Reportagem e edição: Jennifer Mendonça, Fernando Sato, Lisa Costa, Marcela Montserrat e Maria Carolina Trevisan, para Jornalistas Livres
O coração de Mãe Gilda começou a morrer no segundo em que viu sua foto estampada na capa da Folha Universal, jornal da Igreja Universal do Reino de Deus, ao lado da manchete “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. Era outubro de 1999 e a publicação ligava a iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, responsável pelo terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador (BA), a práticas ilícitas. Nos dias que se seguiram, sua casa foi invadida, seu marido foi agredido verbal e fisicamente, e seu terreiro foi incendiado. O coração de Mãe Gilda parou para sempre no dia 21 de janeiro de 2000, em um infarto fulminante. O ódio a matou.
Para reverenciar a memória de Mãe Gilda e lembrar que intolerância religiosa é crime, foi criado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa em 2007. Diversos atos pacíficos aconteceram pelo país. Veja, no vídeo em destaque, a manifestação em São Paulo, que aconteceu no vão do MASP, na Avenida Paulista, e teve a participação de cerca de 600 pessoas.
Religiões de matriz africana
Foto: Fernando Sato/Jornalistas Livres
A liberdade de crença é garantida pela Constituição. Os principais alvos são as religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. Boa parte dos atos de intolerância são motivados pelo racismo.
No ano passado, a iyalorixá Mãe Dede de Iansã teve um ataque cardíaco fulminante na Bahia. Sua família alega que o coração da nonagenária parou de bater por causa de perseguições sofridas durante um ano inteiro. na noite anterior a sua morte, fiés de uma igreja evangélica teriam passado a madrugada em vigília proferindo ofensas contra seu terreiro.
As denúncias de discriminação religiosa recebidas pelo Disque 100 atingiram em 2015 seu maior número desde 2011, quando o serviço passou a receber esse tipo de denúncia. No ano passado, foram reportados 252 casos, um aumento de 69% em relação a 2014. Os estados do Sudeste concentram a maioria das denúncias.
Entre os casos de intolerância religiosa, as religiões de matriz africana são os principais alvos.
No Rio de Janeiro, casos compilados pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro, mostram que mais de 70% dos 1.104 casos de ofensas, abusos e atos violentos registrados no Rio entre 2012 e 2015 são contra praticantes de religiões de matriz africana.
Uma menina de 11 anos foi atingida na cabeça por uma pedrada na Zona Norte do Rio de Janeiro quando voltava de um culto, vestida com as roupas dos candomblecistas.
No Distrito Federal, o governador, Rodrigo Rollemberg, sancionou uma lei, nesta quinta-feira (21/1), que cria a 1a delegacia para investigar crimes de intolerância religiosa. Nos últimos meses, quatro terreiros de religiões de matriz africana foram incendiados no Distrito Federal e entorno. Durante a assinatura da lei, policiais civis do DF fizeram uma manifestação contra a criação da delegacia especializada alegando déficit de funcionários.
Direito de liberdade de crença
Foto: Fernando Sato/jornalistas Livres
A Constituição Brasileira prevê, em seu artigo 5o, a liberdade de crença religiosa, a proteção e o respeito às manifestações religiosas:
“VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
O Código Penal brasileiro também define discriminação religiosa como crime:
“Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso;”
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
“Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.”
É obrigação do Estado (que supostamente é laico) garantir esses direitos. “Para esse país aprender a ser um país laico, ele precisa ter amor pelas pessoas, independente de qualquer coisa”, explica a sambadeira Dulcineia Cardoso, a Nega Duda, há 10 anos cantora do bloco afro Ilu Obá de Min, e importante voz na luta pelos direitos das mulheres negras. “Estamos aqui na luta, como a gente faz todos os dias.”
É preciso respeitar o coração. O ódio faz o coração parar.
Após 10 meses do crime ambiental causado pelo derrame de petróleo cru que atingiu o litoral da região do Nordeste, ainda há evidencias de que esse resíduo permanece no local.
O biólogo Felipe Brayner pontuou locais entre as praias de Itapuama e Pedra de Xaréu no Cabo de Santo Agostinho onde é possível visualizar o material, “Foram 47 pontos específicos, sendo uma mais expressivas com aproximadamente 1 metro quadrado” afirma o biólogo. Ele explica também que as rochas atingidas são metamórficas que, longe de seus locais de formação e submetidas à pressão e temperaturas diferenciadas, transformam-se e modificam suas características, abrigando diversas espécies como arthopodos, cnidários, moluscos e crustáceos, espécies estas que estão sendo afetadas pelo resíduo. “Uma forma de mitigação dessa situação é o uso do biogel”, concluiu Felipe.
