Por: Safira Soares, jornalista
O Pantanal, considerado a maior planície interna inundável do mundo, tem encarado desde o começo do ano um período de intensas queimadas. Incêndios têm degradado milhares de hectares do bioma, ao passo que a fumaça causada por crimes ambientais avança sobre cidades inteiras como Corumbá, em Mato Grosso do Sul ou na capital Cuiabá, do vizinho Mato Grosso. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o aumento registrado já é de 206%, no comparativo entre janeiro e julho de 2020 com o mesmo período do ano anterior.
A soma de dois fatores tem contribuído de forma determinante para o crescimento observado: a falta de chuva e a ação humana. Dados do Inpe indicam que houve uma redução em torno de 50% no volume de precipitação nos sete primeiros meses do ano em relação à média histórica da região. O Rio Paraguai, o 8° maior da América do Sul e que corta o bioma, está atualmente no seu menor nível desde a década de 1960. O cenário mais seco possibilita que queimadas originadas em propriedades privadas se alastrem sem grandes dificuldades.
O Monitor de Queimadas criado pela organização ambiental Instituto Centro de Vida (ICV) mostra que a grande parte dos focos de calor no Pantanal mato-grossense acontece em imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que indica que o fogo tem sido gerado para fins agropecuários, como explica Vinicius Silgueiro, engenheiro florestal coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV.
“Quando olhamos onde esse fogo está acontecendo, pelo menos no Pantanal mato-grossense, mais da metade é em imóveis rurais com CAR, para o uso agropecuário. Então, podemos fazer a inferência de que as queimadas foram iniciadas a partir de práticas para o uso agropecuário, seja para a limpeza de uma área desmatada para o pasto, seja fogo para a renovação da pastagem. Por estar com menos chuva, o fogo avança e toma proporções de incêndio”, afirma.
Depois dos imóveis rurais com CAR, a categoria fundiária que apresenta mais focos de calor são áreas sem cadastro. De 2018 a julho de 2020, esse tipo de área registrou 809 focos, apenas em Mato Grosso. Em julho deste ano houve um aumento de 150% no número de queimadas em relação a julho de 2019 e de 100% em relação ao mesmo mês de 2018. No terceiro lugar do ranking de categorias fundiárias com mais ocorrência de focos estão Unidades de Conservação (UC) de proteção integral e domínio público. Nesse sentido, o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense, administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), é o mais afetado.
O mais preocupante é que o período em que costuma acontecer o pico das queimadas na região ainda nem chegou. Em 2019, o aumento registrado entre julho e agosto foi de 253%, quando o número de focos de calor passou de 52 para 184. O crescimento entre agosto e setembro, mês em que a situação historicamente é mais crítica, chegou a 334%, quando o número saltou de 184 para 800.
Além da grande degradação ambiental, os incêndios criminosos causam nuvens de fumaça que contribuem para a promoção de diversas doenças respiratórias e cardíacas em seres humanos, que podem ser especialmente perigosas durante a atual pandemia do novo coronavírus. Entre os problemas causados pela inalação do ar poluído por elementos provenientes da queima estão dor e ardência na garganta, tosse seca, cansaço, falta de ar, dificuldade para respirar, dor de cabeça e em casos mais graves até doença pulmonar obstrutiva crônica, rinite, pneumonia, asma e câncer de pulmão.
O necessário para evitar que se chegue a cenários tão alarmantes, explica Silgueiro, é a diminuição da sensação de impunidade a crimes ambientais. Ações de fiscalização e autuação são possíveis já que a maior parte das propriedades de onde vem o fogo estão inscritas no CAR, possibilitando a identificação do responsáveis.
“Quando observamos a sequência de imagens de satélite, conseguimos remontar a origem desse fogo e perceber que muitas vezes ele começa em uma fazenda e com o tempo seco dessa época, vai se alastrando. Então, é possível fazer essa identificação e essa responsabilização, que consideramos ações básicas. É necessário que aquele que esteja mal intencionado veja a reação que houve no ano anterior e não cometa o crime. É algo que precisa ser feito ano após ano. Além disso, toda a parte de sensibilização e de educação ambiental, apresentando outras práticas produtivas que tornam desnecessário o uso do fogo. Sem dúvidas, um conjunto de esforços”.