Conecte-se conosco

#EleNão

Destemperado, ministro de Bolsonaro ataca a OMS e chanceler da Venezuela defende

Publicadoo

em

Jorge Arreaza defende a OMS e Ernesto Araújo ataca: Brasil soma 17.000 mortos pela Covid-19, enquanto Venezuela conta 10 mortos

 

Por Jorge Arreaza Monserrat, chanceler da República Bolivariana da Venezuela

Este tempo de pandemia nos ensinou que as pessoas e governantes de distintos países são capazes de tudo: do melhor e do pior. Por um lado, não existe dúvida do compromisso e da compreensão da imensa maioria da população mundial que assumiu a preservação da humanidade como principal prioridade, tomando profundas medidas de resguardo e distanciamento social. Por outro, observamos o capricho dogmático e irreflexivo daqueles que somente se preocupam com a “saúde do mercado”, colocando em perigo o bem estar de cada ser humano que habita a Terra.

Temos escutado vozes de cada canto do planeta que indicam algo que sempre foi óbvio: o mercado não tem mecanismos nem argumentos para fazer frente aos problemas que afetam princípios básicos da humanidade, como saúde, alimentação, educação e moradia. No meio desta luta contra o rastro de mortes que deixa a Covid-19, o capitalismo não tem capacidade de resposta para oferecer aos povos segurança e atenção, nem mesmo garantias à vida. Numerosas análises, com argumentos válidos, sinalizam a imperiosa necessidade de repensar o mundo e a vida em sociedade.

O dogmatismo neoliberal, muito longe de deter-se para refletir diante da evidência que surge com as terríveis estatísticas e cada história de vida ao redor desta enfermidade, reage intempestivamente contra as vozes da consciência humana. Com pensamentos anacrônicos e bipolares, buscam reavivar um debate macartista e maniqueísta, deixando de lado a possibilidade racional para buscar soluções.

O pensador esloveno Slavoj Zizek é um intelectual destes tempos, que está muito distante de postulados doutrinários ortodoxos e em sua obra costuma gerar diálogos com a cultura e as dinâmicas políticas de sua própria época. Podemos coincidir ou discordar de suas análises e das críticas que faz a diversos processos anti-capitalistas. No entanto, temos que reconhecer seus aportes ao debate e à reflexão necessária.

Recentemente Zizek publicou um ensaio sobre a situação mundial atual chamado “Pandemia! O Covid-19 sacode o mundo”, em que discorre sobre a dinâmica mundial, o desenvolvimento do vírus, a abordagem tomada pelos diversos estados, as repercussões sobre a sociedade e o próprio indivíduo.

Zizek combina pensamento filosófico clássico e contemporâneo, recorre ao imaginário popular, utiliza fontes informativas e lança mão de metáforas cinematográficas para propor o que finalmente será o mundo posterior ao coronavírus: um mundo muito mais solidário, onde cada estado terá a fortaleza para poder atacar a ameaça de acordo com suas próprias estratégias, mas onde também a solidariedade entre os povos e países se possa converter em um princípio fundamental para atingir a salvação da espécie e do planeta.

 

Panfleto oportunista

Mas chegamos à leitura de Zizek por via indireta. Na realidade chegamos à fonte, depois de toparmos com um panfleto destemperado e oportunista, cheio de lugares comuns, próprio de outro tempo histórico e outras latitudes, cuja autoria assume o ortodoxo chanceler do governo de Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo.

Esse polêmico ministro é um dos grandes defensores da tese de que o mercado deve ser responsável por reduzir o impacto da pandemia em seu país e no mundo. Paradoxalmente, o Brasil se converteu no centro da expansão exponencial da doença em Nossa América. A escrita elementar de Araújo, apesar de suas pretensões acadêmicas, carece de rigor analítico e metodológico. Ele intitulou seu artigo assim: “Chegou o Comunavírus”, em clara referência àquela reminiscência propagandista monroista-macartista dos anos sessenta e setenta, época em que o medo foi instilado, alegando que “o vírus da guerrilha e do comunismo” havia chegado à América Latina.

