Jornalistas Livres

Categoria: crônica

  • Cacique Raoni das onças e o prêmio da paz

    Cacique Raoni das onças e o prêmio da paz

    Novamente indicam  o velho indígena para o Prêmio Nobel da Paz, um homem que leva a dor de gente antiga, terra anterior às nações modernas. O bem da terra e de mato, de água limpa que brota e corriam sozinhas, virava chuva, virava mar. Uma terra semelhante ao direito de todos.

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/809864769780339

    Nem tanta paz temos em dias assim, século 21 tão tenso, audaz, mas sei vir do século passado esse chamado de paz. Esse lugar distante chamado Brasil, é você, sou eu, infindável estréia.

    Ropni Metuktire, a onça fêmea, grande cacique da guerra que diz paz, hoje carrega a borduna e o celular em suas mãos, bem sabe que a grande aliança é a razão entre os homens de bem.

    Na palma da mão, sabemos todos nós do mapa de nosso inferno, o domínio da terra de outros, a invasão do chão alheio. Se tudo é história, o fato é que das praias penetramos para o mato, montanhas e campos de ouro, esmeraldas e brilhantes, feridas da paixão onde sepultaram o tempo que passa, no futuro queremos sempre um país. 

    Palavras calam, selamos pífios comandantes, terra devastada.

    Dizimamos porque aprendemos assim, e reprogramar, mudar atitudes, nem sempre é tão simples como um berro, vozes sem ordem ou harmonia.

    De repente, o que vejo entre tal pandemia, é que vibra forte o tom, perfaz séculos, e nossa paz dar-se-á um dia. Como disse Darcy Ribeiro no enterro de Glauber Rocha, uma dor de todos os brasileiros num país do futuro, é um lamento, cocar de luz, rumo azul.

    imagens por helio carlos mello

  • A rua sem saída dos aflitos

    A rua sem saída dos aflitos

    Sonhei com animais, aqueles que fogem e morrem entre o fogo, cruel desilusão, tal a chama de Deus que lambe. Acordei aflito, puta sede.

    Fui para a Rua dos Aflitos, onde há uma capela, fechada estava, tão antiga, solo dos mortos na batalha vã, chão de miseráveis, vencidos, dos olhos cheios de chuva entre o sertão de direitos antigos.

    A Capela dos Aflitos, também conhecida como Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, está localizada em uma pequena rua na Liberdade, entre a Rua Galvão Bueno e a da Glória.

    O fogo incide entre as comunidades, seres ou seu verso,  a humanidade. Em campos de refugiados na Grécia da filosofia, nas florestas e campos daqui, na usura dos homens.  Restam capelas e antigos cemitérios, vestígios.

    Chama-se Liberdade esse bairro da metrópole, cruel contradição, como se morrer condenado libertasse os homens da opressão.

    Nenhum rio aqui passa, ou córrego, olho d’água.  Há um sino que repousa no domingo, forte sol entre a pandemia, tudo vibra no largo.

    Há uma manchete planetária, fique em casa. Não há nada de novo na pífia nova realidade, subterrâneos, campo santo da liberdade. 

    A Capela dos Aflitos, também conhecida como Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, está localizada em uma pequena rua na Liberdade, entre a Rua Galvão Bueno e a da Glória, na cidade de São Paulo.

    Lambe agreste língua, aspirador voraz chama em vorazes manchetes. 

    Não desista, minha boca seca pronuncia, repartida, recortada, partida língua. Tal cobra, cheira e enxerga, lambe o tempo e seu espaço. Aflição deve ser isso, quase estado de poesia, nada há muito além, banal canção do acaso.

    O fogo, a forca, a língua, o sino.

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  • Dia D a Amazônia

    Dia D a Amazônia

    Um dia vi Crânio, um moço, no guindaste fazendo mural. Era metrópole, hoje isola sua senda, desmata, interrompe o ciclo. Amazônia, sua gente.

    Fiquei pensando agora, enquanto a rádio tocava Palhaço, de Egberto Gismonti, se haveria um dia da Amazônia, no Brasil de fato. A floresta, perto do fogo todo dia, finda.

    Há um desencanto, estranho sentimento em ver que o mundo virgem desiste de seus encantos, uma saudade do que vimos quando jovens, do avião ou à pé, entre trilhas.

    De repente, repetem-se trajetos. Onde antes era mato, ontem ainda, hoje é toco, é pasto, é revirado solo de garimpo e seus entornos, tal boca banguela.

