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Base de proteção da Funai a índios isolados

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do site Amazônia Real                                              

 

 

 | 23/12/2018 às 16:58

 

Base de proteção da Funai a índios isolados no Vale do Javari, no Amazonas, é atacada a tiros por invasores

 

Maloca dos índios Korubo (Foto: Heriverton Vargas/Funai/2016)

A Base Ituí-Itacoaí, uma das três bases de proteção de índios isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai) na Terra Indígena Vale do Javari, localizada no município de Atalaia do Norte, na fronteira do Amazonas com o Peru, foi atacada a tiros por invasores na madrugada deste sábado (22), por volta de 3h. A área onde está localizada a base é onde vivem os indígenas isolados Korubo. A suspeita da Polícia Militar é de que os invasores sejam pescadores e caçadores ilegais do Alto Solimões. O território é farto de espécies como pirarucu e diferentes tipos de quelônios, sobretudo tracajá. Ituí e Itacoaí são afluentes do rio Javari.

Em nota oficial, o 8º Batalhão do Policial Militar de Tabatinga (Alto Solimões), disse que a guarnição policial que está dando apoio à Funai na fiscalização que acontece neste mês na região foi “acionada para averiguar presença de invasores na área indígena” e que “os invasores, ao perceberem a movimentação no flutuante da Funai, iniciaram um intenso tiroteio contra funcionários e guarnição da polícia militar que se preparavam para abordagem”. Os invasores, segundo a PM, estavam na outra margem do rio e atiraram contra a base, sendo revidados pelos policiais. O 8º BPM é o responsável pela coordenação das ações policiais na TI Vale do Javari.

Conforme a nota do 8º BPM, “foi feito acompanhamento da embarcação invasora e ocorreu novamente um intenso confronto com a Polícia Militar, sendo avistada uma segunda embarcação de infratores”. Segundo o Comando, “as armas utilizadas pelos infratores seriam espingarda, revólveres e pistolas e que estes estariam com uma grande quantidade de munição, pois continuavam de forma intensa a investida contra a guarnição policial militar”. Uma embarcação da Funai foi atingida por projéteis de arma de fogo. Os servidores da Funai, os policiais e os indígenas não ficaram feridos, segundo o comandante.

A Polícia Militar de Tabatinga disse também que devido ao horário e à baixa visibilidade causada pela chuva, o acompanhamento dos invasores foi feito através do barulho do motor das embarcações, mas eles fugiram pela mata antes de uma nova abordagem policial.

Cartuchos encontrados após ataque contra base da Funai no rio Ituí, no Vale do Javari (Foto: Divulgação/PM)

Em entrevista à Amazônia Real neste domingo (23), o comandante do 8º BBM, Major Herlon Gomes, disse que desde o início deste mês uma guarnição formada por quatro policiais militares está na região dando apoio aos servidores da Funai em operações de fiscalização.

Ele disse que ficou surpreso com o ataque dos invasores à base da Funai. Para ele, a atitude dos invasores foi incomum.

“Já tivemos outros casos [de confronto com armas], mas durante as fiscalizações nos encontros dos rios. Isso já aconteceu no rio Jandiatuba, em São Paulo de Olivença [município vizinho de Atalaia do Norte], e em operações em Tabatinga. Mas com essa gravidade, de um ataque a uma balsa da base, essa foi a primeira vez”, disse o comandante à Amazônia Real. O rio Jandiatuba também é área da Terra Indígena Vale do Javari, onde vivem grupos isolados, entre eles os chamados Flecheiros.

 

Comandante diz que policiais precisam permanecer

Para o Major Herlon Gomes, os invasores foram “ousados” e pretendiam atingir os próprios servidores da Funai e os indígenas que trabalham na base, entre eles os Matís. A base também tem a presença de alguns índios Korubo do grupo contatado em 1996. No local também fica a embarcação de uma equipe de profissionais de saúde que atendem os indígenas do Vale do Javari.

“Eles só não conseguiram porque havia policiais no local. Acho que eles não imaginavam que havia uma guarnição na base fazendo a segurança dos funcionários da Funai. Ou pode ter sido outra situação, de eles estarem incomodados com a presença de policiais”, disse o major.

Segundo o comandante, a saída dos policiais da base está prevista para esta semana, mas ele pretende solicitar da Funai que haja uma imediata troca de guarnição para que o local não fique desprotegido.

“Não estava prevista nenhuma substituição agora. Apenas em janeiro. Nesta segunda-feira (24) queremos fazer uma reunião com o chefe da missão [da Funai]. A Funai disse que não podia substituir por contenção de gasto, mas a gente vai alegar que é necessário continuar policiais. Eles têm que reorganizar a questão financeira, porque a base não pode ficar sem policiais”, afirmou o major.

Amazônia Real procurou a Coordenação Regional da Funai do Vale do Javari, mas não obteve informações sobre o assunto. Também procurou a presidência da Funai através da assessoria de comunicação e também não recebeu retorno. Assim que o órgão se pronunciar a respeito as informações serão atualizadas nesta matéria.

