Centenas de milhares de pessoas se mobilizaram em todo o país nessa quinta-feira (20). Contra o ajuste fiscal e em defesa da democracia, os movimentos populares deram o recado: que os ricos paguem a conta!; e Não vai ter golpe!
O dia amanheceu frio, as nuvens anunciavam a chuva — tão desejada em São Paulo -, mas não me surpreendi com a virada inesperada do tempo. A água é companheira de lutas do povo que ocupa a cidade na terra da garoa.
O dia 20 de agosto foi a data escolhida pelos movimentos sociais para saíram às ruas em defesa da democracia e contra o ajuste fiscal. No Brasil, 19 capitais e o Distrito Federal realizaram mobilizações, além de cidades como Caxias do Sul, Campinas e Juiz de Fora. Centenas de milhares foram às ruas. Na capital paulista a concentração estava marcada para as 17h no Largo da Batata, região do bairro de Pinheiros, e seguiu em caminhada pela Av. Rebouças, até a Av. Paulista. O ato foi encerrado no vão do MASP, por volta das 10h, e contou com 100 mil pessoas, de acordo com a CUT, e 40 mil de acordo com a Polícia Militar.
Os atos tiveram duas bandeiras principais: a defesa da democracia e da legitimidade do governo eleito e da presidenta Dilma Rousseff (PT), em resposta as recentes manifestação puxadas por setores conservadores que pedem o Impeachment e a Intervenção Militar; e a denúncia aos ajustes fiscais que punem a classe trabalhadora e favorecem os empresários. Que os ricos paguem a conta! Era uma das palavras de ordem.
A unidade do ato em São Paulo foi uma construção trabalhosa. Vale lembrar que no histórico 13 de março desse ano, quando 60 mil foram às pela Reforma Política, contra o Ajuste Fiscal e a Terceirização e em defesa da Petrobrás, movimentos como MTST, centrais sindicais como a Intersindical e partidos como o PSOL, não entraram em acordo sobre a participação na ação.
Dessa vez foi diferente. O momento de crise e a ameaça de golpe mudaram a conjuntura. A unidade foi crítica, um lembrete à presidenta Dilma. Algo como: “Dona Dilma, foram os movimentos sociais e populares que te elegeram. E te elegeram com um programa de esquerda. É para eles e com esse programa que você deve governar. Honre seus compromissos com a Classe Trabalhadora”.
Adriana Magalhães, secretária de Imprensa e Comunicação da CUT/SP, conta que para construir o ato foi necessário um exercício de encontrar as bandeiras unitárias “O que nos unifica é a pauta de que é possível uma outra política econômica que não prejudique os trabalhadores, como vimos com os recentes ajustes fiscais, que vêm sendo conduzidos pelo Levy”.
A Classe Trabalhadora vai às Ruas
A Classe Trabalhadora então foi às ruas. E não tem nada mais bonito que a classe trabalhadora nas ruas. Bonito porque a luta é bonita e diversificada. Diferentemente de domingo, as caras não eram todas iguais, brancas, bem postas. Cada rosto de cada pessoa que estava na rua, na noite dessa quinta-feira embaixo de chuva, trazia uma história de luta.
Eram homens e mulheres, e também crianças, camponeses e camponesas que traziam as marcas de sol de uma vida de luta e de trabalho no campo e pelo direito à terra. E também os trabalhadores e trabalhadoras da cidade, que junto de suas famílias trazem as cicatrizes da luta pela moradia. Eram mulheres de luta, que trazem no sangue a sanha pelos direitos dos quais são privadas desde sempre. Eram negros e negras, quantos negros e negras, que até hoje vivem as sequelas de uma escravidão que ainda assombra a nossa sociedade. Os moradores das periferias que sofrem com a violência de uma polícia militar assassina e vivem a chacina dos jovens negros todos os dias. Eram os LGBTTs que são privadas e privados até de amar. Eram @s jovens, @s estudantes, que vem a ameaça de perda dos direitos conquistados a duras penas, mas que traziam na face a esperança e a gana da juventude. Eram as centrais sindicais e junto de suas bases, por nenhum direito a menos, com a experiência que consolida a luta. Também eram imigrantes e refugiados que encontraram no país a possibilidade de recomeçar, indo às ruas contra a xenofobia e a intolerância… Foram tantos.
