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A educação é um dos serviços mais lucrativos, afirma Gaudêncio Frigotto

Em entrevista à Página do MST, o professor da UERJ fala sobre o crescente processo de mercantilização da educação no Brasil

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Em entrevista à Página do MST, o professor da UERJ fala sobre o crescente processo de mercantilização da educação no Brasil e sobre o projeto de educação a ser defendido para o país.

 

Durante os dias 21 a 25 de setembro, cerca de 1200 educadores e educadoras do campo se reunirão no município de Luziânia, em Goiás, para o 2° Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (Enera).

O encontro tem como objetivo debater o atual momento da educação pública brasileira, cada vez mais submetida a uma lógica mercantilizada ditada por grandes grupos financeiros.

Em entrevista à Página do MST, o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Gaudêncio Frigotto, fala sobre o crescente processo de mercantilização da educação no Brasil e sobre o projeto de educação a ser defendido para o país.

Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ, vivemos num período de crise em que o capital não se contenta em apenas ganhar dinheiro fácil com a educação, mas necessita enquadrar professores e alunos na lógica da mercadoria.

Diante deste cenário, Frigotto ressalta que o Estado está domado por dentro pelo interesse do mercado, especialmente o setor financeiro, e que o projeto de educação a ser defendido é o que vem do acúmulo da luta da classe trabalhadora do campo e da cidade.

“Trata-se de uma educação integral que forneça as bases da ciência, da cultura e do trabalho e que permita desenvolver sujeitos autônomos e militantes na superação das relações sociais de exploração e de opressão”, acredita o professor.

 

Como a atual crise econômica é refletida no campo da educação?

A análise do processo histórico nos mostra que o capital é uma relação social que se constitui mediante a exploração do trabalhador do campo e da cidade, que é essencialmente destrutiva sobre todas as esferas da vida como resposta às crises que lhe são organicamente inerentes e cada vez mais profundas.

Como demonstra o filósofo István Meszaros, a crise atual do sistema capitalista assume quatro características: a) o seu caráter é universal, afeta todas as esferas da sociedade (crise financeira, da política, da educação, da ética, etc.); b) não se localiza mais numa nação ou região como no passado, mas é global no sentido literal do termo; c) sua escala no tempo é extensa e contínua ou permanente, não mais cíclica como as precedentes que se deram ao longo dos Séculos 19 e 20; d) e, finalmente, a sua forma de desdobramento é gradual, podendo, todavia, assumir dimensão de convulsões abruptas.

Como uma crise contínua e mais profunda sua forma destrutiva de direitos (saúde, educação, trabalho, cultura) e das bases da vida (a terra, a água, os alimentos, o ar, etc.) também é continua.

No campo da educação isto se expressa mediante sua crescente mercantilização num duplo sentido. A educação tem se tornado um dos serviços mercantis mais lucrativos e de forma rápida. O Brasil tem atualmente um dos dois maiores empreendimentos empresariais do campo educacional do mundo. O grupo “brasileiro” Kroton — Anhanguera concorre com a empresa educacional chinesa New Oriental na lista do maior do mundo, ambas com capital aberto nas bolsas de valores.

Como essa relação entra para dentro da sala de aula?

O capital não se interessa apenas em ganhar dinheiro fácil com a educação. Para isso tem que enquadrar professores e alunos na lógica da mercadoria. No caso do professor, os efeitos perversos são de três ordens: perda da autonomia docente ou sequestro de exercer sua função de organizar e efetivar o processo de ensino; intensificação e exploração de seu trabalho, e aumento de doenças de caráter psicofísicas, mormente do stress.

No caso do aluno deixa de ser sujeito e, portanto das particularidades de classe ou grupo social, cultura etc. e é tratado como mercadoria. O mesmo pacote de conteúdos e o mesmo método é aplicado como se o aluno fosse similar à produção de uma garrafa ou um sapato.

O lema “Pátria educadora” foi a maior bandeira do começo do governo Dilma nesse mandato, porém a educação foi a área mais afetada pelos ajustes fiscais, o MEC teve um corte de R$ 20 bilhões em seu orçamento. Como você analisa esse cenário?

Os corte vultoso das verbas da educação expressam duas coisas: o Estado está domado por dentro pelo interesse do mercado, por outro o governo em escala gradativa, desde o segundo ano do governo Lula, não só não privilegiou as teses de educação que são do interesse da classe trabalhadora, mas sequer abriu espaços para que o contraditório pudesse se estabelecer.

Neste momento o governo não tem força para contrapor-se à ilimitada ganância do capital, sobretudo o financeiro na negociação dos cortes, e não tem base social para defendê-lo. Sua defesa, por setores dos movimentos sociais e populares e intelectuais a eles vinculados, mantém-se por manter as regras da frágil democracia brasileira e porque, como disse, num outro contexto, o sociólogo Francisco de Oliveira — o outro lado é muito pior.