 

Rio Itacoaí na região da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

 

Área dos índios Korubo

A Base de Proteção Ituí-Itacoaí é coordenada pela Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. A região, segundo Paulo Marubo, presidente da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), é área dos índios Korubo, tanto o grupo contatado em 1996 quanto os que permanecem isolados (a maioria).

Paulo Marubo mostra-se preocupado com o aumento de invasores na região do Vale do Javari. Ele afirma que desde que as notícias sobre a política indigenista do presidente eleito Jair Bolsonaro começaram a circular, os invasores se sentiram à vontade para entrar na terra indígena.

“O que a gente tem ouvido aqui em Atalaia do Norte das conversas em comércios, nas praças, nas ruas, é que agora a Funai vai acabar. É assim que eles dizem. Eles afirmam que o novo presidente deu aval para invasores, que a Funai vai ser extinta. Isso que eles ficam argumentando. Todo esse discurso do presidente fragiliza os indígenas e a situação dos isolados fica mais preocupante”, afirmou Paulo Marubo.

Ele contou que, no início deste mês, em viagem ao rio Branco, afluente do rio Itacoaí, viu um barco de invasores dentro de um lago, mas evitou abordá-los por receio de ataque. “Eles estão sempre armados. Não quis me arriscar”, disse.

Para a liderança indígena, o ataque à base Ituí-Itacoaí indica que a ação dos invasores pode ser repetida em outras bases da Funai e em outras áreas indígenas e que, devido à dimensão da Terra Indígena Vale do Javari, vai ser difícil ter informações sobre essas ações.

“Esses caras [invasores] botaram para matar. Estão mais armados. Talvez vai acontecer de novo e ninguém vai ficar sabendo. Ou então vão dizer que não aconteceu”, afirmou Marubo.

Paulo Marubo, presidente da Univaja (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

A Terra Indígena Vale do Javari é a segunda maior do país, atrás apenas da Terra Indígena Yanomami. Ela tem uma área de 8.544 mil hectares e é uma das mais preservadas do país. O território é atravessado por vários rios, entre eles Itacoaí, Ituí, Curuçá, Quixito, afluentes do rio Javari, além dos rios Jutaí e Jandiatuba.

É também onde se concentra as maiores referências de grupos de índios isolados, entre eles os Korubo e os  Flecheiros. Os povos contatados são Kanamari, Mayoruna, Marubo e Kulina, e um pequeno grupo de recente contato, Tsohom Dyapá. A população estimada é de 5 mil indígenas falantes dos troncos linguísticos Pano e Katukina, um número que não inclui os índios isolados.

O território, conforme relatos de lideranças indígenas, é constantemente invadido por pescadores e caçadores ilegais. Também é alvo de de garimpo ilegal, como acontece no rio Jandiatuba. Em 2017, houve relatos de que garimpeiros teriam matado um grupo de isolados Flecheiros. O ataque não foi confirmado pela Funai e o Ministério Público Federal em Tabatinga arquivou o inquérito da investigação do caso, apesar de até hoje indígenas afirmarem que as mortes ocorreram.

Nos últimos anos, os constantes cortes do governo federal no orçamento da Funai têm tornado ainda mais vulnerável a sobrevivência dos índios isolados. Em 2016, o governo de Michel Temer bloqueou R$ 1,2 milhão da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, ameaçando inclusive o fechamento de algumas Frentes de Proteção Etnoambiental.

Com a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência, as ameaças aos seus territórios estão deixando os indígenas apreensivos. O presidente eleito declarou várias vezes que não pretende fazer novas demarcações e tem defendido uma política integracionista dos indígenas, incluindo atividades econômicas que visam o lucro dentro de suas terras.

Justiça Federal determinou que Funai reestruture Frentes

Na última sexta-feira (21), o Ministério Público Federal no Amazonas informou que a Justiça Federal determinou que a Funai reestruture as bases de proteção dos índios isolados no Amazonas e contrate mais funcionários para as Frentes de Proteção Etnoambiental no Estado. A decisão pede que a Funai apresente um cronograma de atuação por parte da Funai em um prazo de 90 dias.

No Amazonas, conforme diz o MPF, existem seis Frentes: Cuminapanema, Madeira-Purus, Madeirinha-Juruena, Vale do Javari, Waimiri-Atroari e Yanomami Ye’Kuana. “As unidades possuem atualmente 42 servidores, quando, conforme a própria Funai, seriam necessários, no mínimo, 96 servidores, além de funcionários terceirizados”, diz nota do MPF.

A decisão judicial também proibiu o contingenciamento, por parte da União, de rubricas orçamentárias da Funai em geral e da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, destinadas ao mínimo necessário à atuação no âmbito da política de proteção a índios isolados e de recente contato, considerando o risco concreto que a omissão nessa área representa.

“O risco de desaparecimento da história, tradição e ancestralidade dos povos indígenas isolados compromete a identidade e a memória do Brasil, fixando no seu povo a ideia subdesenvolvida de que os povos indígenas não merecem dignidade e respeito”, afirma um trecho da decisão.

 

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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