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“Morreria amanhã”: Carrie Fisher, Debbie Reynolds e o maior amor de 2016

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“O que você faria se eu morresse hoje?”, pergunta o protagonista Hubert (Xavier Dolan) em Eu Matei Minha Mãe, filme franco-canadense de 2009.

“Morreria amanhã”, responde Chantale (Anne Dorval), mãe do personagem no filme, quando ele já não está mais perto o bastante para ouvir.

Eu Matei Minha Mãe é sobre o amor de uma mãe por um filho, por mais que seja também sobre os preconceitos, inseguranças, silêncios e conflitos que definem esse relacionamento. A cena, espetacularmente terna, é também sombria – acima de tudo, porque sentimos a verdade nas palavras de Chantale, em sua devoção pelo filho mesmo frente à desconexão que enfrenta com ele. É de quebrar o coração, como os últimos dois dias foram para qualquer apaixonado por cinema.

 

 

Na terça-feira (27) pela manhã, Carrie Frances Fisher faleceu aos 60 anos. Na quarta-feira (28) à noite, foi a vez de Debbie Reynolds, nascida Mary Frances Reynolds, aos 84 anos. Duas atrizes que marcaram épocas diferentes e foram muito mais do que seus papeis mais famosos, embora muita gente possa não saber. Duas personalidades opostas, complementares e gigantescas, que deixaram marcas para muito além de seus trabalhos em frente às câmeras. Acima de tudo isso, no entanto, eram mãe e filha.

As dificuldades do relacionamento das duas estão todas registradas em Lembranças de Hollywood (1990), filme roteirizado por Fisher a partir de seu próprio livro autobiográfico. Meryl Streep interpreta Fisher, enquanto a lendária Shirley MacLaine assume o papel da igualmente icônica Reynolds. O filme faz crônica de um tempo difícil na vida de Fisher, quando ainda lutava contra o vício em drogas pesadas (cocaína e heroína incluídas) e voltava a morar com a mãe graças às poucas oportunidades de carreira.

 

Carrie Fisher assistindo sua mãe, Debbie Reynolds, no palco (1963)

Carrie Fisher assistindo sua mãe, Debbie Reynolds, no palco (1963)

Reynolds foi o símbolo maior da inocência feminina na Era de Ouro de Hollywood, mas o fez com uma pitada de subversão. Em 1952, sem experiência de canto e dança nenhuma, foi escalada ao lado do grande astro musical Gene Kelly em Cantando na Chuva, um dos maiores clássicos do gênero – por qualquer métrica, Reynolds brilhou ainda mais que seu colega mais famoso, compondo a inesquecível Kathy Selden com pompa, ousadia e doçura, em uma interpretação radiante que a transformou em estrela.

Após alguns outros papeis, se casou com o cantor Eddie Fisher e teve Carrie, em 1956 – o casamento, no entanto, não duraria muito, já que Fisher a deixou por outra atriz, Elizabeth Taylor, três anos depois. Ela não parou de atuar enquanto enfrentava a vida de mãe solteira em Hollywood, e conquistou sua primeira (e única) indicação ao Oscar em 1964, por A Inconquistável Molly Brown. No filme, aos 32 anos, interpretava uma garota pobre que saía da fazenda da família para se provar digna de uma vida melhor.

A partir dos anos 70, Reynolds passou a aparecer apenas esporadicamente nos cinemas, marcantemente como a voz da aranha Charlotte em A Menina e o Porquinho (1973), a hilária mãe de Albert Brooks em Mãe é Mãe (1996), a animada Vovó Aggie nos filmes da série Halloweentown (1998, 2001, 2004, 2006), e a mãe de DebraMessing na sitcom de tema LGBT Will & Grace (1999-2006). Por esse último papel, levou indicação ao Emmy, e em 2016 finalmente ganhou seu Oscar, ainda que honorário, pelas causas humanitárias para as quais contribuía.

