Devendo o carnaval, prefeitura de Natal vai pagar R$ 350 mil para Simone e Simaria no São João

O Diário Oficial do Município trouxe na segunda-feira (10) os valores dos cachês que a prefeitura de Natal vai pagar às atrações nacionais do São João. Os contratos foram publicados por inexigibilidade de licitação.

Os shows começam na próxima quarta-feira (12) e seguem até domingo (18), na Arena das Dunas. Só o aluguel do estádio vai custar aos cofres municipais R$ 240 mil.

A soma dos valores dos cachês chama a atenção pelas cifras absolutas e também quando comparados ao carnaval de 2019. A prefeitura deve desembolsar mais de 1,2 milhão para sete atrações nacionais no período junino. Já no carnaval, os valores dos cachês para 16 bandas de renome chegaram a R$ 1,194 milhão.

No São João deste ano o valor mais alto será pago à dupla sertaneja Simone e Simaria, que receberá R$ 350 mil. O montante equivale a mais do que o dobro do maior cachê pago no carnaval de 2019. Em março, o músico Carlinhos Brown recebeu R$ 150 mil para abrir a folia de momo no largo do Atheneu.

Ainda a título de comparação, a prefeitura lançou recentemente um edital para o Centro Histórico no valor total de R$ 200 mil. A verba vai contemplar 23 artistas e grupos de Natal para se apresentar na região.

No ranking dos maiores cachês do São João a segunda posição é do cantor Xande do Aviões (antigo Aviões do Forró), cujo valor declarado é de R$ 300 mil.

A dupla sertaneja Zezé de Camargo e Luciano vem a Natal por R$ 265 mil, bem acima de outra dupla do gênero, César Menotti e Fabiano, que receberá R$ 160 mil. A banda Saia Rodada teve o cachê divulgado de R$ 110 mil.

A disparidade é tão grande com outros eventos realizados pela própria Prefeitura de Natal que um artista como Genival Lacerda, ligado à tradição do forró brasileiro, receberá um cachê de R$ 15 mil, de acordo com os extratos publicados no DOM. O valor é um terço do que receberá a banda cearense Caninana do Forró, cujo cachê divulgado é de R$ 46 mil.

Artistas de Natal ainda não receberam os cachês do carnaval

Prefeito Álvaro Dias (MDB) vai fazer o São João sem ter quitado a dívida com artistas de Natal no carnaval (foto: Assecom)

A demora para receber os cachês não chega a ser uma novidade para os artistas de Natal. O problema é a diferenciação no tempo de pagamento entre os músicos de casa e as atrações nacionais.

O que chama a atenção é a naturalização dessa cultura para algumas pessoas.

O produtor cultural Marcelo Veni defende que artistas e produtores precisam se adaptar a essa realidade. Ele citou a obrigação que a prefeitura tem de fazer os pagamentos respeitando a ordem cronológica da realização dos eventos:

– Os pagamentos têm que obedecer a uma cronologia. Não se pode pagar show do carnaval antes de pagar um show que ocorreu em janeiro, por exemplo. Todo mundo que participa dos editais sabe disso. Ninguém faz um show não sabendo dessa realidade de cronologia de pagamento. Acho que os cachês do carnaval estão dentro de um tempo, que não é muito diferente dos demais”, afirmou.

Questionado se o ideal não seria o artista subir ao palco já com os cachê no bolso ou pelo menos receber logo após a apresentação, o produtor disse que não há essa possibilidade:

– O ideal não existe, infelizmente. Não só nessa questão, como em outras. Eu pelo menos prefiro trabalhar e receber depois do que não fazer e não receber nunca. É uma realidade que a gente tem que administrar”, disse.

O músico, arranjador e produtor Xico Bethoveen vê com naturalidade o tempo de pagamento:

– Como todo ano, (o cachê do carnaval) só sai quatro meses depois. Não deveria, mas é de praxe”, afirma.

