Em nome de Deus, o Plano Municipal de Educação exclui mulheres e LGBTs

Com 43 votos favoráveis e apenas 4 contra, vereadores de São Paulo aprovaram ontem (25) o texto substitutivo do Plano Municipal de Educação (PME) sem as referências às questões de gênero e orientação sexual. Todas as emendas paliativas (que buscavam uma redução dos danos causados pela exclusão de dispositivos que combatessem a homo-lesbo-bi-transfobia nas escolas) foram derrotadas em bloco. Jogaram o “tapetão” sobre as questões que afetam grande parte da população que não se enquadra em comportamentos ou identidades cisgêneras heteronormativas.

A vereadora do PT Juliana Cardoso dessa vez peitou a bancada do seu partido e se posicionou contra o substitutivo, honrando a luta de tantas pessoas e instituições que se mobilizaram para que esse ato de autoritarismo e retrocesso democrático não acontecesse. Conseguiu com muito custo as 18 assinaturas (6 do PT e 12 de outros partidos) para que as suas emendas fossem apresentadas, na tentativa de preservar o mínimo de garantias às populações socialmente vulneráveis. E no final fez uma bela fala democrática na justificativa do seu voto. Abaixo, um fragmento do seu discurso:

“Pela mentira que foi colocada e sustentada sobre ideologia de gênero, que não existe; por viver em um País republicano, laico, e por respeito principalmente ao artigo 5º da Constituição Federal; em respeito a todas as mulheres que ainda hoje são violentadas, agredidas e estupradas; pelas crianças, jovens e adolescentes discriminados no ambiente escolar; em respeito e solidariedade aos seres humanos e às pessoas e, principalmente à população LGBT que é discriminada, agredida e excluída do ambiente escolar…Meu voto é NÃO”.

Cláudio Fonseca do PPS, Toninho Vespoli do PSOL e Netinho do PcdoB foram os outros guerreiros que também rejeitaram o substitutivo.

Logo pela manhã, apesar da garoa fria, a ala católica começou o esquenta ocupando uma parte da rua em frente da Câmara Municipal com seu trio repleto de fiéis que se revezavam nas canções e discursos religiosos. A denominação predominante, a Renovação Carismática, era a mais ‘fervida’…no sentido de fervor religioso mesmo, com suas canções e rezas direcionadas para despertar a emoção dos fiéis. A Renovação é a ala da igreja católica que imita o jeitão dos cultos evangélicos, incluindo padres pops e bandas nas missas. O Brasil ainda é o país com mais católicos no mundo segundo o censo de 2010, com uma população de 123,3 milhões de fiéis.

Quando o trio cedido pela Associação da Parada do Orgulho LGBT (APOLGBT) chegou, a batalha de “quem grita mais” começou com os lados se alternando na posição de vencedor. Mas nós, defensor@s do debate democrático dentro das escolas, estávamos em menor número… ainda não conseguimos mobilizar politicamente nossa comunidade que tem grande dificuldade em ir pra luta política. A APOLGBT enviou o carro, mas o público festivo das paradas não compareceu, infelizmente.

Mas quem estava entrou na “festa do gênero”, rebolando ao som de Anita e Valesca Popozuda, pra indignação e desespero dos fiéis que se ajoelhavam e rezavam. Não pude deixar de pensar no filme “O nome da Rosa” baseado no livro de Humberto Eco que gira em torno da filosofia de Aristóteles sobre o poder do riso que afronta a carranca dos dogmas religiosos. No filme, que se passa dentro de um mosteiro, as pessoas que entravam em contato com os livros aristotélicos, sempre trancados numa biblioteca secreta, morriam de forma misteriosa. É um belo painel sobre a idade média.

Nunca se viu a igreja católica, que tem a tradição de não se expor e agir diplomaticamente na defesa de seus interesses, expondo-se de forma tão grotesca, como se estivesse num campo de futebol, torcendo para o seu time favorito. E lá estava inclusive a “extrema-direita” católica com a presença dos representantes do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, discípulos do fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), cuja missão é preservar “a obra de todos os que lutam, sob a proteção da Santíssima Virgem, em prol da preservação dos princípios perenes da Civilização Cristã em nossa Pátria e no mundo.”

Consegui falar com o padre João, de uma paróquia da Zona Sul, que afirmou que não estava ali por preconceito, e sim para impedir que se introduzisse a “ideologia de gênero”. “Na verdade nós, sabemos que homem é homem, e mulher é mulher. Um homem vestido de mulher não se torna uma mulher por força de lei e não podemos concordar que, por força de lei, se normatize a mentira.” Um monge ainda foi capaz de dizer algo ainda mais equivocado: que a “ideologia de gênero” tem como base o marxismo, que “há milênios” vem nos influenciando de forma “nefasta”. Marx já virou entidade milenar…

Na galeria da Câmara Municipal, o “povo de Deus” gritava e vaiava cada vez que ouvia uma palavra em defesa da comunidade LGBT. Em certo momento, Toninho Vespoli no seu discurso em defesa da inclusão das questões de gênero no PME, disse que também era católico mas que praticava sua religião dentro dos limites da sua privacidade. Foram muitos minutos de vaia católica.

A galeria permaneceu dividida entre os pró-gênero e a turma do contra. Havia policiais nos dois lados mas um pouco mais do nosso lado e com um comportamento pra lá de truculento. A Polícia Militar sendo ela mesma, como sempre.

Depois de horas, aconteceu o que já esperávamos: o debate democrático, a informação preventiva contra comportamentos discriminatórios nos primeiros anos de vida nas escolas e a possibilidade de uma educação inclusiva na cidade de São Paulo foram enterrados com a bênção e a extrema unção da igreja católica, amém !

Agora o projeto vai pra apreciação do prefeito que tem o poder de veto mas é fácil concluir que ele não tomará uma atitude diferente daquela que foi fechada pelo seu partido. Até mesmo a Coordenadoria de Políticas Públicas LGBTs se absteve, não enviando nenhum@ representante, o que é um contra senso já que o seu trabalho seria o de defender os interesses da população LGBT…

Nos bastidores noticiosos se fala em acordos políticos com o PMDB para apoiar Haddad nas próximas eleições. Chalita, um possível candidato e político ligado aos setores mais conservadores da igreja católica, parece ter sido o intermediário dessa suposta negociação.

De qualquer forma vai ficar feio pro prefeito Haddad se ele não vetar um PME que não contempla a população que ele tanto se empenhou em ajudar, colocando gays e travestis na fila prioritária do “Minha casa, minha vida”, fazendo Abrigo para LGBTs em situação de rua, criando o excelente programa Transcidadania…além de ser um educador e ex-ministro da educação. Vamos aguardar!

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

O que são os identitarismos políticos?

Por Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia Se você acompanha o debate político com alguma atenção, certamente já