História
Canudos: cento e vinte anos de solidão
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8 anos atrásem

Belo Monte renasce a cada Romaria para ensinar ao povo brasileiro que é preciso ter fé e coragem
Quatro anos depois, diante da iminente invasão do exército brasileiro, o Conselheiro Antônio Vicente Mendes Maciel havia de recordar aquela manhã remota em que chegou acompanhado de seus mais fiéis peregrinos. Canudos era então um pequeno vilarejo de cinquenta casebres de taipa, construídos à margem de um rio de águas diáfanas e intermitentes que se precipitavam ao redor de uma velha capela, de uma fazenda decrépita e de alguns pequenos pontos comerciais. Nem o mais otimista andante da caravana sonharia que aquele lugar seria um dos maiores núcleos populacionais do Nordeste brasileiro. É provável que só soubesse disso o próprio Conselheiro¹.
Tanto assim que, ao se assentar naquele chão pedregoso e fértil, cercado de umbuzeiros, macambiras, xiquexiques, faveleiras, bromélias, catingueiras, caroás e coroas de frade, ele logo tratou de renomear a localidade. Ao invés do canudo-de-pito, uma planta muito usada para fabricar cachimbo e que emprestava o nome ao lugar, o Conselheiro palmilhou a beleza das elevações geográficas e, apontando o dedo para o mundo denso e profundo que se anunciava no horizonte sertanejo, chamou aquilo tudo de Belo Monte.
Um território livre da extorsão do Estado e da exploração dos latifundiários
A notícia se espalhou pelos mais recônditos povoamentos da região. Mais do que os 26 meses de travessia de José Arcadio Buendía em busca de uma saída para o mar, Antônio Conselheiro acumulara 20 anos de peregrinação, catando pedras para restaurar e construir igrejas, açudes e cemitérios, colecionando prédicas, perseguições e pelejas, espalhando conselhos, afilhados e esperanças. Era chegada a hora de fundar “a aldeia mais organizada e laboriosa que qualquer das conhecidas até então pelos seus 300 habitantes”². Um território livre da extorsão do Estado e da exploração dos latifundiários. Uma comunidade solidária, que planta, colhe, cria, edifica e reza. Era chegada a hora de uma nova experiência sobre a terra.
Afinal, a recém-proclamada República, que completa 128 anos no próximo dia 15, parecia pior que a encomenda. A impressão é que, no Brasil, os regimes políticos mudam para manter privilégios, na exata medida de todos os golpes de Estado da nossa história: reacionários, conservadores e antipopulares. Trocam-se as peças do tabuleiro para retroagir ou, quando muito, ficar tudo como dantes no quartel de Abrantes. Para os peões que se moviam em revoada a cada estiagem prolongada, a República, que não garantia o mínimo direito à dignidade, passou a fazer absurdas exigências fiscais. Autorizou os municípios a editar a cobrança de impostos, ampliando “a roça de milho cercada de formiga”³, como o Conselheiro se referia à carestia. Os preços dos alimentos subiram 118% entre 1891 e 1894, acompanhando a maior inflação monetária que se tinha notícia. A crise econômica assolava o país e era chegada a hora de reagir.
A fogueira com os editais de cobrança de impostos
Foi em um movimentado dia de feira na cidade de Bom Conselho (atual Cícero Dantas) que aconteceu a grande reação popular contra o ajuste fiscal republicano. Insubmissos à extorsão, os conselheiristas arrancaram os editais de cobrança de impostos e fizeram uma fogueira em praça pública. Outras manifestações se espalharam pelo estado e, para rechaçá-las, um destacamento da polícia baiana formado por cerca de 30 soldados foi enviado com a missão de prender o Conselheiro e dispersar os revoltosos. O confronto aconteceu no povoado de Masseté, pertencente ao município de Quijingue-BA. Liderados por João Abade, os sertanejos repeliram a polícia e, duas semanas depois, chegaram à “terra que ninguém lhes havia prometido”⁴.
Conta-se que pisaram o chão canudense na manhã triunfal do dia 13 de junho, sob uma revoada de foguetes que festejava Santo Antônio, o padroeiro da comunidade. Convencidos das prodigiosas perspectivas de Belo Monte e confiantes na liderança de Antônio Conselheiro, camponeses, artífices e até fazendeiros, dos mais distintos grupos étnicos e estratos sociais, aportaram no arraial. Ali reunidos, demonstravam que o sertanejo é, antes de tudo, diverso. E a variedade extravasava nos pomares e criações, nas redes e utensílios fabricados, nos celeiros fartos e no caixa comum para os doentes e necessitados. A autogestão camponesa combinada à disciplina espiritual fazia as águas do Rio Vaza-Barris se transmutarem em leite e mel, banhando os barrancos de cuscuz.
A nova “Canaã” crescia com seus casebres de barro que mais lembravam as tradicionais comunidades de fundos e fechos de pastos do que as vilas simétricas da urbanização colonial e, na mesma proporção, aumentava também o incômodo dos coronéis pela migração da mão de obra, antes abundante. O barão de Jeremoabo, maior latifundiário baiano daquela época, cujo nome de batismo era Cícero Dantas Martins (sim, o mesmo que hoje nomeia o antigo Bom Conselho), se queixava do “aluvião de famílias que subiam para Canudos”⁵. Missivista inveterado, foi ele quem mais leu as queixas dos amigos, correligionários e fazendeiros incomodados pela presença do “povo 13 de maio”⁶ no novo Quilombo brasileiro. Belo Monte ameaçava a opressão sem limites sobre o campesinato despossuído, constituído da grande massa de sem terras. De quebra, escapava à gestão política das oligarquias regionais fortalecidas pelo federalismo republicano e, numa audácia sem precedentes, substituía a moeda circulante por um vale amplamente aceito nas comunidades. Era mais do que uma ameaça, era assustador!

Caminhada da Romaria
Aproveitando o caráter religioso do arraial, o governador da Bahia, Rodrigues Lima, fez uma jogada genial: movimentou o arcebispo dom Jerônimo Tomé. Pediu a ele para organizar uma missão que convencesse os devotos a desertarem dali. Era maio de 1895, um mês antes do segundo aniversário de Belo Monte, quando o frade João Evangelista do Monte Marciano, cansado de ser questionado pela audiência crítica à sua postura doutrinária, explica a Antônio Conselheiro: “Se é católico, deve considerar que a Igreja condena as revoltas, e, aceitando todas as formas de governo, ensina que o poderes constituídos regem os povos, em nome de Deus”⁷. As pregações do missionário capuchinho em nada alteraram a fluidez do Vaza-Barris. Mas revelaram uma dolorosa constatação: para destruir aquilo seria preciso mexer em mais de uma peça. Seria preciso mobilizar todo o tabuleiro.
E, para isso, seria preciso um bom pretexto. A arapuca não poderia ser mais emblemática. Envolveu um dos coronéis que mantinha relações comerciais com Belo Monte e que, por sua condição aristocrática, sabia exatamente a sua posição na hora do xeque-mate. Se seu prenome lembrava o frade italiano, João Evangelista, seu sobrenome não deixava dúvidas: Pereira e Melo, duas das famílias mais tradicionais de Juazeiro-BA. Comerciante, fazendeiro e político, o coronel Janjão devia a Antônio Conselheiro um carregamento de madeira que seria utilizada na finalização da Igreja Nova do Bom Jesus. Embora já estivesse paga, a mercadoria não foi entregue, segundo a tradição, por falta de quem levasse a encomenda. Conselheiro disse que mandava buscar.
A partir daí, entra na jogada o dono do xadrez: o jovem e promissor juiz de Direito recém-nomeado para Juazeiro, Arlindo Leoni. Coincidências ou não, era o mesmo representante da lei que atuava em Bom Conselho quando os conselheiristas fizeram a famigerada fogueira com os editais de impostos. Convicto de seu dever cívico, republicano e genealógico, o juiz não precisou reunir provas de que Juazeiro seria invadida pelo “perverso Antônio Conselheiro”⁸. Telegrafou para o governador da Bahia, o recém-empossado vizinho casanovense Conselheiro Luís Viana, e, em tom alarmista, selou o futuro do arraial. Depois de duas expedições estaduais fracassadas, Viana solicita a ajuda do Governo Federal, dirigido naquele momento por um representante das oligarquias cafeeiras do sudeste, o paulista Prudente de Morais. Era hora de o Exército selar o grande acordo nacional.
A ficção do jornalismo
Os jornais, mais eficientes veículos de comunicação de massa no Brasil do final do século 19, cumpriram o papel que até hoje é reservado à imprensa hegemônica: construíram a unidade discursiva a serviço dos interesses do patronato. Para criminalizar e negar a importância social da experiência, chamaram os belomonteses de monstros, bandidos, fanáticos, ignorantes, desordeiros e outros tantos rótulos ainda em voga, transmutando os sertanejos em inimigos da pátria e os militares em heróis. Para insuflar o combate ao arraial, convenceram a opinião pública de que “os fanáticos do Conselheiro, com armamento moderníssimo e abundante munição, comandados pelo conde d’Eu, pretendiam restaurar a monarquia”⁹, novelizando a vida na eterna luta entre o bem e o mal.