Ao longo do texto, esse ministro muito pouco respeitado no próprio Itamaraty usa frases descontextualizadas e desvirtua o significado real do ensaio original de Zizek. Araújo faz um esboço maniqueísta e manipulador do sistema fracassado que ele defende, expressando um claro desdém pela humanidade e, o que é mais grave diante de sua investidura, pelo sistema multilateral e pelos mecanismos acordados pelos países do mundo para abordar conjuntamente as ameaças e problemas globais. Vejamos alguns elementos apresentados neste artigo.

O argumento central de Araújo é que, de acordo com Zizek, a globalização é uma estratégia subsequente ao socialismo para tentar impor um sistema totalitário que busca o desaparecimento do estado. Em sua declaração, ele aponta:

“Zizek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade.”

Agora, verifica-se que, segundo Araújo, a globalização é uma estratégia comunista, como também o desaparecimento da força do Estado como estrutura fundamental para a organização nacional.

Para esse cavalheiro, a globalização não está regida por um aparato econômico-financeiro que determina o desenvolvimento das dinâmicas internas e externas dos estados nacionais. Segundo Araújo, a globalização e a cartelização das informações que categoriza e acusa, que julgam e difamam governos e povos inteiros, é uma estratégia preparatória para o comunismo. Para este distinto diplomata, a ameaça à liberdade dos estados se baseia em uma ideia globalista comunista.

Mas esse argumento apenas prepara o ataque mais perigoso que sustenta seu “Cavalo de Tróia” da ideologia neoliberal, mesmo que se torne cada vez mais evidente no contexto de um mundo cada vez mais multipolar. Ele tenta construir um senso comum (Gramsci) que aponta para a necessidade de desregular todos os andaimes institucionais, não apenas dentro das nações (princípio neoliberal por excelência), mas também para instituições multilaterais internacionais que permitem a coexistência e a cooperação saudável entre as nações. Por esse motivo, apela ao livro do pensador esloveno para desenvolver sua verdadeira agenda e seu objetivo preciso: o desprestígio da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Justo no momento em que o mundo mais precisa de mecanismos multilaterais que possam coordenar os esforços de todos os atores internacionais, com base no rigor técnico e especializado necessários, o insólito artigo de Araújo ressalta novamente:

“Não escapa a Zizek, naturalmente, o valor que tem a OMS neste momento para a causa da desnacionalização, um dos pressupostos do comunismo. Transferir poderes nacionais à OMS, sob o pretexto (jamais comprovado!) de que um organismo internacional centralizado é mais eficiente para lidar com os problemas do que os países agindo individualmente, é apenas o primeiro passo na construção da solidariedade comunista planetária.”

Leia para acreditar! Na mesma linha, com enorme cinismo, o chanceler aponta suas baterias contra a UNESCO, chamando-a de um grande instrumento para a ideologização de um novo mundo comunista, que apenas habita as mentes perturbadas do autor e de seus correligionários.

Mas ele nunca fala da ação de controle e sujeição sistemática, da ditadura de outras organizações como o Fundo Monetário Internacional, que, por exemplo, negou o apoio solicitado pelo Estado venezuelano para confrontar a COVID-19 por razões exclusivamente ideológicas. Justamente quando Donald Trump suspende as contribuições à OMS – um compromisso inevitável dos Estados membros – e se dedica a atacá-la e desacreditá-la, Araújo alega que a OMS serviria de ponta de lança para o estabelecimento do comunismo planetário.

Em contrapartida, o chanceler irmão da Federação Russa, Sergey Lavrov, alertava há alguns dias sobre a politização indevida em torno da OMS em tempos de pandemia, apontando também que poderia tratar-se de reações defensivas que tiveram origem na negligência de alguns países antes da pandemia:

“Não queremos que essa aspiração de unir forças [contra a pandemia] seja politizada, vejo sinais de tal politização nos ataques à OMS. (…) Esses ataques, na minha opinião, refletem o desejo de justificar certas ações que se mostraram atrasadas, insuficientes demais ”.

