Domingo no Parque e a floresta ao redor

por Jorge Eduardo Dantas e fotos de Junior Moraes/Mídia NINJA, de Manaus, especial para os  Jornalistas Livres

Na véspera da semana em que iniciou a COP 21, conferência pelo clima em Paris, várias cidades do mundo realizaram a Mobilização Mundial pelo Clima. Em Manaus, centenas de pessoas reuniram-se, no domingo,29, no Parque dos Bilhares, para a atividade que teve como objetivo chamar a atenção das autoridades e da sociedade para a questão das mudanças climáticas e seus prejuízos ambientais, sociais e econômicos.

Em várias cidades, ela tomou a forma de uma marcha. Em Manaus, virou uma grande ocupação cultural que reuniu diversas formas de manifestações artísticas, culturais e esportivas.

A mobilização iniciou por volta das 17h, no anfiteatro do Parque dos Bilhares. O público era formado por muitos iniciados nas questões ambientais mas não é possível dizer que era homogêneo.

Teve o pessoal do Greenpeace distribuindo panfletos, colhendo assinaturas para sua campanha do desmatamento zero, e promovendo jogos e brincadeiras.

A estudante Evelyn Castro, do grupo local de voluntários do Greenpeace, foi uma das organizadoras. Ela contou que, para viabilizar o evento, levou cerca de dois meses entre as reuniões iniciais até o evento propriamente dito. “Percebemos que a Amazônia é um tema central para a COP 21 e que aqui, dentro da região, a gente fala pouco de Mudanças Climáticas. Falta mobilização, falta informação e por isso achamos importante espalhar essa mensagem. Nossa vontade é que ocorram mais eventos assim”, explicou a estudante.

Teve barraca arrecadando doações para os mineiros prejudicados pelo rompimento da barragem em Mariana (MG).

Teve feira vegana, com uma comentadíssima coxinha de jaca (!).

Teve palestra com representantes do Ministério Público Federal, do Pedala Manaus e do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam).

No Amazonas, assim como no resto do País, o movimento ambientalista enfrenta desafios gigantescos, que têm dificultado bastante a adoção de políticas públicas efetivas que promovam a conservação dos recursos naturais. A situação não é muito melhor no que diz respeito à mitigação de impactos e aos prejuízos causados pelas mudanças climáticas.

No início do ano, o Governo do Estado promoveu uma reforma administrativa que reduziu em 88% os recursos para a pasta que cuidava do meio ambiente. A antiga Secretaria de Estado de Desenvolvimento Sustentável (SDS) foi “desidratada”, com diminuição de cargos, de atividades, de projetos; e virou Secretaria do Meio Ambiente (Sema). Instâncias importantes como o Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC) e o Centro Estadual de Mudanças Climáticas (Ceclima), que buscava viabilizar políticas públicas para o clima, foram extintos.

A extinção da Secretaria de Ciência e Tecnologia (Secti) causou comoção nas redes sociais e no meio acadêmico — mas as manifestações de repúdio, inclusive de entidades notórias como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), não foram suficientes para que o governador José Melo (PROS) revertesse sua decisão.

Teve uma molecada enorme, que foi para ouvir os músicos do Pirão AM, movimento cultural local que ficou responsável pela programação musical.

Teve bebês correndo, teve famílias passeando, teve casaizinhos namorando e grupinhos de amigos andando de skate para lá e para cá.

Um dos participantes da mobilização, o articulador do Engajamundo Gabriel de Souza Leitão, acha importante trazer para a sociedade amazonense a discussão sobre mudanças climáticas. “Para muita gente, ‘desenvolvimento urbano’ é derrubar tudo. Não existe preocupação com a vegetação, com a água, com a qualidade de vida, com a floresta. Precisamos mudar isso”, afirmou o rapaz.

Ele acredita que as pessoas precisam debater este assunto, assim como se empoderar e começar a adotar novas ações em seu cotidiano. “As pequenas ações tem poder para resolver e ajudar”, disse.

Teve gente do PSOL distribuindo panfletos (“O sistema tem que mudar, não o clima!”, dizia o título do impresso).

Teve designer de moda chorando no microfone porque o Governo do Estado desmatou uma área enorme, para construir um conjunto habitacional, numa área imprópria.

