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Política

Haddad em Portugal: “Sempre de forma altiva, devemos encarar os grandes desafios que temos pela frente”

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Por Bruno Falci, de Lisboa, especial para os Jornalistas Livres

“O mundo precisa de imaginação e quem sabe imaginar é a esquerda, pois a direita não consegue imaginar nada. O mundo já é como a direita quer. Nós precisamos de aproveitar o momento. Eu tenho muito otimismo em relação ao futuro. Eu não tenho dúvidas que esse projeto que está em curso não pode funcionar. É um projeto muito pouco generoso. Ele incita a intolerância, acarreta mais desigualdade social e econômica. É um projeto que não tem futuro. É um projeto do discurso fácil em um momento de angústia”.

 

Foto: Ricardo Stuckert

Palavras de Fernando Haddad no encerramento do debate “Democracia e perda de direitos no Brasil”, diante de um grande público que lotou o auditório da Casa do Alentejo em Lisboa, no dia 22, terça feira, em evento organizado pelo Núcleo do Partido dos Trabalhadores de Lisboa com o apoio da Fundação Saramago, do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL) e do Coletivo Andorinha – Frente Democrática Brasileira de Lisboa. Tarso Genro também estava presente e fez uma breve introdução  sobre a situação política brasileira.

Tarso Genro Foto: Luiz Benevides

Diversos dirigentes políticos, intelectuais,  professores e estudantes portugueses e brasileiros compareceram ao evento, que contou com a cobertura de vários veículos de comunicação importantes de Portugal. Ativistas de diversas associações portuguesas também estiveram presentes. Na ocasião, após as falas dos dois conferencistas, representantes dos três partidos políticos que governam atualmente o país, em uma histórica aliança da esquerda portuguesa, declararam apoio a luta pela retomada da democracia  no Brasil:  Isabel Moreira, do Partido Socialista (do primeiro ministro Antonio Costa), Rita Rato, do Partido Comunista Português  e Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda.

Deputada Isabel Moreira (Partido Socialista) Foto: Luiz Benevides

Deputada Joana Mortágua (Bloco de Esquerda) Foto: Luiz Benevides

Deputada Rita Rato (Partido Comunista Português) Foto: Luiz Benevides

Fernando Haddad está fazendo uma série de viagens internacionais para discutir questões referentes às ameaças democráticas no Brasil e em outros países, tendo em vista  o crescimento da extrema direita no mundo. Dentro deste contexto, ele  já esteve nos Estados Unidos e Uruguai. Em sua viagem a Europa, Haddad veio acompanhado por Tarso Genro e estiveram juntos na Espanha. Ambos chegaram  a Portugal na segunda-feira (21). Haddad foi presenteado com um cravo pelo SPGL, um simbolo da revolução de 25 de Abril de 1974, que derrubou a ditadura do Estado Novo que durou 41 anos, e reconquistou a democracia em Portugal. Foi também presenteado pela viúva de Alípio de Freitas, Guadalupe Magalhães Portelinha, com um livro biográfico dedicado ao importante militante socialista português e um dos fundadores das Ligas Camponesas no Brasil, na década de 1960.

No inicio da sua exposição, diante da calorosa recepção do público, o dirigente petista disse: “Tenho a nítida sensação aqui que ganhamos a eleição. Assim que tem que ser para ganhar a próxima. Não podemos sair de cabeça baixa de uma eleição, mas sempre de forma altiva e encarando os desafios que temos pela frente, que não são pequenos, são grandes.”  Haddad acrescentou que gostaria de compartilhar  com todos o que está acontecendo no Brasil e esclareceu os motivos de suas viagens. “Eu já estive nos EUA com os socialistas democráticos liderados por Bernie Sanders. Na ocasião estava lá o Varoufákis (um dos lideres do partido Syrisa da Grécia), estava lá também a ideia da internacional progressista. Tivemos também com o pessoal da Frente Ampla do Uruguai, visitei o Mujica, para conversar sobre a situação atual e estive também  com os companheiros do Podemos, com os socialistas que governam a Espanha, e aqui (Portugal), para aprender com as experiências exitosas no mundo – lembrando que o PT ofereceu sua experiência para o mundo também e inspirou muitas dessas experiências que hoje estão no poder – e para trocar informações e impressões da realidade política contemporânea”