Bethoveen defende uma mobilização conjunta envolvendo artistas, políticos e imprensa para reduzir essa diferença entre artistas de casa e de fora do Estado. Para ele, essa relação passa pela força do segmento:

– Os problemas vem de longe, apesar dos artistas locais fazerem 90% da festa do carnaval, por exemplo. São raros os artistas que conseguiram chegar na grande mídia, mesmo assim os que aparecem não estão no topo das paradas de sucesso. O Carnatal, por exemplo, que tem visibilidade mundial, já consagrou diversos artistas baianos, mas nenhum daqui. Não existe um sindicato forte que represente a categoria dos músicos, aliás, a representatividade da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB) e do SINDIMUSI local é quase nula. Se não houver uma reflexão e um movimento coletivo envolvendo todos os atores envolvidos, sejam artistas, políticos, mídia local, nada vai mudar.

Músico experiente que já passou por bandas de renome no cenário nacional, como Cidade Negra, Bethoveen acredita que estratégia de fazer eventos para grandes multidões só com artistas de destaque nacional precisa ser repensada:

– Já vi o prefeito atual falar que está aberto a ideias. A economia do entretenimento já é quem mais faz circular dinheiro no planeta, inclusive já ultrapassou a bélica há algum tempo. Quem comanda o município gosta de ver grandes aglomerações de pessoas nos eventos e acham que só trazendo artistas que aparecem na mídia conseguem esse feito. Há exemplos de estratégias que comprovam o contrário”, afirma

Artista compara demora no pagamento com “tapa na cara”

Cantora Dani Cruz ainda não recebeu cachê do carnaval e diz que artistas são reféns de editais e políticas culturais (foto: acervo Dani Cruz)

A naturalização, no entanto, está longe de ser consensual entre os artistas. A cantora Dani Cruz, por exemplo, está na fila para receber os cachês do carnaval e acha revoltante essa diferenciação entre os artistas, o que ela classifica como “um tapa na cara”:

– O que acontece com muitos artistas da cidade é que ficamos reféns de algumas políticas culturais e alguns editais para realmente pagar contas no fim do mês. Colocaram goela abaixo cachês que não pagam o trabalho que a gente tem. Tenho consciência do quanto invisto no meu trabalho. As horas que coloco para fazer um show bonito e legal. Se as mesmas condições que dão para os artistas nacionais fossem dadas para nós, artistas da casa, não precisariam pagar cachês exorbitantes. É muito revoltante. A gente fica pensando em outras alternativas para sustentar nosso trabalho porque depender do poder público, da prefeitura de Natal, a gente leva isso, esse tapa na cara.

A cantora e intérprete Laryssa Costa segue a linha de Dani Cruz e fala na desmotivação que a demora nos processos de pagamento provoca nos artistas. A prefeitura de Natal acumula dívidas com Laryssa desde janeiro, quando ela se apresentou na Árvore de Mirassol, no projeto Natal em Natal. De lá para cá, a artista fez cinco shows contratada pela secretaria municipal de Cultura e não recebeu nenhum centavo por nenhum deles ainda:

– Acho que há uma tendência na Prefeitura em acumular processos. Eu mesma já tenho vários, ou seja, cada evento que fazemos há um processo que precisa ser aberto junto à Controladoria para recebimento, execução, prestação de contas, etc.   Uma burocracia que é exigida com prazo e tempo limitado, mas que para recebimento (dos pagamentos) essa agilidade toda é facilmente substituída pela morosidade e espera. Vejo a prefeitura anunciando eventos com verbas altíssimas sem nem ter pago eventos anteriores, só acumulando dívidas com a classe artística e oportunizando em nós uma desmotivação geral, além da recusa em participar de iniciativas, editais, convites realizados por eles”, desabafa.

Confira os cachês das atrações nacionais do São João

Dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano receberá R$ 265 mil para tocar no São João de Natal (foto: divulgação)

Simone e Simara – R$ 350 mil
Aviões do Forró – R$ 300 mil
Zezé de Camargo e Luciano – R$ 265 mil
César Menotti e Fabiano – R$ 160 mil
Saia Rodada – R$ 110 mil
Banda Caninana – R$ 46 mil
Genival Lacerda – R$ 15 mil
 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. o show de nenhum cantor não vale nem a metade disso ainda mais a crise que o Brasil está passando

POSTS RELACIONADOS