E o ambulante Fernando Gouveia, de 33 anos, que esteve nos dois atos notou essa diferença entres os dois grupos de fregueses. “Os de domingo gastavam bem mais, os de hoje são mais mão fechada, nem abaixando o preço”, brinca. E o que você acha do pessoal de domingo e de quem está aqui hoje? “Ah… vir fazer manifestação no domingo de sol é fácil né. Quero ver sair do trabalho em uma quinta-feira à noite e vir manifestar em baixo de chuva”. E você? Se identifica mais com qual dos dois grupos? “Com os de hoje né, porque se a Dilma sair e gente fica sem casa, acaba o minha casa minha vida”, conclui.
E o ato podia até ter duas bandeiras principais. Mas carregava muitas outras…
O que quer o povo?
Nenhum direito a menos!
Trabalhadores e trabalhadores não aceitarão o ajuste, não aceitarão a terceirização e a precarização do trabalho. Não aceitarão uma crise na qual os bancos e empresas demitem, mas continuam tendo exorbitantes margens de lucro. “São os ricos que tem que pagar por essa crise. No último período vários setores tiveram isenção de impostos, com qual objetivo? Que os empresários fizessem a parte deles, não só de garantir os empregos, mas também investissem em tecnologia e inovação. Eles não fizeram isso. Eles continuaram com a sua grande margem de lucro. Essas isenções causaram um dano às contas. E agora não é fazendo ajustes no seguro dos pescadores, por exemplo, que vamos resolver”, explica Adriana. Uma das alternativas ao ajuste, proposta pelas centrais sindicais, é a tributação das grandes fortunas.
Reforma Política
A unidade também estava em torno da insatisfação com o Congresso Nacional, o mais conservador desde 1964, ano do golpe militar. Para isso muitas placas contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). Envolvido em 22 processos e, entre eles, três inquéritos, o presidente tem protagonizado os maiores retrocessos de direitos do último período.
Nesse sentido, o povo pedia reforma política. Mas não qualquer uma, já que Eduardo Cunha aprovou recentemente uma contra-reforma, legitimando o financiamento empresarial de campanha. Quem foi para as ruas pedia uma Constituinte Exclusiva e Soberana para o Sistema Político.
No mês que vem completa 1 ano que a Campanha Nacional pela Constituinte arrecadou 8 milhões de votos em um plebiscito popular, no qual mais de 90% foi a favor da proposta. Na prática, representantes seriam eleitos para, junto da população por meio de participação direta, fazerem uma Constituinte para o Sistema Político, garantindo maior participação social e representatividade. Ricardo Gebrim, da Executiva Nacional da Campanha, explica por que, passado um ano da Campanha, a bandeira voltou com força às ruas de todo o país: “com uma crise política dessa dimensão, em que nos estamos em uma encruzilhada: de um lado as pressões pelo impeachment da Dilma; do outro as pressões para transformar o seu governo em um governo neoliberal. Tanto um, quanto outro, são terríveis. A saída política, a única saída política que possibilita mexer nesse sistema político e assegurar que rompamos com o neoliberalismo é a constituinte. E nesse momento a Campanha ganha força porque ficou evidente que a Reforma Política protagonizada pelo Congresso é uma farsa, um teatro, que na verdade só que legalizar e constitucionalizar a doação empresarial de campanha”.