Os lemas “Pátria educadora” e “Todos pela educação” trazem em si uma ideia positiva, porém na prática cinicamente ambos traduzem a educação que convêm ao capital. O “Todos pela educação” é hegemonizado por grandes grupos de empresários que disputam, no seio do Estado brasileiro, os recursos do fundo público para seus empreendimentos e também a direção da concepção da educação. Institutos ligados a bancos, grupos da grande mídia, associações de grupos empresariais como a Associação Brasileira do Agro Negócio (ABAG) produzem cartilhas e coordenam participam das gestões municipais e estaduais da educação básica pública.

A encomenda para elaborar o que será a concepção da Pátria educadora ao Ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, significou entregar a um competente intelectual que se pauta pelos interesses do mundo empresarial na educação. É espantoso, mas compreensível dentro da visão mercantil, que todo o acúmulo de produção científica no campo da educação e das pautas elaboradas pelas associações científicas e movimentos sociais seja totalmente ignorado.

O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), por exemplo, com todos os seus limites, expressa um denso acúmulo de debate e de experiências da educação do campo. Por ser uma elaboração que se articula às lutas mais amplas travadas na mudança das relações sociais de uma das sociedades mais desiguais e violentas do mundo, é ai que encontramos a teoria e a prática pedagógica atualmente no Brasil.

Como o mercado da educação técnica e profissional, como o Pronatec, tem atuado?

Um olhar histórico que relacione o projeto societário que a burguesia brasileira mantém mediante ditaduras e golpes nos mostram que para este projeto não há necessidade da educação pública básica, universal e gratuita, laica e unitária. Basta ver as estatísticas oficiais expressas pelo IBGE na Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad 2012).

O Brasil continua com mais de 13 milhões de analfabetos absolutos e aproximadamente 50% dos jovens em idade de fazer o ensino médio estão fora da escola, sendo que, mais de 9 milhões de jovens entre 15 e 24 anos, equivalente a três populações do Uruguai, são denominados de geração nem-nem. Vale dizer, que não estudam e nem trabalham. Na verdade fazem alguma coisa e em grande parte, por condições de sobrevivência, atuam no setor informal do ilícito e do crime. Além disso, 62% da população ativa com mais de 15 anos tem apenas 4 anos de escolaridade.

A esta negação sistemática o que tem se oferecido é políticas e programas na lógica e na medida das demandas do mercado. No inicio da década de 1940, por indução do Estado, foi criado o Sistema S, gerido pelos empresários, mas com um fundo público compulsório.

No início da década de 1960, antes do golpe empresarial militar, no governo João Goulart, criou-se o Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra (PIPMO) para durar dez meses e só acabou, na realidade, no final da ditadura, depois de 19 anos. Na década de 1990 criou-se o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PlANFLOR). Finalmente, na mesma lógica, criou-se o Plano Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC).

Todos estes programas oferecidos a jovens e adultos, que se tivessem tido o direito a uma educação básica de ensino médio de qualidade, seriam programas importantes para acompanhar de forma crítica as mudanças que se processam nos processos de produção com o avanço da ciência e das técnicas.

O Pronatec, assim, no geral é mais uma fonte de transferência de fundo público ao sistema S e a empresas que fazem da educação um negócio, sem controle da sociedade e do Estado. Os dados sobre isto são inequívocos e as exceções não suprime a regra.

Os efeitos para a classe trabalhadora são perversos. Nega-se a educação básica e sem esta se lhes oferece a ilusão de que pelo adestramento instrumental poderão os desempregados ter emprego. Quando isso ocorre, será o trabalho simples. E quando perder o emprego terá que buscar outro adestramento para ver se encaixa no mercado de trabalho. Em síntese, pela negação da educação básica, a possibilidade de passaporte da autonomia e cidadania política e econômica pela instrução instrumental.

Que projeto de educação deve ser defendido para o Brasil?

O projeto de educação a ser defendido é aquele que vem do acúmulo das lutas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais do campo e da cidade desde o início do Século 20. No final da década de 40 até a ditadura civil militar de 1964 formulou-se lutas de mudanças estruturais onde a educação e a cultura tiveram destaque central.

A obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, expressa a síntese deste tempo. Uma educação que ajudasse aos jovens e adultos a uma leitura crítica da realidade, não para reproduzir as relações sociais que mantém o latifúndio e produzem a miséria urbana e do campo, mas para transformá-las.

O desenvolvimento deste legado tem sido construído ao longo destas últimas décadas pela pedagogia da educação do campo, e não da educação para o campo ou no campo. Também se desenvolveu em alguns espaços das universidades públicas, mormente com grupos que se vinculam às lutas populares da cidade e do campo.