“As vozes falando em nome do bom senso”, afirma Walnice Nogueira Galvão, “podiam ser contadas nos dedos das mãos”. Não por acaso, a necessidade atual de recorrer a periódicos estrangeiros “para uma apreciação equilibrada dos eventos da guerra e sua inserção no processo histórico geral do país”. O resultado foi lastimoso: “Com uma mobilização geral da opinião feita pelos jornais, acompanhando as operações bélicas, a Guerra de Canudos foi afinal ganha, o arraial arrasado a dinamite e querosene juntamente com quem não quis se render, os prisioneiros todos degolados, restando apenas algumas poucas centenas de mulheres e crianças que foram dadas de presente ou vendidas. A república estava salva”¹⁰. A lição também é lastimosa: no calor da hora do jornalismo nosso de cada dia há muito mais ficção do que julga a nossa vã crença na verdade dos fatos.
Que o diga o jornalista míope do livro “A Guerra do Fim do Mundo”, de Mario Vargas Llosa. Inspirado em Euclides da Cunha, o personagem do escritor peruano é uma triste metáfora da atividade jornalística. Com seus óculos quebrados durante a debandada da terceira expedição, chefiada pelo corta-cabeças Moreira César, o jornalista míope confessa que não viu nada, a não ser sombras, vultos e fantasmas. “Mas, embora não tenha visto, senti, ouvi, apalpei, cheirei as coisas que aconteceram lá. E o resto, adivinhei”. Interlocutor do barão de Canabrava (inspirado no barão de Jeremoabo), o jornalista explicaria páginas à frente. “Os correspondentes podiam ver mas não viam. Só viram aquilo que foram ver. Mesmo que não estivesse ali”¹¹. Mais tarde, Vargas Llosa diria que umas das coisas que mais o fascinou, “ao investigar a história da Guerra de Canudos, foi ver como a imprensa desempenhou um papel tão importante na deformação da realidade”¹².
O enviado de Padre Cícero
Belo Monte rascunhou a tão eficaz e usual ação combinada entre a elite econômica, a mídia e o aparato jurídico-policial do Estado. Os poderes instituídos só não esperavam que a resistência fosse tão visceral. Padrinho de tantas crianças desde o início da sua peregrinação, Conselheiro contou com o reforço de muitos afilhados vindos de Sergipe e de todo o noroeste e litoral norte da Bahia. Milhares de camponeses, negros, povos tradicionais e soldados desertores em defesa da própria sobrevivência depositaram o seu sangue naquele chão¹³. Até mesmo o representante de outro famoso padrinho sertanejo, o Padre Cícero, teria presenciado um dos conflitos, um ano após o atentado que quase tira a vida do padre que, naquele momento de reboliço da história eclesiástica brasileira, havia desafiado as ordens da Diocese e do Vaticano.
Segundo Honório Vilanova¹⁴, que ao lado de seu irmão Antônio conseguiu furar o cerco do exército e fugir pro Ceará, antes da primeira expedição chegar à cidade de Uauá-BA, palco da batalha inaugural, ocorrida no dia 21 de novembro de 1896, o padim Ciço enviou um sujeito de nome Herculano. Ao chegar no arraial, levaram-no à presença de Antônio Conselheiro, que logo lhe perguntou: “Que mandou dizer o Padre Cícero?”. “Mandou dizer que está esperando uma guerra”, respondeu o rapaz. “Pois quando voltar ao Juazeiro, diga ao padre que o fogo do inferno vai cercar este lugar. Haverá quatro fogos: os três primeiros são meus, o quarto eu entrego nas mãos do Bom Jesus. A minha guerra é federal, a dele será estadual”, profetizou, tal qual o cigano Melquíades. Ao saber que os soldados já estavam a caminho de Belo Monte, Herculano quis ir embora. Conselheiro pediu que ele assistisse ao primeiro fogo para contar ao Padre Cícero. “Conta tudo o que viu, sem faltar uma palavra”.
Durante o último fogo sobre o arraial, no segundo semestre de 1897, o maior medo das autoridades era que o Padre Cícero levasse seus seguidores para combater em Belo Monte. Naqueles idos, ele estava refugiado no sertão pernambucano, em Salgueiro, após ter sido intimado a cumprir o decreto da Congregação do Santo Ofício que o expulsou de Juazeiro do Norte, já que ele se negava a refutar o milagre da hóstia que vertera sangue na boca da beata Maria de Araújo. Certamente, os “exércitos” dos mais notórios seguidores da prática pastoral do Padre Ibiapina seriam imbatíveis, como são em termos de religiosidade popular no semiárido nordestino. Mas o Padre Cícero, como destaca seu biógrafo Lira Neto, estava mais interessado em garantir a sua ameaçada sobrevivência como líder espiritual, “na engenhosa composição de predicados aparentemente antagônicos – a dedicação pastoral aos mais humildes e o diálogo estratégico com os poderosos e abastados”¹⁵.
Entretanto, quando veio a sua “guerra estadual”, em 1914, o Padre Cícero e seu fiel escudeiro Floro Bartolomeu recorreram a um famoso sobrevivente de Belo Monte: o comerciante Antônio Vilanova, que naquele momento residia no município caririense de Assaré. O velho guerreiro, com viva lembrança das estratégias utilizadas na defesa do arraial, desenhou um plano certeiro: a construção de uma imensa vala em torno de Juazeiro do Norte, com nove quilômetros de extensão, oito metros de largura e cinco metros de profundidade. O “Círculo da Mãe de Deus”, como o Padim batizou aquela engenhosa trincheira, impediu que as tropas do governador Franco Rabelo invadissem a cidade, no episódio conhecido como Sedição de Juazeiro. Mas essa já é outra história…
A “Terra Santa do Beato Santo Antônio”O certo é que muitos episódios, histórias, romances e metáforas magistrais cabem em Belo Monte. Alegoria socioreligiosa capaz de esculpir obras de diferentes linguagens artísticas: do cinema de Glauber Rocha ao teatro de José Celso Martinez Correa, da literatura de Mario Varga Llosa à fotografia de Evandro Teixeira, da poesia de Patativa do Assaré às artes plásticas de Gildemar Sena. Belo Monte esculpiu Euclides da Cunha e sua obra vingadora, incluindo no cânone literário brasileiro um barroco grito de protesto, em que “a consciência da impunidade, do mesmo passo fortalecida pelo anonimato da culpa e pela cumplicidade tácita dos únicos que podiam reprimi-la, amalgamou-se a todos os rancores acumulados, e arrojou, armada até aos dentes, em cima da mísera sertaneja, a multidão criminosa e paga para matar”¹⁶.
Belo Monte continua sendo esculpido, especialmente por aqueles, como o professor José Calasans, que escutaram os sobreviventes e seus descendentes, mergulharam nas águas diáfanas das lembranças inundadas pelo Açude de Cocorobó, onde desde 1969 repousa a Canudos dos que voltaram depois do maior massacre da nossa história. Aqueles que também revisitam a experiência à luz dos desafios sempre atualizados pelo correr da vida, que embrulha tudo. “A vida é assim”, ensina Riobaldo: “esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”¹⁷. Aqueles, enfim, que fazem da sua vida um permanente ato de fé e coragem, reacendendo a cada Romaria a chama imortal do ideal ardente que mantém viva a “Terra Santa do Beato Santo Antônio”¹⁸.
“O sol brilha com alegria, são 30 anos de Romaria”
Nem bem o sol havia nascido e o trio Chapolin parou em frente à casa paroquial de Canudos. O Padre José Alberto Gonçalves já estava à espera para embarcar e iniciar a primeira peregrinação do dia pelas ruas da cidade. Com sua voz de locutor e seu tom cerimonioso, assumiu o microfone do trio e, em alto e bom som, saiu convocando a população para a missa que seria celebrada às 6h. “Bom dia romeiros e romeiras, vamos acordando. O sol brilha com alegria, são 30 anos de Romaria”, dizia ele, intercalando os apelos com uma música cujo refrão expressava a simbologia do momento: “Eu também sou a imagem do guerreiro, sou filho de nordestino, da terra do Conselheiro”.
Filho de Uauá, cidade-irmã de Canudos, o Padre Alberto assumiu a paróquia de Santo Antônio há quatro anos e nove meses. Mas participa das Romarias de Canudos desde 1993, quando ainda era seminarista na Paraíba. “Estamos sempre em Romaria, em busca da promissão, da esperança, da dignidade, da terra livre. E nessas buscas paramos de vez em quando para celebrar”, afirmou, resumindo o sentido daquela peregrinação de fieis da causa conselheirista que desde 1987 é realizada às margens do Açude de Cocorobó em recordação ao martírio do povo de Belo Monte.
Longe de ser uma romaria como as de Juazeiro do Norte, que três vezes ao ano reúnem milhares de pessoas de todos os rincões do Nordeste, a peregrinação de Canudos tem atraído algumas dezenas de pesquisadores, professores, estudantes, militantes cristãos e de movimentos sociais, pastorais, cooperativas, associações, ONGs e comunidades eclesiais de base. “Pedagogicamente”, explica o Padre Alberto, “a Romaria de Juazeiro do Norte tem uma diferença da nossa, porque lá tem uma perspectiva do simbólico, da prosperidade, do milagre em si, e a nossa traz a tônica da reflexão e da celebração das experiências concretas de convivência com o semiárido”.
