Desconfinamento em Paris: a cidade está voltando a viver

Parque Buttes Chaumont

Paris, apesar de ser considerada como região de risco, está começando a abrir as portas novamente, e domingo foi o primeiro dia de verão no qual os parques abriram. No dia 16 de junho os museus irão abrir, e os restaurantes já estão abertos, mas só atendem na calçada, onde colocaram ainda mais mesas. Oficialmente a data de abertura seria no dia 22, porém alguns museus já abriram, enquanto outros abrirão semana que vem. Os maiores museus, como o Louvre, realmente só sairão do desconfinamento depois do dia 22.  

Depois de um mês sem colocar meus pés para fora, resolvi convidar uma amiga para um passeio no parque. Ela conversou com outras amigas, que já conheciam Paris melhor, e decidiram por um piquenique em um outro parque. Escolhi ir do mesmo jeito, para conhecer melhor os arredores do bairro, que até agora não tinha tido muita oportunidade de ver.

O parque des Buttes-Chaumont foi construído no século XIX, é um dos maiores espaços verdes de Paris (25 hectares), e possui uma vista incrível para o bairro de Montmartre. Estava ansiosa e com medo de sair, mas o sol estava tão lindo que quase consegui ignorar o fato de que pessoas ainda estão morrendo todos os dias de COVID 19 pelos hospitais. 

O número de mortes está bem baixo em relação ao Brasil, e está estável desde o final de abril, com 80 mortos por dia na França, e no dia 1/06 tínhamos 338 novos casos. O que realmente não entendo é porque poucas pessoas estavam usando máscaras, e a quantidade de gente na rua é incrível, e mais ainda perto do rio Sena, onde famílias inteiras andam de bicicleta, jovens sentam nas beiradas do rio para ler, fumar, e músicos tocam seus instrumentos. É quase como se tudo estivesse normal e esse fosse só mais um dia de verão, e não um dos primeiros dias do desconfinamento. 

No caminho encontrei com jovens negros e suas elegantes roupas africanas, com um senhor negro também com uma elegante roupa africana em tom pastel, e uma máscara colorida belíssima. Parei para conversar com ele, perguntar onde havia comprado essa máscara, e aparentemente uma loja na rua transversal estava vendendo, uma loja de roupas africanas.   

A diversidade das ruas de Paris, é muito comum encontrar grafite pelas ruas, prédios com pinturas.

Na ponte passei por uma família falando árabe, e no lado da ponte que dava para os trilhos do metrô, jovens praticamente sem roupa tomando sol (ainda não me acostumei com o topless cotidiano do verão) e ouvindo hip hop. Me lembrou do Brasil, ainda mais que percebi como estavam entrando nos trilhos: pulando as grades. Um jovem subindo e pulando uma ponte no rio Sena para tomar sol nos trilhos. Devo admitir que não entendi, aqui não falta lazer e muito menos locais para tomar sol. 

Não é a mesma coisa no Brasil, que a juventude não pode escolher qual parque quer ir, ou ficar perto do Tietê ouvindo música, tomando sol e cerveja, fumando. Quem aguenta o cheiro dos grandes rios no Brasil? Em frente à eles havia um parque, o parque de la Villete, a 1 quilómetro dali o parque para onde estava indo, Parc des Buttes-Chaumont e a 3 quilómetros um outro, Barc de Belleville. Opções não faltam. 

Até puffs de plástico vi umas meninas levando para a beira do rio, como se fosse realmente praia (mas sem ninguém entrar no rio). Achei estranho que dois jovens negros estivessem fora do sol, sentados em uns beirais de lojas fechadas, ao invés de estarem próximos ao rio compartilhando da alegria geral. 

Ao subir a rua para o parque, encontrei um campinho de futebol público, e pouco depois um muro grafitado belíssimo, onde se viam estampadas pessoas de todos os tipos, e também animais de vários locais. Depois de errar um pouco o caminho, cheguei. Na entrada do parque havia um McDonald’s, onde para a minha surpresa as pessoas entravam, pegavam o lanche e saíam para o parque. 

Fiquei um pouco decepcionada, já que tinha o ‘pré-conceito’ de que um piquenique francês seria baguette, queijo e vinho. Bom, imaginei que seria assim para os franceses, apesar de que para esse piquenique com as minhas colegas não era o que esperava, porque esses ingredientes tipicamente franceses são caros, assim, eu estava trazendo pão de forma, ketchup e maionese. 

Não esperava que o parque estivesse tão cheio e tantas pessoas sem máscaras, comendo pertinho umas das outras no chão, tocando, deixando seus cachorros passearem sem problemas entre a multidão, as crianças correrem, até bebês. 

Pessoas pulando corda, fazendo abdominais, correndo, jogando badminton, deixando suas bicicletas de lado, simplesmente aproveitando o sol, o lago, para fazer topless e fingirem que estavam pegando uma cor (quando na verdade estavam apenas vermelhas). 

Tudo me surpreendeu muito, especialmente porque era raro ver alguém usando máscara, e me senti até estranha em estar usando uma. Era como se todos ali estivessem ignorando o que está acontecendo no restante do mundo, já que a crise melhorou na França. Fiquei um pouco indignada, as pessoas que realmente estão nos grupos de risco não poderiam estar ali não por causa do vírus, mas da falta de cuidados dos outros. Do meu ponto de vista isso representou também uma agressão à países que ainda estão sofrendo com o vírus. Pode ser ridículo, mas esperava dos franceses algum respeito pelos mortos, algo que demonstrasse que não são indiferentes aos outros. 

Quando fui ao supermercado, no período da manhã, ninguém estava respeitando a distância social, e nem usando máscaras. Foi bem desconfortável, todos agindo como se nada tivesse acontecido, a quarentena fosse apenas um breve incômodo que passou, mesmo com o auto-falante do supermercado dizendo: mantenham distância, usem máscara, etc.  

Voltando ao parque, finalmente consegui encontrar as minhas colegas brasileiras, que obviamente haviam feito topless e estavam aproveitando para pegar o sol. A conversa foi interessante, o tempo estava ótimo. Na volta reparei em umas barracas embaixo da ponte, e em uma no próprio trilho, Concluí que essa parte do trilho não deveria estar mais sendo usada, para as pessoas até morarem ali. 

Um dia antes havia ocorrido um protesto dos ‘sem papel’, porque em francês ninguém diz ilegal (de fato, um ser humano não pode ser ilegal), que contou com cerca de 5000 pessoas. Normalmente as pessoas que vivem nas barracas, embaixo das pontes, são imigrantes e refugiados, na maioria das vezes ‘sem papel’, sem documentos, fugindo da polícia para não irem parar em um centro de detenção (sim, igual aos Estados Unidos), e serem deportados. Paris está voltando ao normal, e reflito: será que o coronavírus trará alguma mudança social, especialmente para os refugiados e ‘sem-papel’? 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Sentem, sim, a dor dos que ainda esão sob contágio! Mas Paris não admite a fala de liberdade. E sempre, fosse qual fose o motivo que pretendesse amordaçá-la , Paris desatou as amarras , rompeu bravamente a tentativa de lhe roubarem o seu modo de Ser e Viver !

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