Decisões como a do governo do Estado têm consequências — semana passada o Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou que, de 2014 para 2015, o desmatamento da Amazônia aumentou em 16%. No Amazonas, esse aumento foi de 54%, principalmente no Sul do Estado, em Lábrea, Apuí e Boca do Acre. Apuí, inclusive, corre o sério risco de entrar na “lista negra” do desmatamento — e sofrer sanções econômicas até que reduza seus índices de desflorestamento.

Na capital Manaus, não há registros de que o prefeito Arthur Virgílio (PSDB) tenha políticas públicas, específicas e claras, voltadas para as mudanças climáticas.

Não que o Amazonas não esteja sofrendo — em 2005, uma seca de grandes proporções tomou todo o Estado de surpresa, causando prejuízos sociais, ambientais e econômicos. Em 2009, por outro lado, foi registrada a maior cheia dos últimos 100 anos, causando perplexidade na população local. Como se não fosse o suficiente, em 2012 outra grande cheia ocorreu, ultrapassando a de 2009 como “a maior do século” e causando uma nova leva de prejuízos.

Para o futuro, a estimativa é que a Amazônia fique mais quente, seca e que tenha sua quantidade de chuvas reduzida. Os idosos serão o segmento populacional mais afetado por esses problemas.

Sauim-de-Coleira

A Mobilização pelo Clima deu espaço também para temas mais locais: estiveram no Parque cientistas ligados ao Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação do Sauim de Coleira. Eles falaram sobre a preservação do primata, que é uma espécie endêmica e símbolo de Manaus.

“Precisamos criar unidades de conservação para proteger o Sauim. Sem ações efetivas, esse animal estará extinto em 50 ou 60 anos”, contou a bióloga Dayse Campista, uma das responsáveis pelo Plano. Ela disse ainda que é preciso criar, em Manaus, um sentimento que possa ajudar as pessoas a lutar pela manutenção da vida do macaquinho.

“As pessoas não valorizam e não amam o Sauim. Precisamos lembrar as pessoas que este é um animal nosso, que é um patrimônio que não existe em nenhum lugar do mundo e que cuidar do seu habitat é cuidar do nossohabitat. Se ele tiver qualidade de vida, nós também teremos, com certeza”, explicou a pesquisadora.

A bióloga, cientista, professora e membro do Movimento Ficha Verde, Rita Mesquita afirmou que levar a discussão sobre mudanças climáticas “para a rua” é sempre interessante.

“Temos que tirar este assunto do ambiente acadêmico, do ambiente político. Para engajar a juventude, ele precisa ser misturado com a arte, a cultura, o esporte. Isso é muito bacana”.

Rita disse também que os amazonenses precisam ter uma compreensão maior de seu papel na discussão sobre clima. “A Amazônia possui um papel central nessa conversa. E é um patrimônio nosso, é o que a gente coloca na mesa e com o que a gente negocia”, contou.

Teve algo que está presente nas conversas do manauara pelo menos desde setembro: a preocupação com as nuvens de queimada que tomam toda a capital no período da seca.

Para a advogada especialista em direito ambiental Luciana Valente, os amazonenses ainda não têm uma ideia muito clara do que são as mudanças climáticas. “Esse aumento de 2º C na temperatura global é um grande perigo para a humanidade. É gravíssimo, aumenta o nível dos oceanos, aumenta a fome no mundo, aumenta a desigualdade entre os povos”, disse.

Luciana, que também é uma das fundadoras da REDE Sustentabilidade no Amazonas, declarou ainda que movimentos como a Mobilização Mundial pelo Clima são importantes por mostrar que ao menos parte da sociedade está atenta para este assunto. “A discussão sobre clima começou há 20 anos, mas não tivemos até agora ações contundentes e efetivas sobre esse tema. E os governos não vão se sensibilizar sem pressão popular”, afirmou.

A advogada contou que, mesmo num momento de crise econômica, é preciso “sair da letargia” e perceber que os temas e assuntos estão todos interligados. “As mudanças climáticas são um fenômeno que afeta a todos, todo mundo sofre. Estamos numa época de chuvas sem chuvas, você percebeu? Isso é grave”, declarou.

Nem todo mundo percebe, e muitos ainda fingem que a questão não é importante, mas teve sim pessoas preocupadas com o meio ambiente em Manaus para além do marketing governamental e do lobby econômico que sustenta o modelo Zona Franca como preservador da floresta. E se reclamar vai ter mais!

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