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Quarentena não quebra a economia

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Por Ergon Cugler e Henrique Domingues, texto original do GGN

Diante das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do esforço da comunidade científica e profissionais da saúde em convencer o mundo da urgência do isolamento social em tempos de pandemia do Covid-19, surge o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, afirmando que a economia pode “quebrar” caso o isolamento seja mantido, afirmando ainda que “ficar em casa é coisa de covarde”.

Há muita desinformação sobre o tema. Tanto na fala do presidente, quanto nas redes sociais. Faz-se, portanto, urgente conhecer outras experiências de combate ao Coronavírus para esclarecer àqueles que são impactados diretamente pelo discurso do presidente e têm uma preocupação legítima: o sustento e sobrevivência de suas famílias, ou até de seus empreendimentos, durante a crise que enfrentamos.

Afinal, é possível colocar comida na mesa, pagar as contas, os salários dos funcionários, todos os impostos e obrigações mesmo em quarentena? De acordo com o Presidente, parece que temos apenas duas opções: 1) Ou todo mundo fica em casa e a economia quebra; 2) Ou todo mundo retorna ao trabalho e alguns morrem. No entanto, tal lógica binária (ou 8, ou 80) é armadilha para entrarmos de cabeça em uma política de proteção dos lucros e das grandes fortunas, ao invés da vida.

Discurso e Narrativa

Existem alternativas que surgem em todo o mundo – especialmente na Europa, o epicentro da crise, com isolamento rígido e experiências sociais embasadas nos mais variados espectros políticos – da social-democracia ao ultraliberalismo.

Nos países da União Europeia (UE) é possível identificar um variado conjunto de medidas para socorrer desde os trabalhadores mais vulneráveis, passando pelas pequenas e médias empresas, até as grandes corporações. Na Alemanha, por exemplo, haverá complementação de salário de até 15 mil euros (R$ 82.105,00), devido à retração de atividade; similar, na Dinamarca a complementação de salário pelo Estado será de 75% (até 23.000 coroas, ou R$ 10.695), a empresa pagará apenas 25%. Há ainda a liquidez para empresas na proteção de empregos na Espanha; e o suporte financeiro para 5.000 empresas francesas, evitando falências ou demissões.

Já na Rússia, o presidente Vladimir Putin anunciou propostas de ampliação dos programas sociais, amparo aos trabalhadores desempregados – com um salário mínimo aos desempregados e trabalhadores afastados por licença médica -, e um novo regime tributário para a iniciativa privada. Dentre as medidas, as que mais chamam a atenção é o novo regime de pagamento dos créditos de compra e hipoteca, além da criação de novos impostos: 1) um que taxa todo lucro gerado na Federação Russa, mas que tem destino outro país; 2) outro que taxa todas as riquezas acima de 1 milhão de rublos russos (aproximadamente R$ 65 mil).

Mesmo na América do Sul é possível acompanhar nossos vizinhos implementando medidas que buscam resguardar tanto a vida do povo, quanto a integridade das empresas. A Argentina anunciou um programa social emergencial que prevê 10 mil pesos argentinos, (cerca de R$ 800) a trabalhadores informais e pequenos contribuintes afetados pelo isolamento; e, até mesmo a Venezuela, que tem sua economia determinada pelo bloqueio imposto pelos EUA há anos, anunciou a proibição das demissões e assumiu a responsabilidade pelos salários dos trabalhadores inclusive da iniciativa privada.

Por outro lado, no Brasil, vale destaque a dois acontecimentos: 1) A crítica de Trump ao isolamento social como responsável pela quebra da economia, por pressão da Bolsa de Valores; 2) A revolta da população, especialmente trabalhadores, com a aposta de Bolsonaro em suspender salários por até quatro meses.

Sem sucesso, Bolsonaro dobra a aposta ao exigir o fim da quarentena e desautorizar governadores e prefeitos – como escreve Ricardo Cappelli -, propagando o desespero de uma possível quebra da economia para justificar que os pequenos e médios empresários precisam a atender à demanda do mercado financeiro como única saída – mesmo com milhares de vidas em risco pelo não cumprimento de diretrizes da OMS.

Diante de tantas evidências, fica claro que alternativas não faltam. Há inclusive maioria ampla entre governadores e parlamentares no apoio à proposta de Renda Básica – propondo destinar até um salário-mínimo (R$ 1.045) aos trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores, desempregados e subempregados -, na janela de oportunidade debate-se também a taxação de grandes fortunas, o imposto progressivo sobre lucros e dividendos dos grandes grupos econômicos e a redução da taxa SELIC.

Como alternativa de expor a população à pandemia, propõe-se derrubar juros de crédito bancário, estabelecendo carência e prazos dilatados para pagamento e beneficiando autônomos, microempreendedores, pequenas, médias empresas e agricultura familiar – utilizando dos fundos disponíveis por bancos públicos, em especial do BNDES. Assumir ainda o salário dos trabalhadores até o teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), viabilizado com subsídio entregue diretamente a empresas e garantia de estabilidade no emprego até o final da crise.

Lucro e Vidas

Diante do caos, a aposta de Bolsonaro é na polarização como tática para manter a base radical ativa e o cálculo político-eleitoral viável, nem que isso custe até mesmo a saúde do povo. Afirmar que preservar a vida vai quebrar a economia é tão irresponsável quanto quando falavam “ou menos direitos e empregos, ou todos os direitos e nenhum emprego” e, afinal, cá estamos: com menos direitos e ainda sem empregos

A busca desesperada da elite econômica é a manutenção do lucro e das grandes fortunas intactas, mesmo que ao custo de “5 ou 7 mil vidas” como multimilionários brasileiros já defenderam pública e despudoradamente. A verdadeira polarização é a do lucro da elite contra a vida do povo. Por isso apelam: sabem que sem a mão de obra dos funcionários, sem o esforço daqueles e daquelas que vendem sua força de trabalho, não serão capazes de seguir engordando os já polpudos negócios. 