Corresponde, portanto, por mero rigor e apego ao conhecimento e à verdade, revisar as reflexões de Zizek para que um organismo como a OMS tenha maior capacidade executiva, em tempos excepcionais como o em que vivemos. Vamos ver o contexto em que o filósofo fala:

“Anos atrás, Fredric Jameson chamou a atenção para o potencial utópico em filmes sobre uma catástrofe cósmica (um asteróide que ameaça a vida na Terra ou um vírus que mata a humanidade). Essa ameaça global levaria à solidariedade global, nossas pequenas diferenças se tornariam insignificantes, todos trabalharíamos juntos para encontrar uma solução, e aqui estamos hoje na vida real. Não se trata de desfrutar sadicamente do sofrimento generalizado, na medida em que ajude nossa causa; pelo contrário, é uma questão de refletir sobre um triste fato de que precisamos de uma catástrofe que nos torne capazes de repensar as características básicas da sociedade em que vivemos. O primeiro modelo incerto dessa coordenação global é a Organização Mundial da Saúde, de quem não recebemos o barulho burocrático usual, mas avisos precisos proclamados sem pânico. Essas organizações deveriam receber mais poder executivo. Bernie Sanders é o centro da zombaria dos céticos por sua defesa da saúde universal nos Estados Unidos – a lição da epidemia de coronavírus não seria a necessidade de começar a criar algum tipo de rede global de saúde? (…) E não se trata apenas de ameaças virais, mas há outras catástrofes surgindo no horizonte ou que já estão acontecendo: secas, ondas de calor, tempestades enormes, etc. Em todos esses casos, a resposta não é de pânico, mas de um trabalho árduo e urgente para estabelecer algum tipo de coordenação global eficiente.”

Vemos que, nas abordagens do autor, não há argumento que mine a soberania dos países. Trata-se de buscar a maior eficácia global em problemas que são obviamente globais. Hoje em dia, ninguém pode se sentir a salvo da pandemia dentro de suas fronteiras se seus vizinhos levam uma nova bomba-relógio viral à sua porta.

Sem ir longe demais, a Venezuela, sob a liderança do presidente Nicolás Maduro, conseguiu ter um controle bem-sucedido da doença. No entanto, não podemos descansar tranquilamente, enquanto em países como Colômbia e Brasil o crescimento de contágios ameaça a saúde de nosso povo. É por isso que o governo bolivariano tentou de todos os modos coordenar políticas e ações conjuntas com seus vizinhos. Esforços que tiveram pouco e relativo sucesso, já que os governos de Jair Bolsonaro e Iván Duque não apenas agiram erraticamente diante do coronavírus, mas também são arrogantes e reticentes ao estabelecer comunicações e estratégias com as autoridades venezuelanas.

Mais uma vez, o motivo, como o do Fundo Monetário, é estritamente político e geopolítico: seu chefe do Norte os repreende se estabelecerem uma boa coordenação com a Venezuela para proteger seus povos.

Há muitos elementos que Araújo retira parcial e convenientemente do extenso texto de Zizek. Entre outras coisas, o pensador esloveno faz uma longa análise de novas formas de trabalho no sistema econômico contemporâneo. Para isso, estabelece um diálogo com algumas propostas do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.

Na complexidade da proposta de Zizek, as novas categorias e classes de trabalhadores são estabelecidas em um mundo menos simples do que o que existia durante a revolução industrial, que é quando as categorias do marxismo clássico foram produzidas. Mas Araújo apenas pega os conceitos e palavras que o interessam para chegar a uma conclusão simples, mas tendenciosa, no final de seu artigo:

“A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de “solidariedade” encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração.”

