A escola virou campo de batalha: PM e diretor atacam estudantes

Estudantes reunidos em frente a escola Frederico Barros Brotero, um dia após violência policial Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

Por Cecília Bacha e Lucas Martins

Na noite da última quinta-feira, 04/03, a escola Escola Estadual Frederico Barros Brotero, em Guarulhos viveu uma noite de terror. Nas imagens gravadas por estudantes no pátio interno da escola, é possível ver que um PM empurra uma adolescente primeiro com a mão e depois com a ponta da sua arma. O vídeo publicado primeiro pelos Jornalistas Livres viralizou na internet.

Marcas no corpo da estudante que sofreu agressão de PM dentro da escola

Tudo começou quando os alunos da escola resolveram marcar uma manifestação para protestar contra o diretor José Maria Stanzani.  Além da jovem ameaçada com a arma, outros dois menores de idade foram apreendidos durante o ato e passaram a noite de quinta-feira presos, acusados de ameaçarem o diretor. Eles foram liberados no final da tarde da sexta-feira, 5. Os Jornalistas Livres acompanharam o momento da soltura e a volta dos alunos a escola.

Os alunos tinham convocado o ato para durar durante todo a quinta. Ao chegarem para o turno da noite o diretor já havia solicitado a presença da PM e carros da polícia estavam na porta da escola.

O Boletim de Ocorrência registrado pela apreensão dos dois jovens confirma que a polícia tinha sido convocada “por solicitação do Diretor da Escola”, no BO o protesto é caracterizado como um “tumulto generalizado”. Na descrição da ação policial está registrado que “conforme afirmaram os Policiais, eles empregaram força moderada, por se tratarem de dde muitos adolescentes” e confirma que o próprio diretor “veio a apontar os ora adolescentes infratores”.

“A gente entrou todo mundo na escola e estavam todos os alunos no pátio protestando, falando ‘abre portão, abre portão. fecha portão’, os gritos de guerra. todo mundo mostrando o celular. ainda são sete horas. O diretor passou pelo pátio, entrou na secretaria fazendo joinha, rindo. Saiu fez joinha e fechou o portão [externo]. Depois, quando ele mandou abrir o portão, desceram três policiais militares e a gente deu uma recuada. Aí eles pegaram um aluno e enquadraram. Aí a gente foi pra cima, falou ‘não, solta o menino’, foi quando aprenderam o menino. três policiais tiraram o menino pela força, menor de idade. Dá pra ver, muito nítido na imagem que o diretor pega aponta pro menino, cochicha com o policial e logo em seguida eles pegam ele. Aí a menina foi falar para o diretor ‘você não tem o direito de deixar isso acontecer, ele é menor’ foi quando o policial empurrou a menina” conta a estudante Sophia Rios, 17 anos.

O estudante Raul protesta pela liberdade do colega preso
Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

Segundo Sophia, a insatisfação dos alunos com o diretor começou no início deste ano letivo quando José Maria assumiu o cargo e implementou uma política de “tolerância zero” com o fechamento dos portões.

“A gente sempre teve um regime de tolerância de dez minutos e sempre funcionou muito bem, porque os alunos vinham do trabalho, mas atrasavam cinco, dois minutos, coisa básica. E esse diretor acabou tirando esses dez minutos de tolerância. Ou você entrava às sete horas em ponto ou não entrava mais. E o que acontece? Muitas pessoas trabalham pra sustentar a casa, muitos de nós não têm essa condição de se dar ao luxo de trabalhar só por diversão. A gente tem que ter essa tolerância, não porque a gente quer ‘vagabundar ou fazer vadiagem. Não, a gente precisa porque a gente trabalha para manter a nossa casa, para ajudar nossos pais.”

Os alunos contam que logo na primeira reunião de pais a nova diretriz foi passada. Nenhum atraso seria tolerado. Eles reclamam ainda que o sinal da escola está adiantado pelo menos três minutos, precipitando o fechamento da escola para os alunos do período noturno. Uma vez atrasados, independente do tempo que for, eles não podem entrar na escola no dia do atraso.

Além da nova política de horários o diretor tornou constante a presença da polícia na entrada da escola. A estudante Karine, de 15 anos, conta que “isso começou muito frequente esse ano. O ano inteiro, todos os dias, são várias viaturas passando, rondas pela praça e pela escola.”

