17 DE MAIO: A REVOLUÇÃO QUE JÁ COMEÇOU
Em 1991, depois de intensos debates, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou a retirada da homossexualidade do rol de doenças que serve de balizamento para os países membros da ONU.
Esse passo importante para cidadania das pessoas LGBT foi dado em 17 de maio, é claro, à revelia do anticientificismo e dos PHD’s de araque. Na época, o que se dizia sobre diversidade era que havia explicações hormonais ou até mesmo disfunções cerebrais que ocasionavam um desejo anti-natual.
No Brasil, até a mudança de paradigma em 1992, a história de LGBT’s remete a sanatórios, onde foram tratadas como loucas, a tratamentos clínicos com psicólogos e psiquiatras charlatães, onde foram tratadas como pessoas confusas, ou até mesmo a seminários, onde faziam voto de castidade, e assim tranquilizavam a moralidade de famílias que preferiam qualquer coisa para seus filhos a vê-los se relacionando com as pessoas que realmente amavam. A patologização ou a demonização foram constantes.
Uma das primeiras pesquisas realizadas no país sobre apoio ao casamento civil igualitário, no começo da década de 1990, durante o governo de Collor de Mello, que foi eleito como caçador de marajás mas também como cristão protetor dos valores da família tradicional, demonstrava que não havia mais do que 10% de apoio na população brasileira para mudança na legislação. Como o número é inferior a verdadeira representatividade de pessoas LGBT no total da população, é possível concluir que até uma parte do próprio segmento se dizia contrária – seja por mera reprodução da cultura homofóbica vigente ou medo de opinar publicamente neste sentido.
Essa história começou a ser modificada quando, principalmente diante da epidemia de AIDS, LGBT’s anteriormente dispersas começaram a se organizar em movimentos. A emergência de uma reação contra os estigmas provocados pela associação dominante entre o vírus e a população sexo-diversa unificou pessoas que não se enxergavam, até aquele momento, como se tivessem uma identidade comum. Na reação à violência física e simbólica, emergiu o moderno movimento LGBT, e a partir dele trabalhos bem planejados, considerações teóricas, contestações científicas, audiências públicas, e finalmente um reconhecimento formal de que ser LGBT não é uma doença.
Respeitosamente, 17 de Maio é, portanto, uma data para lembrar de duas coisas importantes. Uma é o passado, é o lugar de onde viemos. Assim saudamos as irmãs que tombaram no caminho diante do preconceito, lutando da maneira que podiam por um pouco mais de liberdade para todas nós – mesmo que não soubessem disto ou agissem deliberadamente para nos ajudar. E a segunda é a luta. A mobilização e ocupação de novos espaços e protagonismos por LGBT’s ao redor do mundo, sob as mais difíceis e distintas realidades.
Essas duas coisas devem andar juntas para não cairmos no erro de acreditar que os direitos que temos agora, e nossos antepassados não tiveram, foram obtidos magicamente.
Antes de mim mulheres lésbicas fizeram um grande salto dos manicômios às chefias de governos democraticamente eleitos. Justamente por isso é que posso afirmar orgulhosamente que, agora, nestes tempos de comunicações modernas e transportes ultra rápidos, há margem para irmos além de capítulos de opressão, cotas de diversidade e dos guetos que tentam nos conter.
A história que 17 de Maio conta vai além da mudança específica que o originou como referência internacional. Remete a todo um amplo movimento.
O que me parece colocado na ordem do dia é dar continuidade a esta espécie de Revolução que já começou.
Carol Quintana é formada em Ciências Sociais, professora de Sociologia no ensino público, Lésbica e ativista do movimento LGBT