Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno
Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.
Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.
A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.
Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!
No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.
O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.
Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.
No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.
No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.
Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.
Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.
Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…
A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.
O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.
Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.
Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.
Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.
Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.
Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.
Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.
A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.
Samuel Marcos da Silva
30/09/18 at 21:47
Texto corrigido. Obrigado, leitores!
A grande mídia está desorientada
A grande mídia está desorientada. E é fácil perceber isso. Primeiro não sabe o que fazer com Bolsonaro. Segundo porque não sabe como impedir a volta do PT. Terceiro porque não sabe como impedir a influência das redes sociais na disputa.
Bolsonaro virou o elefante na sala da grande mídia, que não consegue se posicionar a favor do capitão e, com isso, traçar um plano para elegê-lo, nem se posicionar contra, para tirá-lo da disputa. A grande mídia flerta com Bolsonaro, assim como este flerta com a ditadura e com um sistema de governo extremamente autoritário. E então fica o impasse: se apoiar, vai de encontro aos valores democráticos que a grande mídia diz ser defensora; se não apoiar, core o risco de ver o PT voltar ao poder e, dessa vez, tornar-se um verdadeiro inimigo dos abusos cotidianamente cometidos pelos grandes meios de comunicação.
Haddad surpreendeu até mesmo seus partidários, ao herdar significativa parte dos votos que seriam de Lula. E a grande mídia não esperava por isso. Esperava que Alckimin subisse nas pesquisas e polarizasse a disputa com Bolsonaro. Como só o Alckmin não vê, ele não irá para o segundo turno. E agora Haddad, que nunca foi muito querido, nem pelo próprio PT, nem pela grande mídia, postou-se não como um poste, mas como um candidato que pode levar, sim, o PT à vitória no segundo turno. E a grande mídia não sabe o que fazer pra impedir o crescimento do PT, já que tudo que podia sujar a imagem do PT já foi feito, e mesmo assim Lula continuou com um capital político nunca antes visto neste país.
Por fim, as redes sociais se mostraram mais influentes do que a grande mídia esperava. A Folha tem o UOL, a Globo tem o G1, a Record tem o R7, e outros grandes grupos têm seus correspondentes na internet. Mas o tráfego quase insano de opiniões e manifestações diversas no Facebook, no Twitter e no Instagram propiciaram uma incrível campanha, realizada em apenas três semanas, e deram, aos eleitores, um novo e ainda desconhecido poder para influenciar outras pessoas, sem que a grande mídia fizesse parte do elenco principal. A grande mídia se tornou coadjuvante. Tanto que as grandes redes de TV trataram de forma periférica as maiores manifestações populares desde 2016, realizadas ontem, 29.09.2018, com o #elenão. Mostraram as manifestações de quinhentas pessoas como se fossem iguais às de cinco mil pessoas. Poucos ângulos, nada de informar antes a agenda e os locais das manifestações, tanto contra quanto pró-Bolsonaro. Simplesmente perdida ficou a grande mídia diante do #elenão! Esse movimento colocou a grande mídia no chinelo, mostrando que um novo poder foi dado, agora sem qualquer dúvida, à sociedade, aos cidadãos, aos eleitores. Basta lembrar que a força eleitoral de Bolsonaro se concentra muito nas redes sociais. O PT também é forte nessa seara, além da herança deixada por Lula para os mais pobres. Alckmin não decolou, apesar de vasto tempo de TV e da base partidária. Meirelles gastou mais de quarenta e cinco milhões de reais, e não saiu de 1%. Há algo novo no horizonte da construção de campanhas eleitorais. E nem a grande mídia, com tantos comentaristas talentosos e humanamente parciais em suas avaliações, nem a Academia, nem os próprios eleitores conseguem descrever com precisa racionalidade o que é esse novo e como lidar com ele. Sabe-se, apenas, que não tem nada a ver com o Amoêdo, do Novo.
Evaldo Lima
01/10/18 at 10:13
Vinicius Souza, parabéns!
Você falou tudo! Muitas pessoas deveriam ler essa matéria. Estou começando a ler o livro “A Elite do Atraso”, de Jessé Souza, e o livro tem certa relação com o que você comentou. Também recomendo o livro. Vamos em frente pessoal. Mantendo o diálogo e, acima de tudo, o respeito.
Boa semana!
Evaldo Lima
02/10/18 at 8:19
Samuel,
Muito bom o seu texto. Concordo plenamente com o mesmo. Como precisamos de reflexões lúcidas como essa a respeito do que está acontecendo no Brasil.
Como seria bom se a população tivesse acesso a informações do que realmente ocorre em nosso País. Não as informações truncadas e parciais que a grande mídia traz todos os dias para os nossos lares. Um dos problemas do Brasil é a mídia tradicional, formada por grandes conglomerados, que com o objetivo de manter os seus interesses e de seus amigos coloca-nos em xeque.
Abraço!