    Penso em passarinhos, mariposas,  em borboletas, beija flores em dias assim. Tão frágil, delicado é o vínculo. Meu amigo Yanahim, do Xingu,  dos milenares indígenas Waujá, gente de barro e fogo, a melhor cerâmica dessa gente assim, de mato. Tudo vai bordando, índio, preto, tv, rede e cuidados.

    Yanahim Waujá, da Terra Indígena do Xingu. Seu alimento, fortalecido por doações de entidades para boa nutrição, torna possível o isolamento e as compras na cidade e possível contágio ao corona vírus.

    O poder da autoridade. O vento vai levando tudo embora, mas resiste, avança.

    Quando tudo falha no rumo das coisas, sei bem, o bem é comunicar-se, alertar, expor a fina estampa da realidade. Tomba árvore, turva água, para o ar junta-se a fumaça do horizonte. 

    Interessante ver que da garoupa, agora se faz lobo guará a nova cédula e seu valor.

    Dia da Amazônia é coisa de tons, como cantava o Tom Jobim, se o mato que é bom, o fogo queimou Cadê o fogo? A água apagou E cadê a água? O boi bebeu Cadê o amor? O gato comeu E a cinza se espalhou E a chuva carregou Cadê meu amor que o vento levou? (Passarim quis pousar, não deu, voou).

  • Morreu Piauí, Antônio José da Silva

    Morreu Piauí, Antônio José da Silva

    A notícia da morte de Piauí comove as gerações que protestam na avenida.

    por Helio Carlos Mello

    Eu não sabia que seu nome era Antônio, dizem que era um mago. Conheci o cabra de tanto vê-lo ali, sempre ali. Em dias de paz vendia sua arte, em dias de luta expunha seus conceitos do mundo, se misturava entre os indígenas, mulheres, negros ou em qualquer marcha em protestos pela vida, se opunha à tropa de choque quando necessário.

    por Maria Eugênia Sá

    Todos o chamavam Piauí. Milhares o notavam e ele viu milhões ali passando, tantas pernas, tantos ternos, tantos poderes que desfilam na avenida Paulista, no vão maluco do MASP. 

    Soube hoje que Antônio morreu, no Piauí, em Teresina, debilitado estava pela trato que a vida lhe deu, entre a arte e os pensamentos, na defesa marginal do planeta, acima do entendimento comum dos negócios do mundo. Paz, amor, natureza não são moedas. 

    por Bacellar

    Curioso agora notar, como a morte das pessoas crava vazios na metrópole. Antônio voltou de bicicleta para sua cidade natal, Picos. No Piauí, encontra agora a terra, deixou o asfalto, no planeta pulsa.

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  • Metade de nós é onça, outra metade é lua

    Metade de nós é onça, outra metade é lua

    Mudam a cor da casa que temos direito. Sei, será azul a casa do povo, a vida.

    Amor não sabe ficar só. 

    Dia frio olho pro céu, 

    há meia lua, há onça, um azul intenso, às 15 horas,

    na metrópole.

    A espada de Caxias,

    minha casa, minha vida, o céu desse momento?

    Azul é minha morada.

    Ando indignado, não sei,

    seguirei soldado de mim mesmo, 

    minha gente. Voraz, faminta, carente. 

    Não me iludo, escandalizo só.

    Tudo é foco.

  • Tudo é um choque, desmascara a nação

    Tudo é um choque, desmascara a nação

    imagem de Joédson Alves©

     

    Liberdade de imprensa é o adubo de boa horta, bons frutos, boa gente. Nesse mundo amplo de isolamentos e afins, vou me nutrindo de imagens e seus milhões de palavras, por mais que do verbo careça nossa gente.

     

    De carestia em carestia me escandalizo. É real o fato que de longe nos rompem, nos cunham, escandalizam?

     

     

     

     

     

     

     

    Uma “ação social” feita por mulheres de militares na Terra Indígena Yanomami no final de junho incluiu maquiagem no rosto de mulheres indígenas, pintura de unhas, distribuição de roupas para famílias que vivem seminuas por costume e tradição, e estímulo à aglomeração de crianças, sem máscaras. Elas ficaram próximas num pula-pula, em fila para distribuição de doces e numa recreação. “Isso que fizeram foi um desrespeito total. Essa doação de roupas… O povo Yanomami não é mendigo. Pula-pula? Não precisamos de pula-pula. Provocaram aglomeração! A ação do governo foi muito errada”, disse à coluna Junior Hekurari Yanomâmi, presidente do Condisi-Y (Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Yekuana). “Precisamos de apoio do governo é para conter a covid-19, que está entrando, espalhando nas aldeias.”