É o caso da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), que esteve representada por sua presidente Denise Cardoso na mesa de abertura da Romaria, realizada na noite do último dia 21 de outubro, véspera da caminhada. Fundada em 2003 por um grupo de 44 agricultoras, hoje a entidade reúne 271 cooperadas/os e é pioneira em beneficiamento e comercialização de frutos nativos da caatinga, a partir dos princípios da economia solidária e do comércio justo. “A Coopercuc é resultado de uma proposta de convivência com o semiárido de geração de renda para a autonomia das mulheres. É uma história de desafios, em que a gente sobrevive todos os dias”, afirmou Denise.
Ao seu lado na mesa que discutiu o tema da 30ª Romaria: “Memória, caatinga e vida”, estava o diretor do Campus Avançado de Canudos da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Luiz Paulo Neiva. Desde 1986, a Uneb atua na salvaguarda da epopeia conselheirista. Atualmente mantém dois importantes equipamentos: o Parque Estadual de Canudos, uma área de 1.321 hectares que preserva o cenário das últimas batalhas, e o Memorial Antônio Conselheiro, que reúne museu, biblioteca e jardim temático. No dia 5 de outubro deste ano a Universidade inaugurou em Canudos o primeiro núcleo de robótica da Bahia e até o final do ano será lançada por lá a primeira Universidade Livre do estado.
A história dos vencidos
Nada mais apropriado para uma cidade que está historicamente ligada ao nascedouro de “um modelo social de organização popular, do poder, da produção, da comercialização e da convivência humana”, como afirmou o Padre José Wilson Andrade, vigário da paróquia Nossa Senhora da Conceição, em Feira de Santana-BA. Presidente do Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC), ONG responsável por salvaguardar a memória de Belo Monte e das Romarias, o Padre Wilson foi o terceiro componente da mesa de debate. Discorreu sobre o tema que lhe ocupa há quase 30 anos: “a história dos vencidos”.
Durante esse tempo, concluiu uma especialização, um mestrado e um doutorado sobre os aspectos religiosos e políticos de Belo Monte. Suas pesquisas relevam os princípios teológicos que guiavam as pregações de Antônio Conselheiro e se confundem com as do professor Pedro Vasconcellos, que este ano trouxe dos escombros do arraial os “Apontamentos dos preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a salvação dos homens”, ditados e escritos pelo Conselheiro em 1895. “Ele era muito culto para o seu tempo e reinterpretava livros do catolicismo popular, como a Missão Abreviada, as Práticas Mandamentais e as Horas Marianas, à luz das necessidades do povo”, lembrou o Padre Wilson.
Segundo ele, um dos novos campos de pesquisa sobre a história de Belo Monte é justamente o caráter teológico do arraial. É a nova oportunidade de “exumar o cadáver do homem que tremeu a jovem República”, como afirma Leandro Karmal no prefácio do livro “Arqueologia de um monumento: os apontamentos de Antônio Conselheiro”, de Pedro Vasconcellos¹⁹. “Pela primeira vez e de forma impactante, entramos na cabeça do homem santo de Canudos”, complementou Karmal. Algo que destoa do perfil delineado por Euclides da Cunha para o Conselheiro, enquadrando-o “no âmbito da loucura carismática e de expectativas escatológicas de teor milenarista”.
A inteireza moral e intelectual de Antônio Conselheiro
Foram 120 anos de desinformação. Nesse ínterim, apenas as prédicas e discursos de Antônio Conselheiro tinham sido publicados na década de 1970, por esforço do pesquisador Ataliba Nogueira. Escritas no último ano do arraial, em janeiro de 1897, as palavras do Conselheiro são as mais nítidas expressões de sua inteireza moral e intelectual e, de algum modo, um testamento legado à posteridade. O manuscrito finaliza em tom saudoso: “Adeus povo, adeus aves, adeus árvores, adeus campos, aceitai a minha despedida, que bem demonstra as gratas recordações que levo de vós, que jamais apagará da lembrança deste peregrino, que aspira ansiosamente a vossa salvação e o bem da Igreja. Praza aos céus que tão ardente desejo seja correspondido com aquela conversão sincera que tanto deve cativar o vosso afeto”²⁰.
Agora, o desafio é que esses e outros testamentos que revelam o Conselheiro professor primário, leitor ávido, intelectual e interlocutor de santos eruditos, como Agostinho, Jerônimo, Pedro Damião e Tomás de Aquino, sejam conhecidos pelo grande público e reconstituídos nos livros didáticos que abordam a história de Belo Monte/Canudos. Para a Irmã Verônica Ribeiro, que há mais de 30 anos iniciou os trabalhos de organização do povo canudense com outras missionárias da congregação do Sagrado Coração de Jesus, as novas revelações podem concretizar o sonho da canonização do líder religioso de Belo Monte. “O Papa Francisco acabou de canonizar os mártires católicos²¹. Antônio Conselheiro também foi um mártir, teve a cabeça decepada”, afirmou ela, que durante seus anos de peregrinação na década de 1980 foi ameaçada por fazendeiros da região “que não queriam que a gente falasse em fundo de pasto, reforma agrária, direitos humanos…”. Como para ser canonizado é necessário provar um milagre ocorrido por sua intercessão, perguntei à Irmã Verônica se já havia algum evento milagroso na conta do Conselheiro. Ela respondeu prontamente: “O milagre da resistência”

Encerramento da Romaria
É esse milagre que tem sustentado as três décadas de caminhada da conselheira tutelar Edileuza Ramos. Nascida no Trabubu, nas proximidades de uma das principais trincheiras conselheiristas, a Serra do Cambaio, ela esteve presente em todas as Romarias, sempre compondo a equipe de animação. Tem na ponta da língua um rosário de cantos religiosos e de significados profundos sobre a atualidade da experiência de Belo Monte: “Essa luta de Conselheiro não foi em vão, principalmente para nós canudenses que lutamos por dias melhores, pela igualdade e pela partilha”, afirmou.
Depois dos quatro quilômetros de percurso entre a praça da Capela do Cruzeiro²², onde foi celebrada a missa das 6h, e o Mirante do Conselheiro²³, ponto de encerramento da Romaria, o Padre Alberto já estava flamejante dos raios solares, que àquela altura brilhavam com nostalgia. Em sua sala de estar paroquial, aguardei que ele sentisse a brisa suave do dever cumprido para lançar a questão derradeira: “O que Belo Monte tem a nos ensinar hoje?”. A resposta veio como um sopro: “Em tempos de crise e perda de direitos, o grande ensinamento é manter viva a chama que fumega. Belo Monte nos ensina a valorizar os saberes do nosso povo e do nosso bioma caatinga, nos inspira a não deixar que roubem a nossa esperança, a nossa fé e a nossa capacidade de servir e de amar”.
Belo Monte, que se tornou um pavoroso rodamoinho de poeira e escombros, centrifugado pela cólera da República no século 19 e da Ditadura Militar no século 20, poderia ter tido o mesmo destino de Macondo e ser arrasado pelo vento e desterrado da memória dos homens e mulheres, na impossibilidade de se repetir tudo o que está escrito nos pergaminhos/testamentos do Melquíades/Conselheiro. Mas, com licença a García Márquez e ainda sentindo o aroma da Romaria, só me resta desejar profundamente: que as estirpes condenadas a cento e vinte anos de solidão tenham sempre oportunidades sobre a terra.
* Luis Osete é natural de Cardeal da Silva (BA) e radicado em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) desde 2005. É jornalista, pesquisador e garimpador de memórias.
Notas
¹ Livremente inspirado no livro “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez;
² “Cem Anos de Solidão”;
³ “Calasans, um depoimento para a história”, de Marco Antonio Villa;
⁴ “Cem Anos de Solidão”;
⁵ “Canudos: a luta pela terra”, de Edmundo Moniz;
⁶ “Canudos: Cartas para o Barão”, de Consuelo Novais Sampaio;
⁷ “Belo Monte: uma história da guerra de Canudos”, de José Rivair Macedo e Mário Maestri;
⁸ Telegrama do juiz Arlindo Leoni para o governador Luís Viana;
⁹ “Antônio Conselheiro e Canudos”, de Ataliba Nogueira;
¹⁰ “No calor da hora: a guerra de canudos nos jornais, 4ª Expedição”, de Walnice Nogueira Galvão;
¹¹ “A Guerra do Fim do Mundo”, de Mario Vargas Llosa;
¹² Entrevista concedida por Mario Vargas Llosa a Ana María Moix;
¹³ “Cangaceiros e Fanáticos”, de Rui Facó;
¹⁴ “Universos em confronto: Canudos versus Belo Monte”, de Sérgio Guerra;
¹⁵ “Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão”, de Lira Neto;
¹⁶ “Os Sertões”, de Euclides da Cunha;
¹⁷ “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa;
¹⁸ “Ladainha pra Canudos”;
¹⁹ Os livros “Apontamentos dos preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a salvação dos homens” e “Arqueologia de um monumento: os apontamentos de Antônio Conselheiro” compõem a obra “Antônio Conselheiro por ele mesmo”, organizada pelo pesquisador Pedro Vasconcellos.