Precisamos chamar a atenção dos órgãos competentes. Isso não pode continuar como está, nosso meio ambiente grita o tempo todo por socorro. Precisamos lutar!
Há mais de 30 anos, no período que antecede a temporada da estiagem no Oeste do Pará, o Projeto Saúde e Alegria (PSA) intensifica suas atividades de combate às queimadas. A cerimônia que marcou o pontapé inicial da campanha de Prevenção ao Fogo 2020 atendeu ao pedido do 4º Grupamento de Bombeiros Militares (4º GBM).
Depois de todo o ocorrido no final do ano passado, não deixa de ser um marco histórico. Realizado na última sexta-feira (10/07) com a doação de equipamentos de ponta para o pessoal da linha de frente no combate aos incêndios, o evento oficializou a renovação da parceria entre a ONG e o 4º Grupamento de Bombeiros Militares (4º GBM), sete meses após a Operação Fogo do Sairé, que resultou na apreensão de computadores, documentos e prestações de contas dos últimos sete anos do Projeto Saúde e Alegria, que ficou sob investigação.
O caso foi amplamente divulgado na imprensa nacional e internacional com a prisão de quatro integrantes da Brigada de Alter, um deles funcionário do PSA, investigados por atear fogo na floresta para receberem benefícios financeiros. Apesar do que foi alardeado na época, principalmente nos primeiros dias que se seguiram às apreensões, com algumas autoridades policiais insinuando o envolvimento de ONGs nos incêndios, não houve acusação formal ou indiciamento algum contra a Organização, nem no primeiro relatório final do inquérito da Polícia Civil, nem no segundo e último, mesmo com os pedidos por mais apurações solicitados pelo Ministério Público Estadual.
“Por tudo isso que passamos, um momento difícil ao ser acusado por algo que não fizemos e sempre lutamos contra, é animador reeditar a Campanha 2020 atendendo ao pedido deles para a revitalizar essa aliança com o 4º GBM. Seguir cooperando e oferecer condições mais adequadas de proteção e combate para essa turma heróica que cuida da gente e das florestas é ainda mais fundamental esse ano, em que a temporada de fogo coincide também com a intensidade da pandemia do coronavírus aqui na nossa região”, disse o coordenador do PSA, Caetano Scannavino.
A parceria é uma retomada na proposta do Plano Territorial de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, construído em outubro de 2019 com participação de representantes da Resex Tapajós-Arapiuns, Flona Tapajós, Corpo de Bombeiros, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, ICMBio e Brigada de Alter, quando então foram traçadas estratégias para atuação das entidades, como cursos de capacitação para novos brigadistas, oficinas de prevenção ao fogo, apoio para aquisição de equipamentos, entre outras ações.
Nessa primeira ação da campanha de prevenção ao fogo de 2020, o PSA doou à Corporação equipamentos para melhoria das condições de combate, como sopradores, roupas completas, botas, luvas, balaclavas e capacetes. Antes, os bombeiros já haviam recebido EPIs para se protegerem em meio a pandemia de Covid-19.
Estas ações de prevenção e combate aos incêndios são parte do Programa Floresta Ativa do PSaa, com atividades também de restauração florestal, apoio à agricultura familiar, à bioeconomia e às cadeias produtivas que ajudam na renda das comunidades e mantém a floresta em pé.
O biólogo Paulo Bonassa, coordenador do Floresta Ativa, aproveitou para agradecer os parceiros Rainforest Alliance, Instituto Clima e Sociedade | ICS, e outros mais recentes que tem apoiado o Programa, e destacou a importância de um plano conjunto:
“As queimadas infelizmente ocorrem anualmente na Amazônia, ora menores, ora maiores, como as do ano passado na APA Alter do Chão, e a gente sabe das dificuldades dos bombeiros para atender todos os alertas, muitos ao mesmo tempo, em locais diferentes, de difícil acesso, numa área de grandes extensões. Por isso a importância de somar, das campanhas educativas de prevenção, das iniciativas de apoio da sociedade, das brigadas voluntárias, de comunitários capacitados para o primeiro combate, sem falar no suporte para que a turma da linha de frente esteja bem protegida e equipada. São exemplos de ações previstas no nosso programa Floresta Ativa, em apoio ao Plano desde o ano passado e retomadas agora”.
O comandante do 4º GBM, Tenente-coronel Ney Tito, ressaltou a necessidade dos itens para o grupamento responsável por atender ocorrências em toda região oeste do Pará: “O Saúde e Alegria, grande parceiro de longas datas, hoje fez a entrega desse material de suma importância para nossas ações de combate aos incêndios florestais. Com esses equipamentos, nós vamos ter a capacidade operacional de atuarmos diretamente nesses incêndios e principalmente instruir as instituições, projetos e programas para que os munícipes e as comunidades estejam devidamente treinadas para que possam dar esse primeiro combate. São materiais que com toda certeza vão ser de grande valia para nossas operações”.
