Por Ricardo Melo*
A mídia golpista festeja. FHC pede tolerância diante do capitão. Fernando Haddad e Guilherme Boulos aceitam o papel de vallets numa live pela “democracia”. Tudo isso porque Jair Bolsonaro baixou o tom ao sentir a água subindo acima do pescoço. Como se o problema do militar expulso do Exército fossem seus rompantes verbais.
Nada disso. Bolsonaro virou refém de seus crimes e de sua famiglia. A prisão de Fabricio Queiroz desferiu um golpe quase mortal nos planos do mito. Queiroz sabe de tudo e um pouco mais. Se abrir a boca, Bolsonaro “já era” de direito, como já é de fato.
À beira do precipício, Bolsonaro distribui afagos ao Judiciário e ao Legislativo. São tão sinceros quanto a negativa de assumir os croquis mostrando seus planos de explodir quartéis e uma adutora no Rio de Janeiro. Sua preocupação maior é barrar as investigações e o julgamento dele e sua famiglia no roubo de dinheiro público. Flavio Bolsonaro é um criminoso exposto à luz do sol. Basta examinar seus recursos quanto ao inquérito das rachadinhas. Seus advogados nunca discutem o mérito; apenas filigranas judiciais.
Para isso contam com a complacência pérfida da “Justiça”. O desembargador carioca que decidiu o voto a favor da postergação do inquérito das rachadinhas é velho amigo da nova advogada do filho que é igual ao pai. No Superior Tribunal de Justiça, o presidente em exercício está acostumado a “matar no peito” as denúncias contra o presidente genocida. 85% de suas decisões têm sido favoráveis ao clã de milicianos.
A operação em curso, porém, envolve mais coisa. Depois de fulminar a aposentadoria e os direitos trabalhistas, na surdina das “sessões virtuais”, o Senado há pouco aprovou a proposta de privatizar a água. Pra variar, o bolsoguedismo está pouco se lixando para os interesses do povo, desde que encha os bolsos do capital financeiro. Tentou passar a boiada da previdência privada. Não conseguiu (ainda). Mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Furou. Em poucas palavras: se o monstrengo for sancionado, só terá direito a água e saneamento quem puder satisfazer a ganância dos tubarões. Como sempre, o bolsoguedismo vai na contramão do que ocorre no mundo civilizado. É o que nos informa o noticiário. “Nos últimos 15 anos, houve pelo menos 180 casos de reestatizações em 35 países, como Alemanha, Argentina, Hungria, Bolívia, Moçambique e França. Em contraposição, neste mesmo período, muitos poucos casos de privatizações de água ocorreram. Este fenômeno de reestatizações vem se mostrando como uma tendência mundial. O número de reestatizações nas cidades duplicou nos últimos cinco anos, o que demonstra a aceleração desta tendência.”
A essa altura, nem precisa se estender sobre o MEC. A cada dia, o terceiro ministro nomeado é pilhado em mentiras. O militar da reserva ( mais um) dizia que fez doutorado. Foi desmentido na lata pelo reitor da universidade argentina onde se gabava de ter conquistado o diploma. Sua tese de mestrado também subiu ao telhado pela denúncia de plágio escancarado. Pior: foi sob sua gestão no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que aconteceu uma licitação de R$ 3 bilhões (já cancelada) para comprar computadores para as escolas públicas. Em algumas delas, por exemplo, cada aluno receberia cerca de…100 computadores por cabeça.
O novo ministro correu para editar o currículo. Emenda pior que o soneto. No currículo lattes, agora admite nas entrelinhas que não tem o diploma de doutor. Mas não fala nada sobre o fato de que foi reprovado em três bancas diferentes. Tampouco explica como um não-doutor pode ser pós-doutorado numa universidade alemã. Sobre a licitação bilionária, tudo é silêncio. Abafa o caso.
Não, não há saída enquanto Bolsonaro e sua gangue de milicianos permanecerem no poder. O Brasil continuará contabilizando milhares de mortos a cada dia, desempregados sem proteção e gente vivendo do nada e ainda menos. Só FHC mesmo para dizer que é preciso tolerar o militar genocida por mais dois anos.
A pandemia limita a resposta do povo. Entre se aglomerar em manifestações e resguardar a vida, a maioria defende seu direito de viver. Mais do que justo. Mas a hora de ajustar as contas está cada vez mais perto. Com ou sem pandemia.
*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.
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