²⁰ “Antônio Conselheiro e Canudos”, de Ataliba Nogueira;
²¹ No último dia 15 de outubro, o Papa Francisco canonizou 30 mártires católicos que foram brutalmente assassinados no Rio Grande do Norte em 1645, durante a ocupação holandesa no Nordeste brasileiro.
²² A Capela do Cruzeiro abriga duas relíquias: o Cruzeiro da Igreja Velha de Belo Monte e a madeira que deveria ter sido entregue para a finalização da Igreja Nova do Bom Jesus;
²³ O Mirante do Conselheiro fica no topo de uma serra. Por lá, podem ser vistas a estátua de Antônio Conselheiro e uma panorâmica do Açude de Cocorobó.
Arte
A polêmica das estátuas no 7 de Setembro
A estátua equestre de Pedro I foi erguida na mesma praça em que Tiradentes foi executado no Rio de Janeiro, fato que seria desagravado apenas com o advento da República, que mudou seu nome para homenagear o inconfidente
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07/09/20
Não é possível comemorar a Independência do Brasil hoje sem pensarmos sobre um dos temas mais debatidos em nossa relação com a história: a polêmica das estátuas. Em 22 de junho de 2020, por exemplo, o Museu de História Natural de Nova York anunciou a retirada de uma estátua equestre de Theodore Roosevelt localizada em frente ao museu desde 1940. Vejam na fotografia acima que razões não faltaram, pelo modo subalterno com que negros e índios são representados.
Por Mayra Marques, Mateus Pereira e Valdei Araujo (UFOP)*
O diretor do Museu afirma que a recusa é ao monumento, e não à figura de Roosevelt, que continuará sendo homenageado pela instituição por seu pioneirismo na luta pela conservação do meio ambiente. Segundo a reportagem, um dos descendentes do ex-presidente, declarou:
“O mundo não precisa de estátuas, relíquias de uma outra era, que não refletem os valores das pessoas que pretendem honrar, ou os valores de igualdade e justiça”.
Em 2017 uma comissão estabelecida pela cidade de Nova York para reavaliar a pertinência de monumentos públicos havia decidido, em votação dividida, pela manutenção da estátua, apesar dos protestos de que já vinha sendo alvo e das promessas do museu em “atualizar” (update) suas exibições. Em 2019 o museu tomou a iniciativa de promover um debate com a comunidade e inserir elementos que pudessem contextualizar e criticar os aspectos racistas e colonialistas do monumento, bem como reavaliar as posições do próprio Roosevelt.
A iniciativa ficou registrada no projeto “Addressing the Statue”, que pode ser ainda visitado no site da instituição. O projeto é um excelente exemplo de como o interesse renovado pelos monumentos e personagens históricos, provocados por polêmicas, podem ser respondido pela produção de conhecimento e diálogo com a comunidade em busca de atualização. Algo que poderia não acontecer se a estátua tivesse que ser removida violentamente.
Com a onda de protestos que se seguem após o assassinato de George Floyd, os administradores do museu decidem finalmente retirar a estátua, em um desfecho que exemplifica como a atualização da monumentalização pública pode ocorrer em um ambiente democrático ampliando o seu sentido histórico, no lugar de apagá-lo, como acusam ligeiramente alguns críticos.

Estátua equestre de Theodore Roosevelt, a ser removida da frente do museu de História Natural de Nova York
Esse fato, que tem como centralidade a figura e a estátua de Roosevelt, nos remete à também polêmica estátua equestre de Pedro I, que se encontra na atual praça Tiradentes, na cidade do Rio de Janeiro. Ela carrega a mesma estrutura evolucionista e hierarquizante criticadas na estátua de Roosevelt.
Estátua como “mentira de bronze”
O monumento comemorativo da Independência foi erguido em 1862, e desde seu nascimento provocou fortes protestos, ainda que por razões diferentes. Mesmo que sua instituição tivesse por objetivo a consagrar Pedro I como o herói que libertou a nação, dando-lhe uma carta constitucional, ela não deixa de materializar as concepções evolucionistas e racistas das elites brasileiras. Ao mesmo tempo, esse episódio nos mostra a complexidade da instituição de monumentos: desde o início a estátua foi vista por grupos liberais como uma impostura contra a memória de outros movimentos e heróis da independência, o liberal mineiro Teófilo Ottoni lança no mesmo dia da inauguração um panfleto crítico em que chama a estátua de “a mentira de bronze”, ao mesmo tempo em que recuperava a figura de Tiradentes como o verdadeiro herói da Independência.
A estátua equestre de Pedro I foi erguida na mesma praça em que Tiradentes foi executado no Rio de Janeiro, fato que seria desagravado apenas com o advento da República. Nesse caso, no lugar de remover a estátua do ex-imperador, bastou às elites republicanas ressignificar o contexto da praça em um gesto ao mesmo tempo provocativo e de conciliação. Deixava de ser praça da constituição para ser Praça Tiradentes. Ironia ou conciliação?
Até hoje a posição subalterna da população indígena no monumento permanece invisibilizada, e sua atualização poderia passar, também, pela promoção de debates e, mesmo, pela remodelagem documentada do monumento. A estátua equestre, com o Imperador segurando a constituição, poderia, por exemplo, descer de seu pedestal evolucionista-racista e, em paralelo, outras formas de comemorar/celebrar os povos indígenas e denunciar sua opressão poderiam ser produzidas.

Estátua equestre de D. Pedro I na praça Tiradentes, Rio de Janeiro
Retirar as referências de um passado sensível não nos deixaria com uma falta de “locais de memória” nas ruas? A solução, neste caso, seria a sua substituição e/ou convivência com novos monumentos aos grupos historicamente oprimidos e sub-representados, como mulheres, indígenas e negros. Mas é preciso pensar em que tipo de monumentos seriam esses.
Estátuas como selfies de celebrities
Segundo o crítico de arte britânico Jonathan Jones, derrubar estátuas é uma performance admirável, mas a ideia de substituir as estátuas derrubadas por outras de pessoas mais “merecedoras” da homenagem seria fruto de um pensamento artístico conservador. A estátua, para Jones, já não seria uma forma artística adequada para homenagens desde que Marcel Duchamp enviou um urinol para uma exposição de arte em Nova York. O mais adequado seria, então, dar espaço para que a arte contemporânea pudesse representar as vidas roubadas pela escravidão, pois a estátua reduz a história a apenas um rosto, um personagem, podendo apenas reforçar uma concepção simplista e conservadora de como a história acontece.
As estátuas, de modo parecido com as selfies, fazem parte de uma cultura de celebridades que não faz sentido para retratar horrores como a escravidão ou o Holocausto. De algum modo, a representação monumental dos personagens históricos parece evocar a concepção de um indivíduo linear, solar, sem falhas.
Considerando as cidades ou os países como grandes museus, precisamos pensar sobre as decisões em relação às seleções feitas pela curadoria que, em última instância, vai decidir sobre a relevância desse ou daquele objeto presente nestes espaços. Ou seja, estamos diante de figuras fundamentais nessas escolhas: os/as curadoras, que, no caso das cidades, geralmente são as autoridades políticas, mas que também podem ser pessoas comuns que reivindicam a inserção ou a retirada de um monumento.
Sobre essa questão o historiador Fábio Faversani nos lembra que, na Roma Clássica, a noção de cidadão era excludente, o que significa que as representações eram, apenas, de pessoas consideradas cidadãos importantes. Assim, a questão sobre quem deve ser homenageado com uma estátua ou com um monumento está diretamente relacionada ao fato de se ter reconhecidamente o direito a ocupar os espaços da cidade, isto é: quem, por algum critério de legitimidade, é reconhecido como cidadão. A cidadania, na nossa democracia contemporânea, deve ser abrangente, não porque sejamos todos iguais, mas justamente por sermos diferentes – e, por isso, é preciso reconhecer e escrever as várias histórias que constituem a nossa sociedade. A derrubada violenta pode ser reconhecida como a forma radical de determinados grupos sociais chamarem a atenção dos políticos e da sociedade em geral. A derrubada violenta faz sentido quando não há oportunidade de diálogo. É preciso reconhecer que as tradições não são boas por si mesmas, pelo simples fato de serem uma herança de nossos antepassados; elas são mutáveis e só permanecem vivas se formas capazes de atualizar nossa história (nosso passado-presente-futuro) a partir delas de modo plástico e criativo.
Alguns críticos consideram a derrubada e/ou atualização de estátuas um tipo de anacronismo, no sentido de que reduziriam a história ao universo de valores do presente. Não estaríamos tirando estes personagens de seus contextos históricos? Diante de tais questões devemos nos lembrar que o racismo não é algo do passado; ele ainda está presente e tem consequências significativas nas nossas vidas. Muitos dos personagens que são hoje alvo de crítica cometeram ações que mesmo em suas épocas poderiam ser consideradas infames, mas acabaram tendo suas memórias protegidas por suas ligações com os poderosos da vez.
Estátuas como forma de criar mitos
Apenas tornando a história menos eurocêntrica e heteronormativa é possível evitar que as extremas-direitas usem referências do passado como forma de recrutamento e propaganda, como se o passado fosse homogêneo e sem disputas. E isto não significa negar a história ou falseá-la; a pluralidade é uma realidade, basta trazer à luz histórias esquecidas ou suprimidas das várias nações e povos que formam a nossa sociedade.