Em outras palavras, para Araújo, Zizek propõe estabelecer um comunismo fascista que destruirá o estado-nação e transformará o mundo em um enorme campo de concentração no mais puro estilo nazista. Mas vamos à fonte original e contrastemos com a racionalidade. Zizek diz:

“Não é uma visão de um futuro brilhante, mas de um ‘comunismo de desastre’ como um antídoto para o capitalismo de desastre. O Estado não deve apenas assumir um papel muito mais ativo, organizando a produção de itens urgentemente necessários, como máscaras, equipamentos de teste e respiradores, seqüestrando hotéis e outros resorts, garantindo a sobrevivência mínima de todos os recém-desempregados, e assim sucessivamente, fazendo tudo isso abandonando os mecanismos de mercado. (…) E, no extremo oposto da escala, algum tipo de cooperação internacional eficaz terá que ser organizada para produzir e compartilhar recursos. Se os estados simplesmente se isolarem, as guerras começarão. Refiro-me a esse tipo de evento quando falo em “comunismo” e não vejo outra alternativa senão a de uma nova barbárie “.

Está longe dos sinais totalitários que Araújo inventa. Zizek chega a essa conclusão depois de apontar que mesmo dois dos líderes mais recalcitrantes do neoliberalismo mundial, Donald Trump e Boris Johnson, passaram por decisões que partem dos postulados doutrinários do controle de mercado: o Presidente dos Estados Unidos anunciou a possibilidade de intervir e assumir o controle de empresas privadas para garantir o bem nacional; além de considerar a entrega de uma bolsa de mil dólares a cada família em seu país.

Por seu turno, o primeiro-ministro britânico – em 24 de março deste ano – estabeleceu a nacionalização temporária das ferrovias. Assim, o filósofo ressalta que: “Não é uma visão comunista utópica, é um comunismo imposto pelas necessidades da mera sobrevivência”.

O texto de Slavoj Zizek coloca em perspectiva muitos elementos de reflexão indispensáveis na sociedade complexa dessa época, na qual, sem dúvida, muitos desafios são coletivos, globais. Mas também nos aponta para uma possibilidade latente e necessária.

É fundamental que a liderança mundial possa aproveitar esse momento para fortalecer os princípios do multilateralismo, a coordenação em benefício de todos. Essa é a moral que caracteriza o texto do filósofo esloveno. O estado nacional deve ser central no novo esquema que surge após a pandemia, como central também deve ser a cooperação multilateral diante de problemas e desafios comuns.

Nesse sentido, é essencial cessar as perseguições político-ideológicas contra os povos, cessar os bloqueios financeiros e as medidas coercitivas que afetam severamente a capacidade de lidar com mais eficiência com esse vírus mortal ou qualquer outro desafio social. Como Zizek aponta no começo de seu livro: “Estamos todos no mesmo barco”. Não há possibilidade de sobreviver à pandemia se não resgatarmos os princípios fundamentais do ser humano: o reconhecimento do outro e a solidariedade.

Com humildade, mas com consciência e moralidade, sugerimos ao nosso homólogo brasileiro, com pretextos de um intelectual neoliberal, que apoie suas teses com um método confiável e que preferencialmente se baseie em autores que reforcem seu pensamento supremacista. Esses tipos de supostas análises críticas não podem ser validados, com base em declarações falsas, meias verdades, mentiras e leituras parciais ou tendenciosas.

Devido às características de seu artigo e suas conclusões, é muito provável que ele tenha lido (de maneira conveniente ou preguiçosa) alguns dos títulos e subtítulos do texto de Zizek. Vamos ao debate de ideias, sem medo, sem meias tintas, mas com bases confiáveis e rigor profissional. Este é o momento da verdade e das definições.

Atacar a OMS agora é uma aberração total. Pelo contrário, milhões de nós reconhecem o esforço sincero de seus cientistas e trabalhadores. Não exageramos na Venezuela ao somarmo-nos às vozes que propõem nomear a OMS e seu diretor, Dr. Tedros Adhanom, como merecedores do Prêmio Nobel da Paz em 2020. Seria merecido o reconhecimento por sua dedicação e coragem em confiar nas decisões coletivas, troca de experiências, coordenação científica e política em circunstâncias tão complexas. Em síntese, por apostar na verdadeira vacina para todos os males do sistema: a solidariedade.

