vinícius Riverete foi marcada para o dia 28 de setembro.
A luta e a esperança de igualdade social Foto: Fabiana Ribeiro | Jornalistas Livres
As mulheres da Comunidade Mandela, em sua maioria são trabalhadoras informais, se organizam para lutar por moradia.
Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam, o juiz despacha no processo de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo. No despacho proferido , o juiz do processo – Cássio Modenesi Barbosa – diz que aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário. A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017, lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação em relação ao despacho do juiz em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.
Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:
“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”
Hoje também foi realizada uma atividade on-line de Lançamento da Campanha Despejo Zero em Campinas -SP (
Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.
A Comunidade Mandela e as ocupações
A Comunidade Mandela luta desde 2016 por moradia e desde então tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas públicas habitacionais. Em 2017, cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam. Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde. O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade. As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura. Leia mais sobre: https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/
O dia de hoje (31/08) será decisivo para as 108 famílias que vivem na área ocupada na região do Jardim Ouro Verde em Campinas, interior de São Paulo. Assim sendo, o último dia do mês de agosto, a data determinada como prazo final para que os moradores sem-teto deixem a área ocupada, no Jardim Nossa Senhora da Conceição. A comunidade está muito apreensiva e tensa aguardando a decisão do juiz Cássio Modenesi Barbosa – da 3ª Vara do Foro da Vila Mimosa que afirmou só se manifestar sobre a suspensão ou não do despejo na data final, tal afirmativa só contribuiu ainda mais para agravar o estado psicológico e a agonia das famílias.
A reintegração é uma evidente agressão aos direitos humanos dos moradores e moradoras da ocupação, segundo parecer socioeconômico do Núcleo Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo . As famílias não têm para onde ir e cerca de entre as/os moradoras/es estão 89 crianças menores de 10 anos, oito adolescentes menores de 17 anos, dois bebês prematuros, sete grávidas e 10 idosos. 62 pessoas da ocupação pertencem ao grupo de risco para agravamento da Covid-19, pessoas idosas e com doenças cardiológicas e respiratórias, entre outras podem ficar sem o barraco que hoje as abriga.
Parecer socioeconômico da Ocupação da Comunidade Mandela. Importante trabalho da agente socióloga do Núcleo de Habitação – Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara de Campinas e o Ministério Público (MP-SP) se manifestaram em defesa do adiamento da reintegração durante a pandemia. A Governo Municipal também se posicionou favoravelmente a permanência após as famílias promoverem três atos de protesto. Novamente a Comunidade sofre com a ameaça do despejo. As famílias ocupam essa área desde 2017 após sofrem uma reintegração violenta em outra região da cidade.
As famílias
A comunidade possui 89 crianças com idade inferior a 10 anos
foto: Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres
Célia dos Santos, uma das lideranças na comunidade relata:
Foto Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres
“ Tentamos várias vezes propor a compra do terreno, a inclusão das famílias em um programa habitacional, no processo existem várias formas de acordo. Inclusive tem uma promessa que seriam construídas unidades habitacionais no antigo terreno que ocupamos e as famílias do Mandela seriam contempladas. Tudo só ficou na promessa. Prometem e deixam o tempo passar para não resolver. Eles não querem. Nós queremos, temos pressa. Eles moram no conforto. Eles não têm pressa”
Simone é mulher negra, mãe de cinco filhos. Muito preocupada desabafa o seu desespero
Foto: Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres
“ Não consigo dormir direito mais. Eu e meu filho mais velho ficamos quase sem dormir a noite toda de tanta ansiedade. Estou muito tensa. Nós não temos para onde ir, se sair daqui é para a rua. Eu nem arrumei as coisas porque não temos nem como levar . O meu bebê tem problemas respiratórios e usa bombinha, as vezes as roupinhas dele ficam sujas de sangue e tenho sempre que lavar. Como vou fazer?”
Dona Luisa é avó, mulher negra, trabalhadora doméstica informal e possui vários problemas de saúde que a coloca no grupo de risco de contágio da covid-19. Ela está muito apreensiva com tudo. Os últimos dias têm sido de esgotamento emocional e a sua saúde está abalada. Dona Luisa está entre as moradores perderam tudo o que possuíam durante a reintegração de posse em 2017. A única coisa que restou, na ocasião, foi a roupa que ela vestia.
Foto: Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres
“ Com essa doença que está por aí fica difícil alguém querer dar abrigo para a gente. Eu entendo as pessoas. Em 2017 muitos nos ajudaram e eu agradeço a Deus. Hoje será difícil. E eu entendo. Eu vou dormir na rua, junto com meus filhos e netos. Sou grupo de risco, posso me contaminar e morrer. E as minhas crianças? O quê será das crianças? Meu Deus! Nossa comunidade tem muitas crianças. Esses dias minha netinha me perguntou onde iríamos morar? Eu me segurei para não chorar na frente dela. Se a gente tivesse para onde ir não estaria aqui. Não é possível que essas pessoas não se sensibilizem com a gente. Não é possível que haja tanta crueldade nesse mundo.”
Comunidade Mandela – Foto Fabiana Ribeiro – Jornalistas Livres