A divisão entre aqueles que defendem o patrimônio a qualquer custo e os que gritam “deixa quebrar” só ocorre porque não há políticas públicas efetivas de monumentalização voltadas para a reparação histórica, como aponta, também, Fernanda Castro. Vale notar que em países como o Brasil há uma grande dispersão de autoridades com mandato que permite gestos de celebração e monumentalização. A emergência do bolsonarismo, por exemplo, acontece em “paralelo” a uma epidemia de medalhas e outras celebrações de aliados cujas biografias se confundem com uma vasta lista de crimes.
Assim, os protestos nos quais estátuas são derrubadas ou depredadas podem ser uma forma de manifestação que surge de situações extremas de sofrimento e revolta, e não podemos condenar tais atitudes de modo linear. No entanto, não devemos normalizar o uso da violência, ela é sintoma de que os caminhos democráticos para solução de conflitos não estão funcionando de que problemas graves não encontram políticas públicas adequadas.
Destruir estátuas por si só não tornará as sociedades menos racistas, mas deve servir de estímulo para a identificação do que deve ser feito, como o combate à violência policial contra negros, por exemplo, bem como a implementação de políticas públicas de memória e antirracistas. Além de políticas públicas cujo objetivo seja a redução da desigualdade socioeconômica dos negros em relação aos brancos. Cabe enfatizar que a normalização da violência é amplamente utilizada pelos grupos de direita, como vimos no caso da destruição da placa da Rua Marielle Franco, que se tornou um símbolo de extremistas de direita na campanha eleitoral de 2018. Portanto, é preciso entender o contexto e o sentido da destruição de monumentos antes de fazer qualquer juízo definitivo.
O historiador Marcelo Abreu nos chama a atenção para o fato de que a desigualdade social presente no mundo precede as estátuas e os patrimônios que buscam moldar as identidades nacionais. Por isso, embora uma estátua possa representar uma identidade local ou nacional, a revolta contra o racismo desses “heróis” homenageados transpassa as fronteiras, já que a desigualdade não está presente em apenas um país. Nessa direção, a luta contra todas as formas de opressão nunca deveria fugir do horizonte de todos e todas que formam e lutam dentro do campo progressista.
Se os lugares de memória existem para nos recordar, constantemente, de quem somos nós, é muito natural que o valor desses lugares se transforme com o tempo, na mesma medida em que a própria sociedade se transforma. Já não aceitamos o racismo como em tempos bem próximos, logo, não faz sentido que queiramos deixar para o futuro homenagens a pessoas que defenderam esta forma de discriminação e dela se aproveitaram. Lutas como essas podem ajudar para a construção de pautas comuns no interior do campo progressista. Disputas e divergências sempre haverá, mas é preciso não perdermos o horizonte do comum.
O que vemos hoje é a reivindicação, muito justa, dos grupos que tiveram suas memórias e identidades subjugados, o que faz com que se reconheça que a nossa sociedade é composta por variadas memórias e identidades – muito diferente do “povo brasileiro” homogêneo que defendeu, em sua “atualização regressista”, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, durante a famigerada reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020. Em sua análise, relativa a esse “povo” ao qual faz referência a extrema-direita brasileira, a historiadora Luísa Pereira escreve: “O verdadeiro povo seria formado pelo homem simples, cristão, conservador, heterossexual, casado, pai de família, provedor, empreendedor e patriota […]. O verdadeiro povo é, portanto, homogêneo”. Uma ideia de povo e heróis celebrados pela atual propaganda política desse governo para o 7 de Setembro este ano.
Os protestos atuais nos quais estátuas são derrubadas em nome da luta contra o racismo e o colonialismo são formas de manifestação que surgem em situações extremas de sofrimento e revolta, e não podemos condenar tais atitudes de modo linear. No entanto, não devemos normalizar o uso da violência, ela é sintoma de que os caminhos democráticos para solução de conflitos não estão funcionando. Antes de condenar, a cidadania precisa se perguntar sobre o que está errado e precisa ser feito.
Como afirma Adam Prezeworski, em Crises da democracia: “A persistência da desigualdade é uma prova irrefutável de que as instituições representativas não funcionam, pelo menos não como quase todo mundo acha que deveriam. Portanto, o avanço do “populismo” — resultado da insatisfação com as instituições políticas que reproduzem a desigualdade e não oferecem alternativa — não deveria nos surpreender”.
Assim, no dia em que os mais diversos brasileiros rememoram sua Independência não custa lembrar que enfrentar as diversas opressões e desigualdades que marcam esse país é um desafio que nosso passado nos legou e que deve ser assumido coletivamente.
*Mateus Pereira, Mayra Marques e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem, e Mayra Marques é doutoranda em História na mesma instituição.
América Latina e Mundo
Fidel Castro – 94 anos do soldado das ideias
Publicadoo
5 anos atrásem
13/08/20por
Juliana Medeiros
Neste 13 de agosto de 2020, Fidel Castro Ruz, o comandante histórico da Revolução Cubana, faria 94 anos. Nesse vídeo que compartilhamos aqui, com legendas em português, é possível ouvir de cubanos célebres, como os intelectuais Abel Prieto e Miguel Barnet, mas também de jovens como o Professor Fábio Fernandez, historiador da Universidade de Havana, o quão profundas são as transformações provocadas na sociedade cubana pelo privilégio de ter convivido com Fidel.
Um dos momentos mais marcantes desse material produzido pelo Canal Cubavisión Internacional, é uma frase de Fidel, de que “sem cultura, sem conhecimento, não há liberdade possível”. E está claro que não só a saúde e o esporte, mas a cultura é um dos legados mais reconhecidos do povo cubano cujas realizações a ilha socialista compartilha com o mundo.
O material também tem informações históricas que ajudam a compreender a trajetória de um dos homens mais brilhantes da América Latina contemporânea.
Publicamos abaixo também a transcrição completa desse material.
Sua imagem e seu nome são parte da identidade de Cuba. A revolução que liderou e venceu em janeiro de 1959, materializou os ideais emancipatórios de milhões de seres humanos no mundo e segue sendo inspiração para todos aqueles que sonham e lutam por um mundo melhor.
FIDEL: “Um mundo melhor é possível, mas quando se tenha alcançado um mundo melhor, é possível que tenhamos que seguir repetindo que um mundo melhor é possível e depois voltar a repetir que um mundo melhor é possível”
90 anos é o que viveu Fidel Castro desde que, em 13 de agosto de 1926 nasceu em Birán, na região oriental de Cuba e se converteu no segundo filho homem de sua família. Durante 57 anos dessas 9 décadas, Fidel foi o artífice essencial do processo transformador da nação cubana, em todos os âmbitos.
A história revolucionária de Cuba conheceu o jovem Fidel Castro com apenas 26 anos. Quando ocorreu o golpe de estado de Fulgencio Batista em 10 de março de 1952, ele foi um dos primeiros a denunciar o caráter reacionário e ilegítimo do regime de fato e convocar à sua derrubada.
Organizou e treinou um numeroso contingente de aproximadamente 1200 jovens trabalhadores, empregados, estudantes, que vinham fundamentalmente das fileiras [do partido] ortodoxas. Com 160 deles, em 26 de julho de 1953 comandou o assalto ao Quartel Moncada em Santiago de Cuba e ao Quartel de Bayamo, em uma ação que foi concebida como detonante da luta armada contra o regime de Batista.
Nesta ação, falhou o fator surpresa, mas ainda que seja considerada uma derrota militar, essa história ficou conhecida como a ação que levaria o mundo a conhecer o movimento revolucionário que nascia na ilha.
Feito prisioneiro pelas forças repressivas da tirania, poucos dias depois do revés militar, foi submetido posteriormente ao juízo e condenado a 15 anos de prisão. Durante o processo judicial, assumiu sua própria defesa diante do tribunal que o julgou e pronunciou o discurso conhecido como “A história me absolverá” em que impulsionou o programa da futura revolução em Cuba.
Em julho de 1955, Fidel viajou ao México para organizar, desde o exílio, a insurreição armada. Depois de meses de treinamento e com Fidel à frente, na madrugada de 25 de novembro de 1956 zarparam em direção à Cuba 82 combatentes, a bordo do Iate Gramna, cuja idade média era de 27 anos.
Desembarcaram em 02 de dezembro nas Playas Coloradas na costa sul-ocidental da antiga província do oriente. Desde a Sierra Maestra continuou a luta revolucionária, e em sua condição de comandante em chefe, dirigiu a ação militar e a luta revolucionária das forças rebeldes e do Movimento 26 de Julho durante os 25 meses de guerra.
No amanhecer do 1º dia de janeiro de 1959, Fidel enfrentou – com uma greve geral revolucionária acatada por todos os trabalhadores – o golpe de estado na capital da república [de Cuba] promovido pelo governo dos EUA.
Ao concluir a luta insurrecional, manteve suas funções como Comandante em Chefe e em 13 de fevereiro de 1959 foi nomeado Primeiro Ministro do Governo Revolucionário, dirigiu e participou de todas as ações empreendidas em defesa do país e da revolução, nos casos das agressões militares procedentes do exterior ou atividades de grupos contrarrevolucionários dentro do país, em especial a derrota da invasão organizada pela Agência Central de Inteligência (CIA- EUA), levada a cabo em Playa Girón em abril de 1961.