     

     

     

     

     

     

     

     

    Localizadas e encaminhadas pela coluna, fotografias dessas atividades deixaram perplexos três dos principais antropólogos que atuaram ou atuam na região. Um disse ter ficado “muito chocado”, outra viu “múltiplos desrespeitos” aos indígenas e a terceira comentou que as imagens revelam “a arrogância da colonização”. Até a noite desta quinta-feira (16) haviam sido registrados 280 casos de covid-19 entre os Yanomami, dos quais 136 dentro do território (ou 49% do total), segundo o conselho. Quatro mortes foram confirmadas e mais três estão sob suspeita.

     

    A chamada “ação social” ocorreu nos pelotões de Surucucu e Auaris nos dias próximos da viagem que o Ministério da Defesa organizou de Brasília para a terra indígena Yanomami com servidores do Ministério da Saúde e cerca de 20 jornalistas. O voo gerou muita polêmica porque, além de o governo não ter considerado o momento crítico da pandemia, os militares levaram 66 mil comprimidos de cloroquina despachados pela Saúde — afirmam que é para combate à malária e que todos os viajantes foram submetidos a exames prévios. A coluna procurou o Ministério da Defesa, por e-mail e por telefone, para uma manifestação desde a tarde de terça-feira (14),  mas não houve resposta até o fechamento deste texto. A coluna indagou, entre outros pontos, se as atividades exibidas nas redes sociais das mulheres dos militares tinham sido previamente informadas ou se tinham recebido o aval dos militares. Sobre a viagem do final de junho ao território indígena, a Defesa divulgou um texto, no dia 2 de julho, sobre a entrevista coletiva concedida no pelotão de Surucucu pelo ministro Fernando Azevedo. “Trouxemos cerca de quatro toneladas de materiais de saúde para atender a comunidade local. O governo está preocupado com a saúde do brasileiro”, disse o ministro, segundo o ministério. O órgão informou que era uma atuação integrada entre Forças Armadas, Secretaria Especial de Saúde Indígena, Funai e outros órgãos governamentais.

     

    Maquiagem e “campanha do agasalho”

     

    Mulheres de militares postaram fotografias e comentários nas redes sociais sobre a “ação social”. Uma das fotos, no Instagram, mostra uma mulher não indígena, que diz morar no pelotão desde abril e casada com um militar, fazendo maquiagem no rosto de uma indígena no PEF (Pelotão Especial de Fronteira) Auaris. Outras indígenas parecem aguardar sua vez de atendimento. A mulher escreveu: “Hoje foi o nosso Aciso [Ação Cívico-Social] com os indígenas aqui no PEF e produzimos as mulheres e elas ficaram como elas falam na língua delas ‘wekoonekatojo’ ou ‘taitha’ (toíta), que quer dizer bonita”. A postagem foi curtida por 116 pessoas.

     

    Foi montada uma bancada para distribuição de roupas. As imagens mostram mulheres indígenas seminuas escolhendo a doação. Em diversos pontos do território Yanomâmi, os indígenas vivem nus ou seminus, com adereços pelo corpo. Outra mulher de um militar escreveu “o que aconteceu aqui no pelotão Sucururu” no dia 25 de junho. “Tudo começou com um comentário do sargento daqui do PEF sobre arrecadar agasalhos para nossos indígenas e isso me despertou a vontade de ir além e pedir não só agasalhos, mas sim roupas e cobertas também.

     

    Especialista vê “arrogância burguesa”

     

    Professora emérita da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora sênior do CNPq, a antropóloga Alcida Rita Ramos fez trabalhos de campos com os Yanomamis de 1968 a 2005 e é considerada uma das principais estudiosas sobre o povo. A pedido da coluna, ela olhou as várias fotografias divulgadas pelas mulheres dos militares em redes sociais. “O que vejo nessas fotos é um múltiplo desrespeito aos Yanomami e uma arrogância burguesa de dar arrepios”, disse a professora. Ela separou os problemas em quatro blocos. “Primeiro, mais grave, manusear objetos, os cabelos, as unhas das indígenas, usando instrumentos cortantes, sem qualquer preocupação com contágio, incorrendo em séria infração, se não mesmo crime.” Em segundo lugar, “achar que as indígenas ‘merecem’ se apresentar com a estética das ‘brancas’, como se elas mesmas não tivessem a sua própria e muito celebrada estética”. Um terceiro ponto levantado pela pesquisadora é “disfarçar proselitismo religioso com desenhos infantis, expondo as crianças indígenas aos efeitos ilegais do missionismo”. Por fim, “impingir brinquedos a crianças, sem terem o mínimo conhecimento do que é ser criança indígena e quais são os padrões locais de jogos infantis”.

