André Mesquita, Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio e a artista plástica Clara Ianni
Livro sobre arte e terrorismo de Estado denuncia a cultura do extermínio e a guerra não-declarada contra a população negra, pobre e periférica
Na noite da última sexta-feira (21), a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, recebeu o lançamento do livro “Esperar não é saber: Arte entre o silêncio e a evidência”, do escritor e historiador André Mesquita, e um debate para 100 pessoas. O foco do trabalho de Mesquita são as intervenções artísticas que expõem e denunciam violências cometidas pelo Estado. A mesa contou com as presenças de Clara Ianni, artista plástica, e de Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, além do próprio autor.
Em suas 227 páginas, o livro, contemplado pelo Ministério da Cultura e pela Fundação Nacional de Artes — FUNARTE no Edital Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais 2014, e distribuído gratuitamente no local, faz a compilação de documentos, entrevistas, vídeos, fotografias e traz a análise de trabalhos de artistas e ativistas. O objetivo é expor o potencial crítico de ações artístico-políticas realizadas durante as ditaduras do Brasil (1964–1985) e da Argentina (1976–1983).
A ideia do autor é dar continuidade à distribuição gratuita da edição por meio de outros encontros e também enviar a publicação para bibliotecas públicas, museus, residências artísticas centros culturais e sociais, grupos de direitos humanos e movimentos sociais.
Para explicitar a lógica da repressão que, quando não ocultada pelo Estado genocida, é utilizada como dispositivo de terror e controle social, Mesquita divide sua pesquisa em três capítulos. Nos dois primeiros, aborda as intervenções Situação T/T,1 (1970), de Artur Barrio, no qual trouxas ensanguentadas foram lançadas à margem de um córrego em Belo Horizonte, criando um clima de tensão entre as autoridades e a população local, que acreditava se tratar de restos mortais de torturados pelo Esquadrão da Morte, e “Nosotros no sabíamos”, de León Ferrari, que, ao apresentar dados comprovando as atrocidades do governo ditatorial argentino, escutou de seu público exatamente a mesma frase que dá título à obra.
Por meio do vídeo “Apelo” (2014), de Clara Ianni, realizado em parceria com Débora Maria da Silva, mãe de Edson Rogério Silva dos Santos*, o autor se dedica a retratar a violência do Estado hoje, retomando discussões sobre desaparecimento desenvolvida nos capítulos anteriores.
*Edson foi uma das 493 vítimas executadas pelas polícias civil e militar e por grupos de extermínio no Estado São Paulo, no episódio que ficou conhecido como “Crimes de Maio de 2006”.
A chacina de Osasco e Barueri, que deixou 18 mortos e seis feridos, foi citada diversas vezes durante o debate, ilustrando, infelizmente, a atualidade do tema do livro. Segundo Débora, no Brasil há uma cultura velada do extermínio, realizada no contexto de uma guerra não-declarada, em que a faxina étnica foi aceita como forma de desenvolvimento.
“Para nós, a ditadura nunca acabou e tem um alvo certo, que é a população pobre, negra e de periferia. Enquanto não houver justiça, não haverá paz. E o que nós não queremos é essa paz verde-e-amarela que a classe média e a burguesia quer nos oferecer, a paz do cemitério”, complementa.
Quanto à aprovação na Câmara dos Deputados da PEC 171, que reduz a maioridade penal para 16 anos, Débora declara: “Deveriam estar discutindo o fim dos grupos de extermínio e não esse prego na tampa dos caixões dos nossos jovens.
“O Brasil produz 56 mil Mães de Maio por ano”.
Questionado sobre o comportamento dos manifestantes de domingo (16), durante uma intervenção artística sobre os mortos de Osasco e Barueri (saiba mais aqui https://medium.com/jornalistas-livres/marcha-f%C3%BAnebre-permanente-b8fc247af349), que reagiram bradando “Aqui não é lugar para isso”, Mesquita diz ser muito difícil atingir a classe média, porque a ideia da tortura, do desaparecimento e do assassinato caiu na normalidade. Seu livro surge, no entanto, como arma certeira, num momento em que tanto a população quanto as autoridades fecham os olhos para a institucionalização do terrorismo do Estado, como se dissesse:
“Sim, você tem culpa nisso.”