Trata-se de uma educação integral e que forneça as bases da ciência, da cultura e do trabalho que permitam desenvolver sujeitos autônomos e militantes na superação das relações sociais de exploração e de opressão.

A base material para esta educação inicia na formação dos educadores cuja condição não é apenas uma formação teórica, que é imprescindível, mas também um vínculo orgânico com as lutas da classe trabalhadora do campo e da cidade.

Sob esta formação um espaço escolar onde haja ambiente formativo, cuja condição é que o educador atue numa só escola, com tempo de sala de aula dividido com tempo de estudo e orientação dos alunos, laboratórios, espaço para esportes e arte, etc.

Esta condição, longe de ser uma realidade, depende da luta permanente das organizações da classe trabalhadora. Luta que implica o avanço também nas conquistas de melhorias da produção da vida de crianças e jovens, filhos dos trabalhadores do campo e da cidade.

Nos últimos anos tem aumentado o conjunto de mobilizações dos diversos setores da educação. Qual seria o maior desafio dessa esfera no processo de articulação de suas lutas, incluindo a unidade entre campo e cidade?

A agenda da Reforma Agrária Popular engendra o sentido e a direção de temas cruciais da necessária unidade das lutas dos trabalhadores do campo da cidade contra o projeto do capital.

Ao colocar o problema de qual alimento o mundo quer comer, sinaliza uma luta que pode agregar forças, mesmo que não ainda não vejam que a luta maior é contra o sistema capitalista, para mostrar os efeitos devastadores sobre a saúde, a água, o ar e a terra da produção destrutiva do agronegócio.

Também pode ajudar a grandes massas a tomarem consciência de que a violência nas grandes e médias cidades tem como uma de suas determinações a expulsão de milhões de famílias do campo, onde poderiam produzir sua subsistência com qualidade por meio de um projeto de reforma agrária acompanhado de uma política de incentivo à agroecologia para o campo. Certamente, como sinaliza Antônio Gramsci, uma grande quantidade de pequenas e médias propriedades geraria um excedente com uma nova qualidade de alimentos.

Penso que um dos grandes desafios é a esquerda fazer uma autocrítica, não para anular as diferenças de posições, mas para que as mesmas sejam menos abstratas e doutrinárias e se pautem sobre agendas que concretas que podem ampliar as conquistas da classe trabalhadora do campo e da cidade.

Creio que a aguda a observação feita pelo filósofo Leandro Konder, em 1979, ao voltar do exílio, sobre o comportamento da direita no Brasil é, contraditória e paradoxalmente, uma lição a aprender pela esquerda se quiser confrontar com chances esta mesma direita do campo e da cidade.

O desafio maior, então, para os movimentos sociais do campo e da cidade e das correntes de pensamento de esquerda, que deles fazem parte os intelectuais que se vinculam a esses movimentos, é definir o que nos exige uma “unidade substancial, profunda e inabalável” para enfrentar o projeto da prepotente classe dominante brasileira. Trata-se de uma agenda concreta e não abstrata, e cujo conteúdo é antagônico ao que é substancial, profundo e inabalável para a classe detentora do capital no Brasil.

Na conjuntura crítica que nos encontramos esta unidade é condição para que o futuro no tempo breve e longo não agrave ainda mais a situação de retrocessos nas conquistas democráticas, e nos avanços duramente conquistados em pequenas e grandes batalhas ao longo das últimas décadas.

#EleNão

Moradores da Maré são bailarinos em espetáculo com temporada na Suiça

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Foto: Andi Gantenbein, de Zurique, Suíça, para os Jornalistas Livres

Denúncias sobre os atuais tempos de antidemocracia, assassinatos da população preta, pobre e periférica e o da vereadora Marielle Franco aparecem em cartazes erguidos pelos bailarinos de “Fúria”, espetáculo de Lia Rodrigues, considerada uma das maiores coreógrafas brasileiras da atualidade e uma das mais engajadas na realidade política do país.

A foto é da noite deste sábado (16), durante apresentação do grupo brasileiro no ‘Zürcher Theaterspektakel’, em Zurique, Suíça.

No Brasil, Fúria estreou em Abril, no Festival de Curitiba. A montagem evidencia, de maneira crítica, relações de poder, desigualdades, e as interligações entre racismo e capitalismo.

O espetáculo foi concebido no Centro de Artes da Maré, na Maré, RJ. O local foi inaugurado em 2009, e o projeto nasceu do encontro de Lia Rodrigues Companhia de Danças com a Redes da Maré. Os bailarinos são moradores da favela e de periferias do RJ.

Fruto dessa mesma parceria é a Escola Livre de Dança da Maré que resiste, em meio ao caos do governo violento de Witzel contra as favelas do RJ.