Ainda, cega pela ganância, a elite econômica brasileira é incapaz de entender que sem o fator humano, não há mercado. Não há lucro. A precarização do trabalho estimulada pela Reforma Trabalhista (2017) e das seguidas MPs de Bolsonaro limitam o poder de compra do trabalhador brasileiro, retraindo o consumo, e refletem na economia que desaquece ano após ano.

Professora da USP e economista com doutorado direto no campo de Economia da Saúde e Nutrição, Flávia Mori Sarti nos recorda, “quem só pensa nas consequências de primeira ordem (ex: queda imediata na atividade econômica) desconsidera consequências de segunda ordem (ex: mortalidade e seus efeitos em médio e longo prazo: ainda não se sabe quais são problemas gerados à saúde de quem teve Covid-19)”. Aliás, como ainda aponta, “mesmo um economista medíocre com uma visão superficial de Teoria Econômica deveria reconhecer que não há mercados sem pessoas”.

Não é de hoje que a OMS alerta para o fato de que o enfrentamento de doenças de larga escala não se trata apenas de uma questão da medicina, sendo respaldada pelo conjunto de medidas sociais e econômicas adotadas por governos que visem proteger tanto a economia quanto a saúde e a vida das pessoas. Afinal não há solução para uma sem a outra. O vírus serviu para escancarar o que o presidente Emmanuel Macron, da França, constatou: “há bens e serviços que devem ser colocados fora das leis do mercado”.

Em suma, é desonesto afirmar que o isolamento social e a preservação das vidas como prioridade quebram a economia. No entanto, a negação de medidas protetivas, que inclusive países liberais estão dispostos a adotar em tempos de crise, definitivamente condena a economia ao colapso em médio e longo prazo, além de colocar em risco o mais precioso bem do povo – a vida -, em nome de um modelo econômico pra lá de questionável.

* Ergon Cugler é pesquisador da USP, associado ao Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas (OIPP) e ao Grupo de Estudos em Tecnologia e Inovações na Gestão Pública (GETIP) – EACH/USP.

** Henrique Domingues é graduado em Logística Aeroportuária, cursa Comércio Exterior na FATEC Zona Leste, é Representante Sindical no Sincomerciários de Guarulhos-SP e Executivo do Fórum Internacional dos Municípios BRICS.

 

 

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Nota da ABI – Bolsonaro mente na ONU e envergonha o Brasil

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.

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No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.
Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais.
Bolsonaro mentiu
O presidente responsabilizou, ainda, índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas.
Como se vê, de novo Bolsonaro mentiu.
O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o país é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de “gripezinha” e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de Saúde.
Assim, mais uma vez Bolsonaro mentiu.
A ABI, com a autoridade de seus 112 anos de existência em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional, repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório que o governo está impondo ao País.
Paulo Jeronimo – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

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Sem papas na língua. Juliano Medeiros no Dialogando de hoje

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

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Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? No Programa Dialogando desse domingo (26/07), 18h, o Pastor Fábio recebe Juliano Medeiros, presidente do PSOL para um papo sobre eleições e aprendizados da pandemia que passa por uma das fases mais críticas do momento, onde prefeituras e governos de vários Estados do país programam reabertura de mais uma parcela considerável de setores, enquanto isso, a mídia normaliza as curvas ascendentes do número de infectados pelo Coronavírus.

Outra pergunta que precisa ser respondida é qual é o sentido das eleições serem realizadas ainda neste ano? Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Assista, compartilhe. comente e mande perguntas no Facebook.

Juliano Medeiros é um jovem dirigente político da esquerda brasileira e desde janeiro de 2018 ocupa a presidência do Partido Socialismo e Liberdade. Historiador e Mestre em História pela Universidade de Brasília, é Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição.

Co-autor e organizador de Um Mundo a Ganhar e Outros Ensaios (Multifoco, 2013), Um Partido Necessário – 10 anos do PSOL (Fundação Lauro Campos, 2015) e Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017), colabora com sites, jornais e revistas no Brasil e exterior.[2]

Em 2018 coordenou a campanha de Guilherme Boulos à Presidência da República pelo PSOL[3] e, no segundo turno, após decisão do partido, passou a integrar a coordenação da campanha de Fernando Haddad[4]. Desde a vitória de Jair Bolsonaro, participa do Fórum dos Presidentes de Partidos de Oposição[5].

Durante mais de uma década Juliano Medeiros foi dirigente da corrente interna Ação Popular Socialista – Corrente Comunista do PSOL. Em Junho de 2019, a APS-CC se fundiu com o Coletivo Rosa Zumbi e mais oito coletivos regionais para fundar a Primavera Socialista, atualmente maior tendência do PSOL, da qual Juliano também é dirigente.[6]

Fábio Bezerril Cardoso é Pastor, cientista social, ativista social e Cofundador & Coordenador da Escola Comum e atualmente apresenta o Programa Dialogando, todos os domingos, às 18h. É um dos pastores progressistas que têm lutado pela defesa dos povos periféricos e costuma não ter papas na língua para falar sobre a realidade desses lugares. A produção é de Katia Passos, com arte de Sato do Brasil.

Conheça mais sobre a atuação do Pastor Fábio https://www.facebook.com/fabio.bezerrilhttps://www.facebook.com/fabio.bezerril

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Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

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Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno

 

 

Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.

Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…

A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.

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