Foto: Ricardo Stuckert

Para Haddad, as árduas conquistas históricas da classe trabalhadora, das mulheres, dos negros, iniciadas no final do século XVIII e que prosseguiram no século XIX (que o historiador  Eric Hobsbawm definiu como a Era das Revoluções), são frutos de árduas lutas, e incontáveis derrotas e que nada veio de graça no campo da democracia. Ele lembrou a luta pelos direitos civis e a luta pelos direitos políticos. “Em alguns países as mulheres só conseguiram o direito ao voto depois da II Guerra Mundial, os negros americanos eram impedidos de fazer registro para votar apesar de a abolição ter acontecido numa guerra civil há cem anos. Tudo isso foram jornadas de lutas, da ampliação de direitos. Os direitos sociais são recém-conhecidos. Não havia ideia de um sistema universal de saúde publica, de um sistema de educação publica, um sistema previdenciário, assistencial, toda a legislação trabalhista”.

Haddad mencionou a presença mais recentemente da pauta ambiental, “que não deixa de ser uma jornada ligada aos direitos, porém direitos geracionais, que é preservar o planeta para futuras gerações, são direitos para quem não está entre nós ainda.” Hoje no Brasil, para o líder petista, nada disso está preservado, pois “quando você perde para a direita e para a centro-direita parte disso (direitos sociais) está preservado, mas, quando você perde para a extrema direita, sobretudo dessa natureza que assumiu a presidência no Brasil, tudo esta em discussão. A escola laica esta em discussão, a auto-organização do movimento popular esta em risco, porque pode ou não ser tratado como terrorista. Ao longo do processo de redemocratização do país pós-ditadura militar, não havia duvidas. O PSDB sabia respeitar as lideranças dos movimentos sociais com diferenças em relação a nós (PT), mas ao menos no discurso havia o respeito com os direitos consagrados na Constituição.”

O líder petista enfatizou que não são apenas os direitos sociais e ambientais, mas também os direitos civis e políticos que estão ameaçados. “A imprensa trata com naturalidade, por exemplo, o ministro da educação dizer que o ENEM é do presidente da República e que pode alterar a prova elaborada por educadores. Quem é Bolsonaro para julgar educadores? Se você conversa com qualquer interlocutor lá fora, as pessoas estão perplexas em relação ao Brasil. Há uma discrepância entre o que é veiculado no Brasil e o que é veiculado fora. Basta ver a repercussão do discurso de Davos na imprensa internacional e na imprensa local. Na local, estamos quase diante de um discurso de estadista, de seis minutos, mas de estadista. Na imprensa internacional a frustração é enorme ao que foi dito. O Brasil nunca foi tão mal em um fórum internacional. O presidente sequer conseguia falar o que tinha ido dizer. Uma fala contraditória. Não se sabe qual o projeto de país, as idas e vindas são dramáticas. Você pode amanhã receber a noticia que nada que foi dito hoje esta valendo, porque há também uma tutela sobre o que é dito por parte dos militares. Então você tem um núcleo fundamentalista do governo obscurantista, você tem um núcleo neoliberal você tem a tutela militar.” Haddad comentou  as denuncias recentes contra o clã Bolsonaro e seu envolvimento com as milícias. “Quando você lê as noticias sobre a família Bolsonaro, vê-se transações financeiras inexplicáveis, evolução patrimonial que ninguém entende. A vinculação com milicias esta cada vez mais explicitada. Os gabinetes coalhados de milicianos.”