A E.E Frederico Barros Brotero, que fica na região central da cidade, é uma escola modelo em Guarulhos. Muitos pais transferem os filhos de outras escolas para a Frederico buscando proporcionar um melhor ambiente escolar, como é o caso da Roseli, mãe da Juliana, que

“devido a qualidade do Brotero eu trouxe ela pra cá. Por causa do ensino, professores. A referência aqui em Guarulhos que é a escola.Trouxe ela no ano passado. [Mas] devido ao ocorrido de ontem eu me senti completamente insegura agora. não pelo fato dos alunos terem feito esse motim, que eu falo, esse manifesto, essa manifestação. Sim pela insegurança dos alunos dentro da escola por causa da própria direção, da própria escola que deveria estar dando segurança para eles, dentro da escola chamar a polícia para dentro da escola.”

A confiança no trabalho realizado pelos educadores da escola é recorrente entre pais e alunos da Frederico. É o caso também de Eliane de Gouveia, mãe do João Vitor, 17, um dos rapazes detidos durante o protesto. Ela diz que inicialmente concordou com a medida do diretor “que queria colocar ordem na escola”. Segundo ela, de seis anos para cá, quando seu filho entrou na escola, a escola vem perdendo qualidade. “O problema foi justamente essa falta de tolerância do diretor. Nenhuma mudança pode ser feita assim da noite para o dia”, explica.

Estudantes reunidos em frente a escola Frederico Barros Brotero, um dia após violência policial Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

A manifestação a que Roseli se refere é a convocada pelos alunos para acontecer durante toda a quinta-feira passada e pressionar a diretoria a voltar atrás na decisão de retirar a tolerância de 10 minutos para os retardatários. Foi durante ela que aconteceram as cenas de barbaridade realizadas pela Polícia Militar do estado de São Paulo. Os alunos, que já tentavam dialogar com o diretor desde o começo do ano, chegaram ao limite na quarta-feira passada, 03/03.

O aluno Raul Martins, 18 anos, explica “um dia antes do protesto [o protesto ocorreu na quinta, então na quarta-feira] eu tinha vindo para escola, não posso andar muito rápido porque eu acabei de ter uma lesão no tornozelo por conta do esporte que pratico, então eu cheguei na escola eram 18:58. Eu me deparei com viaturas na porta da escola e quando eu desci para tentar entrar na escola o portão estava fechado e o diretor falou assim para a gente ‘vocês me dão um minutinho só que eu vou organizar aqui dentro e vocês já entram’, só que nisso ele deu voz para os policiais [que estavam na frente da escola] nos abordarem. Várias vezes os policiais falaram ‘eu to deixando de fazer o meu trabalho, que é pegar bandido porque estou recebendo reclamação do diretor da escola desse bando de maconheiro vagabundo que nao quer entrar para a escola. Sendo que nisso eu tinha chego antes do horário do fechamento.”

A abordagem foi presenciada por outros estudantes que de dentro da escola tentaram conversar com o diretor “no dia que aconteceu esse enquadro [quarta-feira, 03/03] os alunos que estavam lá dentro ficaram sabendo do enquadro e começaram a perguntar para as tias e para o diretor. O diretor não falou com nenhum aluno. Pais bateram na porta da escola e ele nao abriu para os pais. Ele saiu para fora e não deixou os pais entrarem.” contou Karine.

Raul conta que a abordagem seguiu o padrão da PM “violência verbal e violência física” e que durante a revista, que ocorreu na entrada da escola, Raul afirma que um dos policiais “falou que iria deixar todos nós de cueca e iríamos embora de cueca. Só não aconteceu isso porque as tias intervieram, as inspetoras da escola” e completa “eu não gosto disso, de sair de casa pra entrar pra escola e acabar levando enquadro na porta da escola. Levar tapa na cara encostado no portão da escola.”

Segundo o site G1 o governo de João Doria (PSDB) declarou em nota para o veículo que  o policial militar que empurrou a estudante com uma arma foi “foi afastado”.

Os dois menores detidos dentro da escola passaram quase 24h na Vara da Infância e da Juventude em Guarulhos. Do lado de fora, dezenas de estudantes faziam vigília até o momento da soltura. O movimento era acompanhado por algumas mães. Após a liberação os alunos caminharam cerca de 20 minutos pelas ruas do Centro de Guarulho até a escola onde os dois alunos foram recebidos como heróis pelos colegas.

Assista no vídeo a ação da policia dentro da escola e a comemoração pela liberdade dos estudantes, nesta última sexta-feira: 

 

 

 

 

 

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