Antigamente olhava-se o mundo grande e o horizonte refletia o céu, tal um espelho da verdade. Certo dia Cunhã pôs o inhame no pilão, como fazia todos os dias no preparo do alimento. Cunhã levantou muito a mão de pilão em seus amassamentos e partiu o espelho, que aos pedaços caiu do céu e a verdade de cada um se fez aos cacos.
O que está acontecendo? Talvez tenha sido essa a primeira questão que aos nativos ocorreu na visão das caravelas vindo nas águas sem fim. A verdade nunca mais seria a mesma, o martírio se apresentava à terra tão vasta. O senhor se anunciara ao índio que andava na praia em labor e graça. Campo fértil para malícias, o colonizador logo aqui fez sua morada.
Há um rio que começa na Amazônia e tem sua foz na Avenida Paulista, o caminho do ouro, onde toda riqueza encontra um dono. Desembarque pelo lado esquerdo do rio, esses tempos não são para boas palavras, é tempo de espanto e tristeza.

Acomodar a sabedoria se faz necessidade única nesses tempos de cão. Desencanto é palavra árida e o auditório da grande livraria está com a lotação esgotada e trava-se a porta; muitos tem sede entre as mentiras rompendo a lógica das coisas. Tom Zé entra pelo palco mesmo, urge ouvir certos homens. O sal da terra interpõe-se entre o preto asfalto e os livros, escandaliza a alma e o poeta apropria-se da cunha anunciando que o sertanejo é antes de tudo um índio.
Davi Yanomami está triste e com raiva dos governos, pois os garimpeiros voltaram ao Rio Uraricoera com suas dragas e batéias. Davi traz as notícias do fim do mundo: negociam a terra, colocam boi, tiram os peixes do rio, cortam a cabeça da FUNAI, tiram-lhes os braços, quebram-lhes as pernas. Davi Yanomami, recém chegado de Genebra, onde foi denunciar seus desencantos com os ouvidos moucos daqui, sabe que o presidente não é honesto e segue hoje à Brasília para expor o mapa do garimpo.

Ailton Krenak lembra da discrepância entre o projeto de desenvolvimento perpetrado pelo Estado brasileiro, incapaz de solucionar as demandas das populações tradicionais ou propor alternativas, preservar aquilo que é limpo e puro em terras demarcadas. Seguindo a tradição dos cacuetes recorrentes, lembra ele, sem saber o que fazer com os povos indígenas, sedimentando um trauma à todas etnias. O Estado vai escrevendo seu conto: matam o rio, comem a montanha, derrubam a floresta e algum tarado faz mineração por aí. Em equívoco de português nos deram o apelido de índio e seguimos existindo por pura persistência, conclui.
Mais um dia do índio se anuncia nesse abril, mais um volume da coleção Povos Indígenas do Brasil é lançado https://www.socioambiental.org/pt-br/manchetes. Como Tom Zé em sua Moda do Fim do Mundo, seguimos nos desencantos, martírio e falsas soluções, cantando: Cumpadi em brasília, espaiaram um boato muito chato, que o mundo vai se acabar.

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