Para Ana Daiane, colaboradora do PSA, comunitária do Maripá, na Resex, e formada como brigadista, a retomada dessa parceria é uma ótima notícia:
”É uma oportunidade de remobilizar a Brigada do CEFA num trabalho com brigadistas comunitários da Resex formados no ano passado nessa parceria do PSA, Corpo de Bombeiros e ICMBio. E a depender da pandemia, mais pra frente, além de seguir o trabalho com quem está formado, seria importante retomar também os cursos para formação de novos brigadistas. O verão vem forte e é importante que estejamos preparados!”
“Mais do que nunca, o momento pede a união de todos, e nesse sentido, seja agora ou antes, o Saúde e Alegria sempre esteve mobilizado para ajudar. Fica nossa gratidão ao Tenente-coronel Tito e sua equipe pelo chamado para retomarmos essa bem sucedida parceria e pela confiança depositada no nosso trabalho. Bóra em frente até porque não serão tempos fáceis de vírus mais fogo. Sigamos!” – finalizou Scannavino.
“Vamos ver como que a gente vai seguir daqui pra frente com o ataque contra a floresta e contra o povo da floresta.”
Está no ar o primeiro episódio da série “Vozes Da Floresta – A Aliança dos Povos da Floresta de Chico Mendes a Nossos Dias” com Ailton Krenak. Nesta entrevista ele fala sobre a ideia da Aliança para os dias de hoje, o que é ser índio no Brasil, a ideia de resgate e identidade, a importância da memória, o modo de gestão territorial indígena, a relação dos movimentos sociais com a política institucional e as contradições e desafios que o atual momento histórico coloca a todos os brasileiros.
“Vozes Da Floresta – A Aliança dos Povos da Floresta de Chico Mendes a Nossos Dias” é uma série composta por entrevistas com lideranças indígenas, extrativistas e militantes refletindo sobre as lutas pela preservação das florestas e dos direitos dos povos que a habitam, lembrando o passado e o presente desta poderosa articulação entre indígenas e seringueiros.
Conheceremos momentos importantes dessa história, que teve entre suas lideranças Chico Mendes, seringueiro que conseguiu projeção internacional nos anos 1980 discutindo a questão da preservação das florestas brasileiras, e que por sua luta foi covardemente assassinado a mando de fazendeiros em 1988.
A Aliança dos Povos da Floresta surgiu em meados dos anos 1980, quando algumas das mais importantes lideranças dos povos indígenas e seringueiros do Brasil se uniram para reivindicar demarcações de territórios e a criação de reservas extrativistas. Era o momento de abertura democrática e a assembleia constituinte começava seus trabalhos. O encontro e a pressão destas lideranças foi fundamental para a inclusão na constituição de direitos em defesa dos povos indígenas e proteção do meio ambiente.
Ao longo de seis semanas faremos uma reflexão sobre os legados da Aliança dos Povos da Floresta para o meio ambiente, os erros e acertos das lutas nos anos 1990 e 2000 e a retomada da Aliança nos dias de hoje, quando vivemos um processo acelerado de destruição das florestas e seus povos, com o incentivo do atual Governo Federal.
O primeiro episódio é com Ailton Krenak que discutirá a ideia da Aliança para os dias de hoje, o que é ser índio no Brasil, a ideia de resgate e identidade, a importância da memória, o modo de gestão territorial indígena, a relação dos movimentos sociais com a política institucional e as contradições e desafios que o atual momento histórico coloca a todos os brasileiros.
A série foi filmada no Acre, São Paulo, Brasília e Minas Gerais, conversando com mais de 20 entrevistados. Destas filmagens resultarão 12 video-reportagens que serão exibidas as terças e quintas-feiras no canal do Le Monde Diplomatique posteriormente um webdoc que será lançado no segundo semestre. Este material é parte do documentário “Não verás país nenhum”, que será lançado no início do próximo ano.
Dirigida e roteirizada pelo cineasta e jornalista Thiago B. Mendonça, autor de diversos filmes premiados entre ficções e documentários como “Jovens Infelizes” (2016), “Entremundo” (2015), “Procura-se Irenice” (2015), “A guerra dos gibis” (2013) e “Piove, il film di Pio” (2012), a série foi produzida com o apoio do Rainforest Journalism Fund, em associação com o Centro Pulitzer. A produção é da Memória Viva, em parceria com o Le Monde Diplomatique e tem o apoio da InfoAmazonia e da Saci Filmes do Acre.