Haddad concluiu trazendo grande esperança ao complexo futuro que se apresenta ao Brasil. “Estamos em um momento dramático, mas que conta com a sociedade civil que vai se organizar, que não vai ficar passiva diante do que está acontecendo.  O que compete a esquerda, a centro-esquerda e a esquerda democrática fazer?(…) faltou a esquerda mundial oferecer uma alternativa a crise do neoliberalismo, basicamente a socialização dos prejuízos dos bancos e a explosão da dívida publica dos países em geral. O que nos cabe agora é elaborar um projeto em diálogo com a sociedade, em diálogo com os coletivos, com os movimentos populares e reapresentá-lo porque nós não vamos resgatar o passado, mas nós teremos imaginação suficiente para apresentar um projeto para o futuro.”

Abaixo a cobertura completa do evento.  Vídeo de Bruno Falci

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  1. Pingback: Fernando Haddad é recebido como chefe de estado em Portugal | Jornalistas Livres

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Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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#EleNão

EDITORIAL – HOJE É DIA DE LUTO! PERDEMOS O MENINO GABRIEL

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Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.

Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…

O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus

Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.

Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.

Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.

Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.

Obrigada, querido companheiro!

Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.

 

 

Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres

 

Grande personagem da nossa história: Gabriel, um brasileiro

 

 

 

 

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Golpe

Presidência cavalga para fora dos marcos do Estado de Direito

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Por Ruy Samuel Espíndola*

O Governo, num Estado de Direito, deve ser eleito, e, depois de empossado, deve ser exercido de acordo com regras pré-estabelecidas na Constituição. Essas são as regras do jogo, tanto para a tomada do poder, quanto para o seu exercício, como ensina Norberto Bobbio. Governo entendido aqui como o conjunto das instituições eletivas, representadas por seus agentes políticos eleitos pelo voto popular. Governo que, numa República Federativa e Presidencialista como a brasileira, é exercido no plano da União Federal, pela chefia do Executivo, pela Presidência da República e seus ministros, como protagonistas e pelo Congresso Nacional, com os deputados federais e senadores, como coadjuvantes.

Ao Governo, exercente máximo da política, devem ser feitas algumas perguntas, para saber de sua legitimidade segundo o direito vigente: quem pode exercê-lo e com quais procedimentos? Ao se responder a tais questões, desvela-se o mote que intitula este breve ensaio.

Assim, pode-se dizer “Governo constitucional” aquele eleito segundo as regras estabelecidas na Constituição: partido regularmente registrado, que, em convenção, escolheu candidato, que, por sua vez, submetido ao crivo do sufrágio popular, logrou êxito eleitoral. Sufrágio que culminou após livre processo eleitoral, no qual se assegurou, em igualdade de condições, propaganda eleitoral e manejo de recursos para a promoção da candidatura e de suas bandeiras, e que não sofreu, ao longo da disputa, nenhum impedimento ou sanção do órgão executor e fiscalizador do processo eleitoral: a justiça eleitoral. Justiça que, através do diploma, habilita, legalmente, o candidato escolhido nas urnas, a se investir de mandato e exercê-lo. Um governo constitucional, assim compreendido, merece tal adjetivação jurídico-politica, ainda que durante o período de campanha ou antes ou depois dele, o candidato e futuro governante questione o processo de escolha, coloque em dúvida sua idoneidade, ou mesmo diga que não estará disposto a aceitar outro resultado eleitoral que não o de sua vitória, ou, após conhecer o resultado da eleição, diga que o conjunto de seus adversários podem mudar para outros países, pois não terão vez em nossa Pátria e irão para a “ponta da praia” .

O Governo constitucional, sob o prisma de seu exercício, após empossado, é aquele que respeita a mínimas formas constitucionais, enceta suas políticas mediante os instrumentos estabelecidos na Constituição: sanciona e publica leis que antes foram deliberadas congressualmente; dá posse a altas autoridades que foram sabatinadas pelas casas do congresso; não usa de sua força, de suas armas, a não ser de modo legítimo, respeitando a oposição, as minorias e os direitos fundamentais das pessoas e de entes coletivos; administra os bens públicos e arrecada recursos públicos de acordo com a lei pré-estabelecida, sem confisco e de modo impessoal; acata as prerrogativas do Judiciário e do Legislativo, ainda que discorde ou se desconforte com suas decisões; prestigia as competências federativas, tanto legislativas, quanto administrativas, etc, etc. Promove a unidade nacional, em atitudes, declarações públicas e políticas concretamente voltadas a tal fim.