Voltemos a lembrar o coro desse belo tema de reivindicação e esperança de nosso pai cantor Ali Primera: “Ajudem-na, ajudem-na, que seja humana a humanidade”.

 

(Tradução: Juliana Medeiros)

Continue Lendo
1 Comment

1 Comments

  1. Dinei Rinaldi

    20/05/20 at 21:09

    Eu jamais tratarei um monte de bosta feito esse Araujo, como chanceler! 😤

Leave a Reply

Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

#EleNão

Nota da ABI – Bolsonaro mente na ONU e envergonha o Brasil

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.

Publicadoo

em

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.
Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais.
Bolsonaro mentiu
O presidente responsabilizou, ainda, índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas.
Como se vê, de novo Bolsonaro mentiu.
O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o país é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de “gripezinha” e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de Saúde.
Assim, mais uma vez Bolsonaro mentiu.
A ABI, com a autoridade de seus 112 anos de existência em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional, repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório que o governo está impondo ao País.
Paulo Jeronimo – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

Continue Lendo

#EleNão

Sem papas na língua. Juliano Medeiros no Dialogando de hoje

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Publicadoo

em

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? No Programa Dialogando desse domingo (26/07), 18h, o Pastor Fábio recebe Juliano Medeiros, presidente do PSOL para um papo sobre eleições e aprendizados da pandemia que passa por uma das fases mais críticas do momento, onde prefeituras e governos de vários Estados do país programam reabertura de mais uma parcela considerável de setores, enquanto isso, a mídia normaliza as curvas ascendentes do número de infectados pelo Coronavírus.

Outra pergunta que precisa ser respondida é qual é o sentido das eleições serem realizadas ainda neste ano? Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Assista, compartilhe. comente e mande perguntas no Facebook.

Juliano Medeiros é um jovem dirigente político da esquerda brasileira e desde janeiro de 2018 ocupa a presidência do Partido Socialismo e Liberdade. Historiador e Mestre em História pela Universidade de Brasília, é Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição.

Co-autor e organizador de Um Mundo a Ganhar e Outros Ensaios (Multifoco, 2013), Um Partido Necessário – 10 anos do PSOL (Fundação Lauro Campos, 2015) e Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017), colabora com sites, jornais e revistas no Brasil e exterior.[2]

Em 2018 coordenou a campanha de Guilherme Boulos à Presidência da República pelo PSOL[3] e, no segundo turno, após decisão do partido, passou a integrar a coordenação da campanha de Fernando Haddad[4]. Desde a vitória de Jair Bolsonaro, participa do Fórum dos Presidentes de Partidos de Oposição[5].

Durante mais de uma década Juliano Medeiros foi dirigente da corrente interna Ação Popular Socialista – Corrente Comunista do PSOL. Em Junho de 2019, a APS-CC se fundiu com o Coletivo Rosa Zumbi e mais oito coletivos regionais para fundar a Primavera Socialista, atualmente maior tendência do PSOL, da qual Juliano também é dirigente.[6]

Fábio Bezerril Cardoso é Pastor, cientista social, ativista social e Cofundador & Coordenador da Escola Comum e atualmente apresenta o Programa Dialogando, todos os domingos, às 18h. É um dos pastores progressistas que têm lutado pela defesa dos povos periféricos e costuma não ter papas na língua para falar sobre a realidade desses lugares. A produção é de Katia Passos, com arte de Sato do Brasil.

Conheça mais sobre a atuação do Pastor Fábio https://www.facebook.com/fabio.bezerrilhttps://www.facebook.com/fabio.bezerril

Continue Lendo

#EleNão

Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

Publicadoo

em

Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno

 

 

Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.

Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…

A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.

Continue Lendo

Trending