     

    Aglomeração de crianças e interações sem máscara

     

    Imagens mostram crianças aglomeradas, sem máscara, conversando com adultos também sem máscaras durante o que seria uma recreação com papel e lápis colorido. É possível ver, nas folhas, o desenho de um homem barbudo, pairando entre nuvens, como se fosse Deus ou Jesus Cristo, para ser colorido. Na hora de receber doces, as crianças fizeram uma fila sem máscara e sem distanciamento. Depois posaram para fotos também sem máscaras e reunidos na frente do pelotão. Mesma aglomeração ocorreu na hora da brincadeira em um pula-pula. Júnior Hekurari Yanomâmi, do conselho de saúde indígena, disse que nenhuma dessas atividades era uma necessidade para os Yanomami. “Não houve um diálogo. Simplesmente pararam lá no aeroporto de Boa Vista e vieram para as aldeias. Isso durante a pandemia. Depois de uns nove dias que eles saíram, passou para 48 casos de covid em Waikás. Tinha três casos antes. Em Auaris, já temos um caso. Estamos muito preocupados.”

     

    Racismo crasso

    O antropólogo francês Bruce Albert trabalha desde os anos 1970 com os yanomâmis, tendo participado da coalizão CCPY (Comissão Pró-Yanomami), que resultou na homologação da demarcação da terra indígena durante o governo Fernando Collor (1990-1992). Ele é coautor, com o líder Yanomami Davi Kopenawa, do livro “A Queda do Céu” (Companhia das Letras, 2015). Ele também olhou as postagens das mulheres dos militares a pedido da coluna. “Fiquei muito chocado com as fotos. Além de uma irresponsável falta de observância da regras de distanciamento físico no trato com uma população indígena particularmente vulnerável na pandemia, vejo também nas fotos um tremendo desrespeito à cultura e à dignidade das mulheres Yanomami.” “Esposas de militares num posto isolado brincam de ‘ação social’ com mulheres Yanomami colocadas em posição subalterna de objetos da sua ‘generosidade’ estética condescendente de mulheres brancas donas dos cânones de beleza dominantes (‘civilizada’). Assim, atrás dessa pseudo ‘ação social’ esconde-se um racismo crasso cujas raízes históricas remetem ao Brasil colonial. Destas cenas ressurge, de fato, as imagens das ‘escravas de estimação’ do tempo da colônia”, disse o antropólogo.

     

    Indígenas costumam fazer trocas com militares, diz antropóloga

     

    Sílvia Maria Ferreira Guimarães, mestre e doutora em antropologia pela UnB (Universidade de Brasília), professora do programa de pós-graduação em ciências e tecnologias em saúde, disse que é possível ver “a arrogância dessa colonização, achando que ela é tudo que todos desejam. O problema se acirra quando recai mais intensamente sobre as crianças”. Deixando de lado o episódio da “ação social”, há nuances na relação dos indígenas com o pelotão militar. Os militares do pelotão, conta a antropóloga, “ficam naquela área deles, eles fazem trocas com os Sanöma [subgrupo Yanomami], os Sanöma gostam, às vezes apreciam as comidas dos ‘brancos’ com essas trocas (arroz, café, açúcar)”.

     

    A antropóloga conta que um técnico em enfermagem Yanomami recentemente lhe disse que “os garimpeiros não vão até Auaris por causa do pelotão que está lá”. “O pelotão cumpre essa ação de coibir o garimpo em Auaris. Eu acho que eles [militares] e missionários estão de certa forma sob controle dos Sanöma, que manejam a presença dessas pessoas, para as trocas, que os Sanöma apreciam muito. O garimpo não, já entra na violência. O problema dos missionários é o foco nas crianças, com suas escolas e o tipo de ação cotidiana perigosa que podem fazer.”

     

     

    https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/07/17/militares-coronavirus-indigenas.htm