Nesse sentido, placas “Devolve Gilmar” faziam um apelo ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) que há mais de um ano (especificamente 506 dias nessa segunda-feira 21) impede a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, proposta pela OAB, que torna inconstitucional a doação empresarial de campanha. O Supremo Tribunal Federal, por 6 votos a 1, já aprovou a Ação e rejeitou o financiamento, mas Gilmar pediu vistas do projeto para impedir que ela fosse colocada em prática.
As duas campanhas defendem que o financiamento empresarial de campanha, aprovado por Cunha, é a maior fonte de corrupção do país. Para elas, empresas não fazem doação, e sim investimento, e cobram as contas dos parlamentares eleitos por elas.
Contra a Agenda Brasil
Os movimentos também foram denunciar a Agenda Brasil, agenda de medidas apresentadas pelo Presidente do Congresso Renan Calheiros (PMDB) como “saída” para a crise. As propostas foram apresentadas no último dia 10 e representam mais um retrocesso para os direitos da população.
A Agenda Brasil é divida em três eixos: melhoria do ambiente de negócios, equilíbrio fiscal e proteção social. Ela tem como proposta transferir para o Senado o papel de liderar a retomada da “animação econômica”. O projeto, no entanto, propõe a regularização da terceirização, a possibilidade de cobrança do SUS, a revisão da regulação das áreas indígenas para “compatibilizá-las com as atividades produtivas”, o incentivo a “investimentos produtivos” na zona costeira, áreas naturais protegidas e cidades históricas e o aumento da idade mínima para a aposentadoria.
“Esse é um ato contra a Agenda Conservadora que tem avançado no país. Que se manifesta nas ruas, no parlamento e até dentro da administração federal. Por isso é um ato de crítica ao ajuste fiscal e a Agenda Brasil”, esclarece Breno Altman, Diretor editorial do site Opera Mundi e membro da Frente Brasil Popular, umas das forças que chamou o ato desse dia 20.
A Petrobrás é nossa
Os recentes escândalos nos quais a maior estatal do país, e uma das maiores petrolíferas do mundo vem enfrentando tem feito com que setores neoliberais voltassem a levantar a possibilidade de privatização da Petrobrás.
Os movimentos foram às ruas em defesa da empresa que representa 13% do PIB do país e que tem em curso um plano de investimentos de US$ 220,6 bilhões para o período 2014–2018 e perspectivas de dobrar a atual produção de petróleo até 2020, para chegar a 4,2 milhões de barris de petróleo produzidos diariamente.
Defendiam a estatal e os Royalties do Pré-Sal, que destinam 75% dos recursos para a Educação e 25% para a Saúde. O senador José Serra (PSDB) apresentou em março um projeto de lei que pretende acabar com a participação obrigatória da Petrobras na exploração e produção de petróleo nas camadas do pré-sal.
Contra o Genocídio Negro
A chacina que matou 18 em Osasco e Barueri na semana passada, cuja principal suspeita é a Polícia Militar, também foi lembrada. Se domingo ninguém falava sobre ela, no ato de ontem ela teve destaque.
No caminhão, durante a concentração, foi pedido um minuto de palmas para Fernando Luiz de Paula, Eduardo Oliveira dos Santos, Thiago Marcos Damas, Leandro Pereira Assunção, Antônio Neves Neto, Tiago Teixeira de Souza, Jonas dos Santos Soares, Igor Silva Oliveira, Rafael Nunes de Oliveira, Presley Santos Gonçalvez, Eduardo Oliveira dos Santos, Eduardo César, Rodrigo Lima da Silva, Deivison Lopes Ferreira, Wilker Thiago Correa Osório, Jailton Vieira da Silva e Joseval Amaral da Silva.
Na rua uma intervenção teatral chamava a atenção para a violência: 18 corpos estendidos ao chão. Durante a passeata, seus nomes foram carregados em cartazes simbólicos. O caso não é único, infelizmente é uma realidade diária: 30.000 jovens são assassinados por ano, desses: 93% são homens e 77% são negros. Os dados são do Mapa da Violência de 2014. Por isso quem foi às ruas nessa quinta-feira pedia o fim do genocídio negro e a desmilitarização da polícia.
