Se há algo que se pode dizer sobre Maurício Macri é que ele não desperdiça tempo. As primeiras semanas de seu mandato foram marcadas por políticas radicalmente opostas a sua antecessora, Cristina Kirchner, tanto no nível econômico quanto no social. Em menos de três meses, o novo governo já acabou com o controle cambial, reduziu taxas e cotas para exportação, elevou à taxa de juros e fez cortes na folha de pagamento do Estado. Este último representa milhares de funcionários públicos sem emprego. “O que está havendo é uma mudança brutal. A partir de 10 de Dezembro, há uma concepção muito diferente do papel do governo. Ele reivindica um enxugamento do Estado, que se traduz em uma enorme quantidade de demissões, que até hoje chegam a 25 mil e há mais 25 mil previstas para os próximos meses”, explica a pesquisadora formada na Universidade de Columbia, nos EUA, e professora na Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO), Victoria Basualdo.
Apesar do número de exonerados do cargo crescer a cada semana, esta posição não ficou sem resposta. Na última sexta-feira, foram organizadas diversas manifestações e eventos em diferentes pontos da Argentina, onde os despedidos, ativistas e a população como um todo protestaram contra as dispensas arbitrárias e injustas. Ocorreram pelo menos 14 manifestações, 11 na província de Buenos Aires, 2 no Mar de La Plata e uma no Uruguai, no distrito de La Rocha. Somente em um ponto de protesto, bem na frente do Congresso argentino, os organizadores acreditam que cerca de 2.000 pessoas participaram.
O evento foi chamado de 29Ñ, em referência a um tipo de massa italiana, o nhoque. Na Argentina, o nhoque é tradicionalmente preparado no dia 29 de cada mês. Deste costume, se derivou um apelido pejorativo a funcionários que não comparecem ao local de trabalho, exceto para receber seus salários no fim do mês: os “ñoques”. Este estereótipo do empregado ausente é utilizado para justificar as demissões em massa que, supostamente, apenas eliminam quem pesa no orçamento, mas não trabalha.
Para contrariar este discurso, os argentinos literalmente “botaram a mão na massa”. “O governo de Macri se apropriou desta ideia (o ñoque) do imaginário popular argentino como uma desculpa para fazer demissões massivas, nós faremos o mesmo” explica Mariele Scafati, da Acción Emergente, um dos coletivos que organizou os protestos. “Organizamos uma ação de fazer e comer nhoques no espaço público como forma de protesto”. Na última sexta-feira, dia 29, montaram uma cozinha popular onde se preparava nhoques junto com os passantes na rua, distribuindo-se pratos e denunciando, a partir da ironia, a arbitrariedade das demissões.
Também foram organizadas mesas de debates, apresentações de músicos e artistas, além de se montar um espaço onde os despedidos poderiam falar a população, explicando as funções e as atividades que exerciam antes de serem exonerados. Entre eles, está a jornalista Milva Benitos que, desde 2013, trabalhava na agência de notícias estatal Infojus. Ela foi uma dos 10 profissionais demitidos em uma equipe de 40 pessoas – o que representa um corte de um quarto da força de trabalho. Trabalhava 8 horas de segunda a sexta, no entanto, isto não a impediu de perder o emprego no dia 25. “Nós perguntamos por que fomos demitidos? O telegrama oficial afirmava que não havia uma causa, de qualquer forma exigimos uma explicação. Pablo Flagra, assessor do ministro de Justiça simplesmente disse que foi uma decisão política.”, conta a jornalista.
“É arrasador. As pessoas chegam a seu trabalho e há um cerco policial ao redor dos prédios. Eles têm uma lista que define quem pode entrar ou não para trabalhar” diz Mariele Scafati, da Acción Emergente. Os trabalhadores também se sentem intimidados. Eles temem que qualquer publicação crítica nas redes sociais ou um passado em movimentos de oposição ao atual regime seja suficiente para enquadrar o servidor como ñoque e justificar sua demissão. O que também serve para inviabilizar manifestações pelos direitos trabalhistas e por um serviço público mais eficiente.
No dia 07 de Janeiro, a vicepresidenta do país, Gabiela Michetti, encerrou o contrato de 2.035 funcionários públicos do Senado argentino, além de 600 trabalhadores no Centro Cultural Kirchner. Dentre estes, está José Maria Costantini. “Nos expulsaram do trabalho sem perguntar quem éramos ou o que fazíamos, simplesmente nos consideravam ñoques”. José elaborava políticas públicas para pessoas com deficiência, trabalhando por sete horas diárias. Ele explicava que suas funções era entrar em contato com pessoas com deficiência e, com base no que avaliava, elaborava propostas de políticas que ajudassem suas necessidades.
Sofrendo de paralisia infantil, sua posição devia ser garantida pela Legislação de Inclusão Laboral para Trabalhadores com Deficiência, que reserva pelo menos 4% dos cargos públicos para pessoas com deficiência. No entanto, ignorando totalmente a lei, ele e mais 49 colegas perderam seus empregos pela “decisão política” do governo Macri.
Estes cinquenta conseguiram fazer valer seus direitos e foram reincorporados. Apesar de recuperar seu cargo, José Costantini não se sente tranquilizado. Para ele, a experiência serviu como aviso de que o emprego de ninguém está a salvo e, é perfeitamente possível que ele ou outros trabalhadores serão cortados novamente. “Nossa preocupação é que há muitos outros companheiros nesta situação. Estou aqui (no 29Ñ) para prevenir novas demissões de pessoas com deficiência.”
A vice presidenta justificou as demissões no twitter, afirmando que “a quantidade de empregados do Estado é injustificada” e argumentando que não teria caixa para pagar seus salários. Os últimos dados oficiais para argentina, apontavam um desemprego de 6 por cento e uma inflação de 14 por cento antes da ascensão do novo presidente, enquanto medições privadas apontavam uma inflação de mais de 25 por cento. Foi organizado um site na web para acompanhar o número de demissões desde a chegada de Macri ao poder, El Despidometro. Até a publicação desta reportagem, 25.022 pessoas perderam seus empregos no Estado Argentino. A expectativa é que, nos próximos meses esse número poderá chegar a 60 mil pessoas.
Uma resposta
Simples, haverá uma queda forte na qualidade de vida da população, pois estes funcionários atendem os pobres, que são quem precisa do Estado. Rico não precisa de serviços públicos, só quer meter a mão no dinheiro do governo, grana alta, para ficar mais rico ainda.