O “Governo constitucionalista”, por sua vez, além de ascender ao poder e exercê-lo, tendo em conta regras constitucionais, como faz um governo constitucional, defende o projeto constitucional de Estado e Sociedade, através do respeito amplo, dialógico e progressivo do projeto constituinte assentado na Constituição. Respeita a história política que culminou no processo reconstituinte e procura realizá-lo de acordo com as forças políticas e morais de seu tempo, unindo-as, ainda que no dissenso, através da busca de consensos mínimos no que toca ao projeto democrático e civilizatório em constante construção sempre inacabada. E governo constitucionalista, no Brasil, hoje, para merecer esse elevado grau de significação político-democrática e civilizatória, precisa respeitar a gama de tarefas e missões constitucionais descritas em inúmeras normas constitucionais que tutelam, entre outros grupos sociais, os índios, os negros, os LGBT, os ateus, os de inclinação política ideológica à esquerda, ou a à direita, ou ao centro, sem criminalização ou marginalização no discurso público de quaisquer tendências ideológicas. É preciso o respeito ao pluralismo político e aos princípios de uma democracia com níveis de democraticidade que não se restringem ao campo majoritário das escolhas políticas, mas, antes, se espraiam para as suas dimensões culturais, sociais, econômicas, sanitárias, antropológicas e sexuais etc, etc.

Governos que ascenderam sem respeito a normas constitucionais, como foi o de Getúlio Vargas em 1930 e o que depôs João Goulart em 1964, são inconstitucionais. E governo que se exerce fechando o congresso e demitindo ministros do STF, como se fez em 1969, com a aposentação compulsória dos ministros da Corte Suprema Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, são governos inconstitucionais, arbitrários, autocráticos, fora do projeto civilizatório e democrático de 1988.

O ponto crítico de nosso ensaio é que um governo pode ascender de modo constitucional, mas passar a ser exercido de modo inconstitucional e/ou de modo inconstitucionalista. O governo do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é um exemplo deste último e exótico tipo: consegue ser inconstitucional e inconstitucionalista no seu exercício, embora investido de maneira constitucional.

E o conjunto de declarações da reunião ministerial de 22/4, dadas a conhecer em 22/5, é um exemplo recente a elucidar nossa asserção: na fala presidencial, a violação ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CF) ressoa quando afirma que deseja agir para que familiares seus e amigos não sejam prejudicados pela ação investigativa de órgãos de segurança (polícia federal). Na fala do ministro da Educação, quando afirma “que odeia” a expressão “povos indígenas” e os “privilégios” garantidos a esses no texto constitucional, o que indica contrariar o constitucionalismo positivado nos signos linguístico-normativos “população”, “terras”, “direitos”, “língua”, “grupos” e “comunidades indígenas”, constantes nos artigos 22, XIV, 49, XVI, 109, XI, 129, V, 176, § 1º, 215, § 1º, 231, 232 da CF e 67 do ADCT. Essa fala ministerial, aliás, ressoa discurso de campanha de 2018, quando o então candidato disse, no clube israelita de São Paulo: “No meu governo, não demarcarei nenhum milímetro de terras para indígenas. Também há inconstitucionalismo evidente na fala do Ministro do Meio Ambiente quando defendeu que se fizessem “reformas infralegais” “de baciada”, “para passar a boiada”, “de porteira aberta”, no momento em que o País passa pela pandemia de covid-19, pois o foco de vigília crítica da imprensa não seria o tema ambiental, mas o sanitário e pandêmico, o que facilitaria os intentos inconstitucionalistas contra a matéria positivada nos arts. 23, VI, 24, VI e VII, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VII, 225 e §§ da CF.