 

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Temer/Kassab preparam ataque ao seu direito à Internet

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O método Temer de solapar direitos dos cidadãos brasileiros tem novo alvo: a Internet. Sem qualquer discussão prévia, os golpistas querem mudar a composição do Comitê Gestor da Internet.

A consulta pública determinada pelo governo, sem diálogo prévio com os membros do Comitê e com apenas 30 dias de duração, certamente pretende aumentar o poder e servir apenas aos interesses das empresas privadas. As operadoras de telefonia têm todo o interesse do mundo em abafar as vozes de técnicos, acadêmicos e ativistas que lutam pela neutralidade da rede, por uma Internet livre, plural e aberta.

Veja, abaixo, a nota de repúdio ao atropelo antidemocrático da consulta pública determinada por Temer/Kassab. A nota é da Coalizão Direitos na Rede que exige o cancelamento imediato desta consulta.

Nota de repúdio

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil.

Referência internacional de governança multissetorial da Internet,

o Comitê teve seu papel fortalecido após a

promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014)

e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as.

Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu,

principalmente por parte das operadoras de telecomunicações,

apoiadoras do governo.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças –

a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos.

Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores,

dentro e fora do Brasil,

contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

 

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

 

Notas

1 A Coalizão Direitos na Rede é uma rede independente de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da Internet livre e aberta no Brasil. Formada em julho de 2016, busca contribuir para a conscientização sobre o direito ao acesso à Internet, a privacidade e a liberdade de expressão de maneira ampla. O coletivo atua em diferentes frentes por meio de suas organizações, de modo horizontal e colaborativo. A nota está em https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/ .

2 Para ouvir a entrevista, à Rádio Brasil Atual, de Flávia Lefévre, conselheira da Proteste e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet, que afirma que as mudanças visam a atender interesses do setor privado e ferem caráter multiparticipativo do Comitê: https://soundcloud.com/redebrasilatual/1008-enrevista-flavia-lefevre

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FRAGMENTO E SÍNTESE

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Ligar a tv logo cedo num pequeno quarto de hotel no interior do país é desentender-se dos fatos nos telejornais matutinos. Abre-se a janela e uma menina vai à escola à beira do rio, um menino faz gol de bicicleta entre guris e o homem ergue a parede de sua casa.  Tudo tão distinto das ruas em alvoroço de protestos urbanos ou políticos insanos.  No rincão o que se busca é continuar vivo entre chuvas e trovões, sem não ou talvez. Tudo é certo. Sem modernidades calam ou arremedam nossa urbanidade, gente que se defende com pimentas e ervas, oração e vizinhança. Voz sem boca, boca sem voz, essa gente não é parte nas notícias selvagens dos jornais distantes.  Se resolvem entre cozidos, arte, bola e santos. No país de tantos cantos, muitos voam fora da asa e sem golpes entre si vão tocando suas mazelas e graça.

Mas vivemos tempos obscuros, a noite persiste em nossos avançados quinhentos e tantos anos e muitos santos. Dizem que burro velho é difícil se corrigir nos hábitos. Em manhã chuvosa na grande São Paulo, ligo a tv e o notbook, as janelas se abrem antes que a cortina deixe entrar o novo dia. Surpreendente ver na tv o deputado Jair Bolsonaro afirmando em um clube israelita na cidade do Rio, que se presidente for, não teremos mais terras indígenas no país. Ao mesmo tempo o computador expõe na rede social a opinião de meu amigo Ianuculá Kaiabi Suiá, jovem liderança do Parque Indígena do Xingu, onde leio ao som do deputado que ladra:

Jair Bolsonaro, obrigado por você existir. Graças a você, hoje, temos noção de quanto a população brasileira carece de conhecimento, decência, consciência, juízo, amor e que carrega um imenso sentimento de ódio sem saber o porque. Sim, sim, não sabem. Um exemplo? Veja a bandeira de quem te aplaude, é de um povo que, assim como nós, sofreu as piores atrocidades cometidas pelas pessoas que pensavam como você. Enfim, eu não sei se essa parcela do povo brasileiro pode ser curada, mas vou pedir para um pajé fumar um charuto sagrado e revelar se o espírito maligno que se apossou da tua alma pode ser desfeita com uma grande pajelança.

Ianuculá sabe o que diz, sabe de todo martírio vivido pelos povos originários, e mesmo assim se propõe a consultar o mundo dos espíritos.

 

É deus e diabo na terra do sol, a mesma terra que ofende também abriga e anuncia uma mostra de cinema indígena nos próximos dias. Terra de etnias e corpos na terra, a cidade maravilhosa do Rio não se calará diante do fascismo desses tempos sombrios, acompanhe.

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