Tamires Gomes Sampaio, 2ª vice-presidente da UNE, reforçou a questão “É importante a gente entender que esse avanço conservador atinge principalmente a juventude, e principalmente a juventude negra, da periferia, da classe trabalhadora, que é atingida pelo trabalho cada vez mais precarizado. É a juventude negra que é encarcerada cada vez mais. Isso quando não está sendo assassinada”.
Redução não é solução
E a juventude estava em peso nas ruas. No dia anterior a manifestação, quarta-feira (19), a Câmara aprovou o projeto de redução da maioridade para 16 anos. A PEC 171 agora segue para o senado. E essa juventude, que morre todos os dias, agora ainda estará exposta ao encarceramento massivo.
Carina Vitral, presidenta da UNE, criticou a medida e garantiu que os estudantes não deixarão passar barato. “Os estudantes tem que estar nos bancos das escolas, e não atrás das grades”.
Fica Dilma
Embora o ato não tivesse como intuito a defesa da Presidenta, não faltaram manifestações de apoio a Dilma.
Bandeiras defendendo a democracia, a presidenta e contra o golpe de agitavam por todo o percurso da Rebouças até a Av. Paulista. As camisetas e adesivos que sobraram da campanha foram resgatados e mais uma vez ganharam destaque entre os militantes. Uma senhora carregava sozinha o cartaz “Dilma, eu vim aqui por você”. Um casal também carregava cartazes “Orgulho de ser Petista”. Como é ser petista nesse momento de crise e de tantas ofensivas e tanto ódio: “Um orgulho muito grande, eu morei 13 anos no nordeste e vi a transformação do país”, responde Lúcia Antônia, funcionária pública. “Tenho orgulho de estar aqui para defender um governo popular que foi eleito democraticamente”, concluiu Marcos Alexandre, historiador.
A luta continua
Muitas outras bandeiras foram levadas, entre elas pela Democratização da Mídia, contra os cortes da educação; a seletividade do judiciário, por um estado verdadeiramente laico, contra o discurso de ódio e fascismo.
Guilherme Boulos criticou a indignação seletiva das pessoas que estavam nas ruas no domingo, que bradam contra a corrupção, mas aplaudem Cunha e deixou claro “Essa não é uma manifestação em defesa do governo.”
Para todos os organizadores a marcha foi vitoriosa, mas não acaba por aqui: “a manifestação em SP foi muito expressiva. Foi um passo fundamental para repudiar as saídas da direita e para demonstrar que os trabalhadores não aceitam o ajuste fiscal e a Agenda Brasil. O desafio agora é dar continuidade à unidade e ao diálogo entre os diversos setores, consolidando a resistência popular aos ataques que já estão prometidos”, finaliza Edson Carneiro Índio secretário Geral da Intersindical — Central da Classe Trabalhadora.
Participaram dos atos em todo o Brasil centenas de movimentos entre eles: de moradia como FLM, MTST, União Nacional de Moradia Popular (UNMP); Populares como CMP (Central de Movimentos Populares), Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD) e Brigadas Populares; do Campo como: MST — Movimentos dos trabalhadores sem Terra e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); de mulheres como a Marcha Mundial das Mulheres e União Brasileira de Mulheres; as centrais sindicais CUT, CTB e Intersindical; movimentos de juventude como o Levante Popular da Juventude, Rua e União da Juventude Socialista (UJS); estudantis como UNE (União Nacional do Estudantes), UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e ANPG (Associação Nacional dos Pós-graduandos); Negro como Unegro e a Marcha de Mulheres Negras; pela democratização da comunicação como o Fórum Nacional pela Democratização da Mídia e o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; entre outros. Além dos partidos: Psol, PCO, PT e PCdoB.