Em nome do poder revolucionário, proclamou em abril de 1961, o caráter socialista da Revolução Cubana.
Ocupou o cargo de Secretário Geral das Organizações Revolucionárias Integradas e mais adiante o de Secretário Geral do Partido Unido da Revolução Socialista de Cuba. A partir da constituição do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, em outubro de 1965, seu cargo foi de Primeiro Secretário e Membro do Bureau Político, o que foi ratificado pelos cinco Congressos do Partido efetuados desde então. Foi eleito [e reeleito] Deputado na Assembleia Nacional do Poder Popular representando o Município de Santiago de Cuba, em seus sucessivos períodos de sessões desde a criação [da AP] em 1976. Desde então, e até o ano de 2008,ocupou o cargo de Presidente do Conselho de Estado e Presidente do Conselho de Ministros.
Durante quase 50 anos, impulsionou e dirigiu a luta do povo cubano pela consolidação do processo revolucionário, seu avanço em direção ao socialismo e a unidade das forças revolucionárias e de todo o povo, às transformações econômicas e sociais do país, o desenvolvimento da educação, da saúde, do esporte, da cultura, da ciência, da defesa, o enfrentamento das agressões externas, a condução de uma antiga política exterior de princípios, as ações de solidariedade com os povos que lutam pela independência, e o progresso e aprofundamento da consciência revolucionária internacionalista e comunista do povo cubano.
YADIRA BARRIOS (jornalista): Compartilhamos agora um momento de reflexão [no programa] ‘Enlace Cuba’ com o jovem professor da Universidade de Havana, Fabio Fernandez, bem vindo!
PROFESSOR FÁBIO FERNANDEZ: Muito obrigado!
YADIRA: Professor, para muitos é difícil compreender essa relação que por mais de cinco décadas se deu entre Fidel – como líder do processo revolucionário cubano – e o povo. Como você analisa essa história, esse diálogo entre o líder e a massa. E o que você acredita que o propiciou?
PROFESSOR: Veja, a história se dá em momentos em que determinados dirigentes ou líderes geram uma conexão tremenda com o grupo humano que buscam representar. Isso está vinculado fundamentalmente com a capacidade desse líder de identificar os ideais, os sonhos, as aspirações dessa comunidade, com a qual ele vai gerando uma conexão. Na história de Cuba, isso passou com o caso de Fidel que fez essa conexão com o povo cubano durante 50 anos de revolução. Agora, esse é um fenômeno que em nossa história já havia ocorrido em outros momentos. Há que pensar, por exemplo, na conexão de um José Martí com esse povo cubano, o qual ele convoca a lutar contra o colonialismo espanhol no final do século XIX, ou podemos pensar em um dirigente como Julio António Mellia, que também conseguiu ser um “furacão” que mobilizou a cidadania contra determinados assuntos que em sua época marcavam a cotidianidade cubana. E o que ocorre com Fidel é que desde a década de 50 ele é capaz de interpretar, repito, a lógica, a aspiração que movia a cidadania e depois consegue manter essa conexão a partir de realizações que foram marcando essa imbricação profunda que se gerou. Eu acredito que é a mágica, vamos chamar assim, de uma liderança carismática, essa capacidade de [fazer] que um povo entenda que um líder o representa e que esse líder está à altura da exigência que continuamente esse povo o apresenta. É algo muito difícil de explicar, algo que sociólogos, historiadores, psicólogos tentaram explicar com todas as suas variáveis e sempre se torna um pouco nebuloso porque, repito, esse é um fenômeno que tem certas doses de magia, essa capacidade de conexão, não é explicável simplesmente de modo racional porque também funciona o emocional que também é tão vital para as relações que se estabelecem entre os seres humanos.
YADIRA: Professor, porque você acredita que o projeto revolucionário cubano – ainda como foi pensado, como um projeto de nação – transcendeu fronteiras? E que papel você acredita que Fidel teve nisso?
PROFESSOR: A Revolução Cubana se converteu em um símbolo para os povos do terceiro mundo por sua capacidade de representar o fato de que determinadas aspirações históricas podiam se consumar. E que aspirações fundamentais? Justiça social e soberania nacional. Os povos do terceiro mundo, fundamentalmente, mas inclusive os povos de toda a humanidade entenderam a Revolução Cubana como um caminho, como uma via que podia levar à consumação dessas lutas históricas. Dentro de todo esse contexto, surge o simbolismo de Fidel. Como grande líder dessa revolução e como o homem que é capaz de, em conexão com seu povo, encontrar os caminhos para que essa aspiração de justiça, para que essa aspiração de soberania, pudesse verdadeiramente se materializar. Eu acredito que o simbolismo da Revolução Cubana, pela contundência de suas conquistas, é indubitavelmente o que marcou a conexão com esses povos, que não somente o [povo] cubano. Eu acredito que por aí se move essa história e inclusive é interessante como já são 60 anos do triunfo da Revolução Cubana e ainda o nome de Cuba segue representando, para muitas pessoas no mundo, a ideia de que há sonhos que podem ser verdade, que podem se materializar para além das dificuldades ou dos problemas, Cuba segue tendo uma carga simbólica tremenda para todos aqueles homens que aspiram – homens e mulheres, claro – que aspiram um mundo diferente e um mundo conectado com as mais arraigadas aspirações populares.
FIDEL: “E o que fazemos com a produção de armas nucleares, diante de um inimigo que tem milhares de armas nucleares? Entrar nesse jogo dos enfrentamentos nucleares? E nós possuímos “armas nucleares”, mas são nossas ideias! Nós possuímos “armas nucleares”, mas essas são a magnitude da justiça pela qual lutamos. Nós possuímos as “armas nucleares” da virtude, do poder invencível das armas morais. Por isso que nunca me ocorreu [ter armas nucleares]. O que me ocorreu foram “armas biológicas”, e para quê? As armas [biológicas] para combater a morte, para a combater a AIDS, as enfermidades, para combater o câncer. A isso é que dedicamos nossos recursos, apesar do banditismo desse – já não me lembro como se chama esse tipinho – que foi nomeado, não sei se algum de vocês se lembra, Bolton, Borton… sei lá, que está nada menos que secretário, representante dos EUA nas Nações Unidas! Um super mentiroso, descarado, que inventou que Cuba estava no centro da engenharia genética, investigando, para produzir armas biológicas. Também nos acusou de estar colaborando com o Irã, transferindo tecnologia. E o que estamos é construindo, entre Irã e Cuba, uma fábrica de produtos anticancerígenos! Isso é o que estamos fazendo e também querem nos proibir. Que vão para o diabo! Ou para onde queiram ir esses idiotas, que aqui não vão assustar ninguém”.
YADIRA: Em meio à pandemia de Covid-19 que já cobrou milhares de mortes em todo o mundo, os profissionais de saúde cubana que colaboraram com o controle da enfermidade em mais de 20 nações
tem sido os mais fiéis expoentes do ideal internacionalista de Fidel. Da Itália nos chegam essas reflexões que Cubavisión Internacional compartilhou em seus espaços nas redes sociais.
MICHELE CURTO (italiano): Para mim pareceu incrível quando vi aterrissar esse avião porque na verdade me dei conta que a história estava se acelerando. Foi extremamente emocionante e de imediato nos sentimos responsáveis, nós sabíamos que esse não era um ponto de chegada mas sim um ponto de partida. Encontrei um grupo de cubanos – porque muitas vezes lhes dizem “heróis” – mas eu diria um grupo de cubanos estelares. Eram jovens muito preparados, profissionais muito capazes, super comprometidos, que chegaram com uma tarefa clara e um compromisso muito forte. Colocaram em risco suas próprias vidas para lutar por minha cidade e pelo meu povo. Para mim esse é o resultado maduro da Revolução Cubana e dos ensinamentos do Comandante Fidel. Os médicos cubanos nos deram esperança, nos fizeram melhores, minha cidade é ainda mais linda depois do que aconteceu aqui. Porque isso é tão lindo, tão claro, que fica e ficará por muito tempo. Outro momento muito emocionante foi depois de três meses que estivemos fechados nesse hospital, sem ver a luz do sol, subimos todos juntos o Pico Fidel. O pico é uma conquista dos nossos jovens aqui de Turín. Porque, bem, quando faleceu o Comandante Fidel Castro, eles estenderam uma bandeira imensa na Torre aqui da cidade, que dizia “Hasta Siempre, Fidel”. E no aniversário de um ano [de sua morte], voltamos a subir ao Pico e o declaramos – graças aos apoio das prefeituras da região – esse pico oficialmente dedicado ao Comandante e que certamente será um dos primeiros. Mas ir aí com os médicos, para nós restou quase pacificado essa figura do ensinamento do Comandante com um dos resultados mais lindos, que são esses jovens tão preparados, de verdade que isso foi lindo. Hoje o que eu tenho claro e levo dessa experiência, é que quando se luta de verdade com compromisso, com convencimento e com unidade, se pode ganhar qualquer resultado. E de verdade, esses médicos demonstraram tanto aos médicos italianos, quanto a todos nós, que se pode. De verdade, sim, é possível. E sempre também com uma aposta muito clara, de que nós nascemos para apoiar Cuba e sua revolução e para derrubar o bloqueio norteamericano.