 

A carreira de Fisher não poderia ser mais diametralmente oposta a da mãe. Após apenas um papel em Shampoo (1975), foi escalada para estrelar um “pequeno filme” chamado Star Wars, onde interpretava a Princesa Leia, a heroína de ficção científica que abriu caminho para todas as outras. Sem ela, esqueça um mundo de Ripley (Alien) e Sarah Connor (Exterminador do Futuro) – desde a primeira cena, Fisher mostrou que o humor sardônico e a garra eram seu forte no retrato de Leia, que, no retorno da franquia em 2015 (em O Despertar da Força) deixou de ser Princesa para ser General.

Em muitos sentidos, a carreira de Fisher nunca superou o “espectro” de Leia. As muitas deficiências do roteiro de George Lucas para a personagem, incluindo a infame cena em que Leia aparece com um biquíni revelador de aço, a fizeram um ícone pop, posição na qual ela nunca se sentiu muito confortável. Talvez daí tenha vindo o senso de humor autodepreciativo e deliciosamente negro de Fisher – exercitado em filmes como Hannah e Suas Irmãs (1986) e Harry & Sally (1989), mas principalmente na carreira literária.

Sim, a grande e verdadeira paixão de Fisher eram as palavras. Além de Lembranças de Hollywood, fez crônica de sua própria vida em WishfulDrinking (2008), onde revelou mais de sua luta contra o vício em álcool e drogas (o livro virou peça da Broadway e especial da HBO, para quem quiser procurar por aí); Shockaholic (2011); e The PrincessDiarist (2016), em que revelou ter mantido um caso de amor com Harrison Ford durante as filmagens do primeiro Star Wars. Outros livros de ficção e trabalhos de consultoria de roteiro não creditados entraram para o currículo de Fisher, tornando-a uma das escritoras mais requisitadas de Hollywood.

https://www.youtube.com/watch?v=dE90H-9BgB4

O relacionamento complexo entre essas duas mulheres de temperamentos e imagens opostas não é só um espelho de milhões de relacionamentos entre pais e filhos no mundo todo, mas também um retrato de como há muitas maneiras de se tornar um ícone. Reynolds iluminava a tela quando estava nela, e embora tenha representado um ideal de doçura feminina ultrapassado por boa parte de sua carreira, encontrou uma maneira de transcender esse estereótipo para encarnar algo muito mais profundo – uma revolução (a conta-gotas) através da gentileza.

Enquanto isso, Fisher, mulher de seu tempo e exemplar garota revoltada, foi a pessoa que encarnou o heroísmo feminino em Hollywood com a maior e mais essencial sinceridade. Em seu senso de humor, sua celebração de si mesma, e mais tarde na vida seu ativismo nas causa da saúde mental (Fisher foi diagnosticada com transtorno bipolar), ela brilhou tanto quanto a mãe, de sua própria e inesquecível forma.

 

Cruel como só ele sabe ser, 2016 nos privou de Fisher e, por consequência, de Reynolds, que morreu de coração partido. “Eu quero estar com Carrie”, teriam sido as palavras finais de Reynolds para o outro filho, Todd Fisher. Dá para imaginar o tipo de luto que Todd e Billie Lourd, filha de Carrie, estão passando nesse momento?

É uma situação doentia, mas o mais triste talvez seja pensar que Carrie Fisher poderia tirar uma piada sarcástica desse momento, e Debbie Reynolds algumas palavras calorosas. Não é algo que muita gente conseguiria fazer. Eu, certamente, não consigo.

Com essas duas perdas, o mundo entrará em 2017 mais pobre de humor, luz, entretenimento e arte, o tipo de arte significativa e simbólica de uma geração, mas também de toda a natureza da humanidade. General Leia e Kathy Selden, assim como Fisher e Reynolds, não viverão para sempre apenas pela imortalização de seu sucesso nos cinemas, mas porque são expressões essenciais de  algo que existe dentro de cada um de nós. Por meio da arte, mãe e filha tornaram realidade o maior dos clichês: mesmo mortas, vivem dentro dos nossos corações.

Carrie Fischer com o irmão Todd no colo da mãe, Debbie Reynolds

Carrie Fischer com o irmão Todd no colo da mãe, Debbie Reynolds

 

*Caio Coletti é um jornalista de Itatiba (SP), formado na PUC-Campinas. Redator no site Observatório do Cinema e colaborador do Taste of Cinema e do Jornalistas Livres.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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