Outras falas e atitudes presidenciais ainda mais recentes, e de membros do governo, contrastam com as normas definidoras da separação de poderes, da federação e da democracia, princípios fundamentais estruturantes de nossa comunidade política naciona. A nota do general Augusto Heleno, chefe do GSI, ao dizer que eventual requisição judicial do celular presidencial pelo STF, levaria à instabilidade institucional, traz desarmonia e agride ao artigo 2º, caput, da Constituição Federal. “Chega, não teremos mais um dia como hoje” e “Decisões judiciais absurdas não se cumprem”. Essas falas presidenciais, após o cumprimento de mandados judiciais no âmbito do inquérito judicial do STF, ordenados pelo Ministro Alexandre Moraes, agridem o mesmo dispositivo constitucional, com o agravante do artigo 85, II e VIII, da CF, que positiva ser crime de responsabilidade do presidente atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário. E o atentado contra a democracia poderia ser também destacado na fala do filho do Presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro, que declarou estarmos próximos de uma ruptura e que seu pai seria chamado, com razão, de ditador, a depender das atividades investigativas do judiciário, tomadas como agressões ao governo de seu genitor. E o atentado contra a federação se evidencia nas falas presidenciais contra os governadores e prefeitos que estão a tomar medidas sanitárias no combate a covid-19, em que o presidente objetiva desacreditá-los e incitar suas populações contra esses chefes dos executivos estaduais e municipais, para que rompam o isolamento social, com agressão patente aos artigos 1º e 85, II, da Constituição. Os ataques diários aos órgãos de imprensa e a jornalistas, assim como sua atitude contra indagações de repórteres, também afrontam o texto da constituição da República: 5º, IX e XIV, 220 §§ 1º e 2º, protegidos pelo art. 85, III, da CF.

Em nossa análise temporalmente situada e teoricamente atenta, o conjunto de declarações públicas conhecidas do então deputado federal Jair Bolsonaro, desde seu primeiro mandato parlamentar, alcançado em 1990, portanto após o marco constitucional de 1988, embora constituam falas inconstitucionais e inconstitucionalistas, não servem para descaracterizar a “constitucionalidade” de sua eleição em 2018. Embora ainda reste, junto ao TSE, o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral por abuso dos meios de comunicação social, que poderão ganhar novos elementos de instrução resultantes da CPI no Congresso sobre fake news e do inquérito judicial do STF com objeto semelhante. Sua eleição presidencial se mantém válida, assim como sua posse, enquanto essa ação eleitoral não for julgada definitivamente  pela Suprema Corte eleitoral brasileira.

Algumas de suas falas públicas inconstitucionalistas e inconstitucionais pré-presidenciais devem ser lembradas: “Erro da ditadura foi torturar e não matar”; “O Brasil só vai mudar quando tivermos uma guerra civil, quando matarmos uns trinta mil, não importa se morrerem alguns inocentes”; “Os tanques e o exército devem voltar às ruas e fechar o congresso nacional”, etc. E durante o processo eleitoral de 2018, falas inconstitucionalistas também foram proferidas: “No meu governo, não demarcarei um milímetro de terras para indígenas”. “O Brasil não tem qualquer dívida com os descendentes de escravos. Nossa geração não tem culpa disso, mesmo porque os próprios negros, na África, escravizavam a si mesmos”, entre outras.

A resposta a nossa indagação: embora tenhamos um governo eleito de modo constitucional – até decisão final do TSE -, ele está sendo exercido de modo inconstitucional e de modo inconstitucionalista. A Presidência da República atual, caminha, inconstitucionalmente para fora do marco do Estado de Direito. E o passado pré-presidencial do presidente da República demonstra que o seu inconstitucionalismo governamental não é episódico e sim coerente com toda a sua linha de pensamento e ação desde seu primeiro mandato parlamentar federal.

  • Advogado – mestre em Direito UFSC Professor de Direito Constitucional – Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC – Membro Consultor da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB – Imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira 14, Patrono Advogado Criminalista Acácio Bernardes. 

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