YADIRA: Em maio de 1985, durante 23 horas, Fidel e o Frei Dominicano de origem brasileira, Frei Betto, dialogaram sobre religião e temas contemporâneos. Dessa extensa conversa, nasceu o livro “Fidel e a religião” que foi publicado em mais de 20 idiomas. O intelectual brasileiro definiu Fidel como “um homem de transcendência histórica, não somente para América Latina, mas para todo o mundo”. Com exclusividade para “Enlace Cuba”, neste agosto de 2020, Frei Betto compartilha uma carta para seu amigo.
FREI BETTO: "Querido Fidel, neste dia do seu aniversário eu sinto muita saudade de nossas conversas. Sobretudo de sua inteligência luminosa para guiar-nos nessa nova conjuntura pandêmica. A vida e a história estão cheias de imprevistos. Com tantos atentados que a CIA preparou para te assassinar, quem poderia imaginar que você passaria ao outro lado da vida tranquilamente em sua cama, rodeado por pessoas queridas e honrado por seu amado povo cubano. Quem poderia imaginar que a União Soviética se desintegraria em 1991 sem disparar um único tiro. Quem poderia imaginar que os EUA teriam um presidente negro e a Igreja Católica um Papa argentino e progressista. Durante nossas conversas em sua casa, você me falou várias vezes da séria ameaça de uma guerra nuclear. Esse perigo segue vigente. Mas quem poderia imaginar que esse ano o mundo deixaria de girar devido a um vírus invisível conhecido como Covid-19. Nossa querida Cuba, Fidel, reagiu diante da pandemia com um esforço heroico que se somou às atitudes corretas do povo, dos profissionais de saúde e do governo. Em comparação com outros países, se perderam poucas vidas, graças às medidas adotadas e acatadas pela população. E no espírito internacionalista e solidário que sempre marcou a história da Revolução, enviaram brigadas de saúde para socorrer aos povos de dezenas de países. O vírus colocou em evidência, como nunca, as podres entranhas do capitalismo, a abismal desigualdade social, a suprema contradição entre um sistema que produz avanços tecnológicos admiráveis mas é incapaz de evitar que a humanidade se veja afetada por um simples vírus. Agradeço a Deus o dom de sua vida, Fidel. Aqui seguimos, com a responsabiliade de sermos fieis ao seu legado e dignos de seu exemplo de vida e de luta. Venceremos, Comandante! Fraternalmente, Frei Betto"
YADIRA: Voltamos com as palavras de Frei Betto, quando fala das entranhas do capitalismo. Um eixo central do pensamento de Fidel, é seu pensamento anticapitalista, anti-hegemônico.
Professor, o que você ressaltaria do discurso de Fidel, do seu pensamento especificamente anti-hegemônico, em meio a esses últimos acontecimentos que tem convulsionado o mundo nos últimos meses?
PROFESSOR: Fidel foi um pensador realmente anticapitalista,
que definiu o capitalismo como um sistema irracional, contrário aos melhores interesses da humanidade. E Fidel foi muito claro, tanto em sua projeção de pensamento como em sua prática, sobre a possibilidade de construir uma alternativa contra hegemônica em relação ao que é ditado pelo sistema capitalista mundial. Eu acho que esses alertas, essa defesa de Fidel de buscar um mecanismo, uma sociedade distinta do capitalismo, um mundo melhor que seria possível, segundo suas palavras, se tornou mais importante nos tempos atuais, em que o capitalismo demonstrou todos os elementos que o definem como um sistema injusto.
Estamos vivendo meses de pandemia onde vimos, de forma manifesta, que para o capitalismo, o capital, é muito mais importante a economia do que a vida das pessoas. E como um país como Cuba, que buscou e defendeu uma alternativa ao capitalismo e que prioriza a vida sobre a ganância econômica, logrou resultados de saúde muito mais apreciáveis. E eu acredito que fica claro nesse momento que o capitalismo é um sistema,
em mais de um sentido, fracassado sobretudo em sua versão neoliberal e como em circunstâncias verdadeiramente complexas, a lógica do capitalismo, que apenas busca a maximização da riqueza, e riqueza apenas para alguns poucos, não é a solução para os problemas. E Fidel disse isso claramente, ele construiu uma projeção política e desenvolveu
uma prática política que sem dúvida aspirava e defendia a possibilidade de construir um mundo diferente do capitalismo.
E eu acredito que esses alertas de Fidel, essas aspirações de Fidel estão perfeitamente vivas. E inclusive não somente com relação ao tema da Covid, que é uma conjuntura que, cedo ou tarde o mundo vai superar, mas, por exemplo, está também todo esse tema que tem a ver com os câmbios climáticos, que é um fenômeno muito mais estrutural e aí também Fidel nos disse: “o capitalismo não é o caminho, o capitalismo é o sistema que está levando a humanidade ao colapso. Portanto, eu acredito que as ideias de Fidel e o pensamento anticapitalista de Fidel segue sendo de meridiana importância no contexto que estamos vivendo e frente ao que há por vir.
YADIRA: #SomosContinuidad é uma hashtag constantemente usada nas redes sociais em Cuba e mesmo quando não a mencionam, está contido, contém o pensamento de Fidel. Eu gostaria de saber, professor, que ideais do seu legado você considera essenciais
para falar do futuro em Cuba.
PROFESSOR: Veja, falar de continuidade em Cuba implica, obrigatoriamente, se conectar com o legado de Fidel. E a continuidade, na minha opinião, com respeito à projeção histórica de Fidel, tem a ver com vários elementos fundamentais. Em primeiro lugar, a disposição permanente em não se render. Ou seja, a ideia de ser capaz de enfrentar as dificuldades mais tremendas e não se render, ancorando-se a um conjunto de valores, aspirações, a um projeto em que se tenha fé e se deposite esperança. Outro elemento de continuidade é a aposta em uma sociedade distinta do capitalismo, uma sociedade que é preciso aperfeiçoar continuamente, uma sociedade que precisa ainda encontrar plenamente sua definição, mas que está baseada no caminho, ou na consciência de que o caminho não é o que oferece o universo do capitalismo. Eu acredito que esse é outro elemento-chave no pensamento de Fidel que deve marcar a continuidade a que o povo cubano está dedicado. Outro elemento fundamental tem a ver com a inteligência que Fidel teve de entender que a mudança é imprescindível dentro de todo processo social. A ideia de que estar estático é o caminho claro em direção ao fracasso. É preciso mudar para adaptar-se aos contextos, para adaptar-se às novas circunstâncias, mas uma mudança que não implica em renunciar aos ideais, mas implica na capacidade de saber conectar-se com a especificidades dos contextos. E há outro elemento do legado de Fidel que eu creio que também é fundamental, e é sua posição anti-imperialista, vinculada com a defesa da soberania nacional. E à ideia de que um país como Cuba está obrigado, para poder encontrar um caminho claro em direção à prosperidade, está obrigado a manter uma posição de defesa de sua soberania e de não deixar que os destinos de cuba sejam regidos e definidos por uma potência estrangeira. Eu acho que esse é outro elemento do anti-imperialismo de Fidel que é chave para entender essa lógica de continuidade. Eu acredito que Fidel deve nos acompanhar, ao povo cubano, nos desafios do presente e do futuro, sempre lendo seu ideário de maneira crítica, ou seja, não é repetir Fidel, não é se calcar no que Fidel fez, é assumir o espírito de Fidel como uma espora, como uma ferramenta que nos ajuda a entender a realidade e a projetar nosso futuro dentro das complexas circunstâncias que nos cabe viver. Ou seja, a continuidade não é uma mera repetição mecânica. A continuidade é a conexão com um legado, é a conexão com um espírito que nos impulsa a mudar, mantendo sempre os ideais que assumimos como básicos desse projeto de sociedade que estamos construindo. Por aí vai minha ideia de continuidade, mudança, Fidel e seu legado.
YADIRA: Muito obrigada, Fabio por compartilhar conosco suas reflexões, precisamente sobre o líder da Revolução Cubana em ‘Enlace Cuba’.
PROFESSOR: Muito obrigado.
Como um intelectual revolucionário, o próprio Fidel gostava de diálogos com artistas e pensadores. Sob sua liderança indiscutível, Cuba vem sendo nas últimas décadas espaço de encontro e motivo de inspiração para intelectuais e criadores de todo o mundo.
Em junho de 1961, Fidel Castro se reuniu com um grupo de intelectuais na Biblioteca Nacional José Martí para debater temas cruciais dentro da vida cultural cubana. Durante três dias, os escritores e artistas analisaram junto com ele, os desafios que estavam por vir no campo cultural.
FIDEL: “Uma das metas e um dos propósitos fundamentais da revolução é desenvolver a arte e a cultura, precisamente para que a arte e a cultura cheguem a ser um verdadeiro patrimônio do povo”
Nascia aí [o livro] “Palavras aos intelectuais”, uma plataforma de ideias que transcendeu como pedra angular da política cultural da revolução, com uma visão democrática e inclusiva.
Sob a liderança de Fidel, se organizou a campanha de alfabetização, a primeira grande conquista cultural da revolução. E se criaram instituições que promoveram as artes e as letras, como o Instituto Cubano do Cinema, a Casa das Américas, a União de Escritores e Artistas de Cuba, o Sistema de Ensino Artístico e outras organizações que converteram ademais a Cuba, desde aqueles primeiros anos da revolução, em um farol para os pensadores, intelectuais e artistas da esquerda latino-americana. O livro deixou de ser um privilégio para se converter em um artigo de primeira necessidade.
MIGUEL BARNET: "Todo esse programa, tudo, foi iniciativa de Fidel. E um dos seus maiores legados, no momento mais difícil do 'período especial', quando quase chegamos ao fundo, a máxima com que Fidel encerrou um Conselho da União de Escritores e Artistas de Cuba, foi: "a cultura é o primeiro que precisamos salvar".
ABEL PRIETO: "Um dos maiores intelectuais, cubanos, latino-americanos e universais de todos os tempos. Um pensador, um homem que ademais escrevia como os deuses, escrevia como os deuses… e um leitor incansável, ele tinha uma relação tão… Fidel acreditava muito no papel transformador da cultura, acreditava muito nisso.. Porque a chave do que ele dizia, tem a ver com a famosa frase de José Martí, sobre liberdade e cultura: "ser culto é o único modo de ser livre". E Fidel o dizia de outra maneira: "sem cultura não há liberdade possível". O programa que ele criou, com Enrique Nuñes Rodriguez, com Miguel Barnet, com a própria Graciela, com os companheiros daquela equipe que estávamos aí na UNEAC [União de Escritores e Artistas Cubanos], Fidel criou um tipo de relação fraterna, ele se sentia muito cômodo se reunindo conosco, ele se sentia muito confortável, inclusive discutindo temas complexos conosco".
AMAURY PEREZ: "Não existe um homem na América Latina que possa chegar onde ele chegou. Ou seja, ele está nesse sentido.. tão heróico, tão Bolívar, tão Martí, onde está San Martín, é nesse lugar que Fidel está. E os anos apenas vão fazer com que isso se sustente e se sedimente ainda mais".
Artistas e pensadores de todas as gerações reconhecem em Fidel o líder, o intelectual, o homem que incansavelmente se dedicou a semear ideas, a semear consciência e que assumiu o desafio de articular um sistema original no continente, o da cultura em um processo revolucionário e de convertê-la em uma das grandes conquistas sociais de Cuba.

Tradução e legendas: Juliana Medeiros

Os historiadores e professores de História estão lutando pela derrubada do veto presidencial ao projeto que regulamenta a profissão de historiador. Para isso, a Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil), divulgou uma carta dirigida aos parlamentares buscando reunir votos para a derrubada do veto em sessão que ocorrerá amanhã, 23, ou nesta quarta-feira, como forma de pressão.
O veto é mais uma investida do governo Bolsonaro em busca de impor a sua versão em torno da história do Brasil, deturpando fatos inquestionáveis. A ANPUH ressalta que a regulamentação não proíbe qualquer pessoa de pesquisar, escrever, publicar ou manifestar opinião acerca de temas históricos, conforme ficou definido durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Confira a seguir a carta divulgada pela entidade.
Excelentíssimos(as) parlamentares do Congresso Nacional,
A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) vem por meio desta contatar Vossas Excelências para, respeitosamente, apresentar as necessárias informações que embasam o amplo movimento pela derrubada do veto ao Projeto de Lei do Senado no 368/2009 e o Substitutivo da Câmara no 3/2015, que tratam da regulamentação da profissão de historiador.
Breve trajetória pela Regulamentação da Profissão de Historiador
A primeira iniciativa no sentido de regulamentar a profissão do historiador data do ano de 1968, projeto arquivado pelo Regime Militar. A partir de 1983 outros projetos legislativos foram propostos, mas, somente em 2009 o PL no 368/2009 do Senador Paulo Paim foi aprovado no Senado Federal, acatado pela Câmara em 2015 com o Substitutivo no 3/2015. No dia 18 de fevereiro de 2020, o PL foi aprovado por unanimidade no Senado Federal, sendo, entretanto, vetado pelo Presidente Jair Bolsonaro no último dia do prazo regulamentar.
Quem é e o que faz um historiador?
Antes de tudo, acreditamos ser importante definirmos – muito brevemente – quem é e o que faz um historiador. Em termos técnicos, trata-se de um profissional que lida com questões e eventos passados, a partir de reflexões suscitadas pelo tempo presente. Em outras palavras, um historiador deve ser capaz de investigar, analisar e formular explicações acerca de fatos ocorridos em diferentes temporalidades, e em qualquer lugar onde já tenha existido a presença humana. Logo, historiadores buscam respostas para inquietações que definem desde nossa identidade até a formação de sistemas culturais, políticos e econômicos de modo geral.
Todavia, reunir fatos, organizá-los no tempo e no espaço e em seguida explicá-los, em resumo, atribuir sentido ao passado, constitui tarefa das mais complexas desde o seu ponto de partida. Afinal, quais acontecimentos são mais ou menos importantes? Quais as relações de causa e efeito entre um evento e outro? Quais personagens merecem destaque e por quê? Como se pode ver, a questão crucial aqui são as escolhas, e mais decisivamente a capacidade técnica e cientificamente conduzida de quem irá realizá-las.
Profissionalização e regulamentação
As inquietações supracitadas localizam-se no centro dos debates sobre a regulamentação da profissão de historiador. Contudo, é importante destacar que regulamentação e profissionalização, embora complementares, não se confundem. Em todo o mundo, instituições de ensino formam historiadores graduados e pós-graduados devidamente certificados por títulos acadêmicos. A regulamentação, por outro lado, diz respeito a quem pode atuar profissionalmente como historiador e sob quais condições. E é sobre este último aspecto que versa a matéria atualmente sob veto presidencial.
Desse modo, se a profissionalização de historiadores já existe, qual a necessidade de regulamentar a sua atuação? Não tardemos a resposta: para que o domínio do conhecimento técnico, metodológico e teórico necessário para exercer profissionalmente a função de historiador também seja legalmente reconhecida. Nesse sentido, é oportuno enfatizar que o PL 368/2009 passou por muitos debates ao longo de mais de uma década, envolvendo políticos, associações, pesquisadores e professores, resultando em importantes adequações que o tornaram o mais tecnicamente referendado possível. Tudo isso sem perder o horizonte de valorização do trabalho e do lugar social e científico ocupado pelos historiadores.
O que realmente propõem o PL no 368/2009 e o Substitutivo da Câmara no 3/2015?
Entre os ajustes realizados no projeto original, talvez o mais importante tenha sido quanto à crítica (atualmente superada) de que a regulamentação criaria uma espécie de “reserva de mercado”, o que impediria pessoas sem formação universitária em História de escrever ou ensinar história. Essa interpretação resultava do Art. 3o do PL 368/2009, segundo o qual o exercício da atividade de historiador seria “privativo” dos portadores de diplomas de graduação, mestrado e doutorado em História.
Após intensos e profícuos debates no Congresso e entre os interessados no projeto, a Câmara dos Deputados aprovou o Substitutivo no 3/2015, o qual modificou significativamente o Art. 3o do PL 368/2009. Ao invés de “privativo”, o Substitutivo no 3/2015 propõe que o exercício da atividade de historiador passaria a ser “assegurado” aos portadores de diploma de curso superior em História, mas não exclusivamente a estes. Desse modo, o Substitutivo no 3/2015 também acrescentou dois novos incisos ao Art. 3o do projeto original, assegurando o mesmo direito aos portadores de diploma de pós-graduação em outros cursos que tenham linha de pesquisa em História (inciso IV). O inciso V vai além, incluindo os “profissionais diplomados em outras áreas que tenham exercido, comprovadamente, há mais de 5 (cinco) anos, a profissão de Historiador, a contar da data da promulgação desta Lei” (inciso V). Em relação ao ensino de História, o Substitutivo no 3/2015 submete-se absoluta e integralmente ao que já estabelece a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Art. 4o do Substitutivo no 3/2015).
Sobre a constitucionalidade do Substitutivo da Câmara no 3/2015
Quanto às atribuições dos historiadores, é de suma importância destacar que o Substitutivo no 3/2015, aprovado por unanimidade pelo Senado Federal no último dia 18 de fevereiro de 2020, não restringe de forma alguma a “livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” de não historiadores, o que demonstra seu pleno acordo com as normas constitucionais vigentes. Em resumo, a regulamentação não proíbe qualquer pessoa de pesquisar, escrever, publicar ou manifestar opinião acerca de temas históricos.
Da mesma forma, o Substitutivo no 3/2015 não ofende o Art. 5º, XIII da Constituição brasileira, segundo o qual “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Nesse sentido, o Substitutivo no 3/2015 obedece e cumpre o que determina o disposto constitucional, uma vez que busca regulamentar por lei “as qualificações profissionais” necessárias a um historiador.
Esperamos que as informações aqui prestadas possam ter sido suficientemente esclarecedoras, acerca da nossa histórica luta a favor da regulamentação da profissão de historiador. Desejamos contar com o fundamental apoio de Vossas Excelências na reparação da injusta negação ao nosso digno direito, derrubando assim o veto presidencial PL no 368/2009 e o Substitutivo da Câmara no 3/2015, pelos motivos expostos.
A Associação Nacional de História agradece vossa atenção e permanecemos à disposição para o que for necessário.
Cordialmente,
Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil)
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