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Política

Brasília, posse de Bolsonaro: a gente estava lá

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– Você chegou quando?
– Ontem a noite e você?
– Cheguei ontem também.
– Em qual voô? Você está em qual hotel?
– Vim de ônibus, fiquei 17 horas, dormi com a família na rodoviária e viemos pra cá hoje.

 

Segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

No dia anterior à posse de Jair Bolsonaro, aproximadamente 120 pessoas e 38 vendedores ambulantes ocupavam o gramado próximo aos Ministérios, na Esplanada, em Brasília.

Entre camisetas verdes e amarelas, arminhas com as mãos e gritos de “mito”, uma dupla chamava a atenção: Janete, do Espirito Santo, carregava com orgulho a bandeira dos Estados Unidos, e Altamir, do Rio de Janeiro, a de Israel. “Nossa história está amarrada com Israel. Francisco Pereira Coutinho foi o primeiro israelense a pisar aqui. Eles não contam pra gente mas a história de Israel anda lado a lado com o Brasil. O “RASI” de “BRASIL” vem de “ISRAEL” ao contrário”, justificou Altamir ao ser questionado porque estava abraçado à bandeira de Israel.

Foto Lucas Martins / Jornalistas Livres

Priscila estava com 3 amigas que vieram de Porto Alegre, disse que elas chegariam às 02h da manhã do dia primeiro para pegar um lugar privilegiado e conseguir ver Jair Bolsonaro subir a rampa do Congresso e os tiros dos canhões.

Terça-feira, 01 de janeiro de 2019

As ruas do entorno foram bloqueadas num raio de cerca de 3 quilometros. Para chegar até a Esplanada dos Ministérios somente andando. A Rodoviária do Plano Piloto passou o dia vazia segundo os jornais locais, sugerindo que os moradores das cidades satélites de Brasília não compareceram à posse pelo mesmo motivo já dito acima.  Patricia, a gerenta da pastelaria Viçosa, criou um pastel gourmet com o nome de Bolsonaro (ricota, pêssego em calda e espinafre) para tentar atrair a clientela, mas até o horário do Almoço nenhuma unidade tinha sido vendida.

https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/347600336065555/

Foto Lucas Martins / Jornalistas Livres

Por sorte, logo que passamos pelo primeiro dos 4 pontos de revista, cruzamos novamente com Priscila, moça de Porto Alegre que havia chegado no dia anterior. Com um sorriso no rosto, disse que estava chegando para ver o Brasil mudar. Ela contou que da janela do hotel Windsor, onde estava hospedada, dava para ver a Esplanada e que só saiu de casa quando viu que algumas pessoas começaram a chegar. “O portão abriu às 08h mas saímos as 10h. Por causa da chuva o pessoal decidiu vir mais tarde, né?!” A diária mais barata encontrada entre os dias 31/12 e 01/01 custava R$ 250,00.Quatro bloqueios foram montados entre a Rodoviária e a Praça dos Três Poderes. Não foi permitida a entrada de bolsas, mochilas, animais, carrinhos de bebê, garrafinhas de água, comidas em potes transparentes, guardas-chuva, isqueiros, facas, lasers e armas de fogo. No primeiro bloqueio as frutas foram permitidas mas os agentes do governo furavam todas com facas ou garfos – a justificativa era de podia ter alguma coisa escondida lá dentro. Os agentes apenas esqueceram de avisar que no último “check point” seria proibida a entrada de todo e qualquer alimento. Quem comeu, comeu, quem não comeu…todos tiveram que jogar as frutas fora e passar o resto do dia sem se alimentar.

Foto Lucas Martins / Jornalistas Livres

Às 13 horas havia aproximadamente 200 pessoas no cercado do Congresso Nacional. Ali seria o local onde Jair Bolsonaro subiria para assinar o termo de posse e onde os canhões detonariam 21 tiros – uma tradicional salva de gala sempre dedicada ao Presidente e a chefes de Estado em visita pelo país. Quem chegou às 08h, quando os portões foram abertos, ou quem chegou depois das 13h, ocupou o mesmo espaço, sem qualquer dificuldade.

Com faixas com os dizeres “Ustra Neles”, “Pró Life; Pró God; Pró Gun” (Pró-vida; Pró-Deus; Pró-Armas), “Olavo tem razão”, “PT nunca mais” e etc, milhares de pessoas gritavam “mito” de tempos em tempos. Quando questionados sobre as mudanças que queriam ver nos seis primeiros meses do governo Bolsonaro, a resposta era tão genérica quanto o Plano de Governo do presidente eleito: “Precisamos de uma mudança no país, na questão de comportamento, de educação… é importante. Tem que ter bastante mudança. Precisa ter muita mudança. Primeiro na segurança e na educação. Eu concordo [que tem que ter só português e matemática na base curricular] porque é essencial, são as mais essenciais, tanto português quanto matemática vão ser as mais essenciais para mudança do nosso país”.

O forte esquema de segurança que contou com 12 mil agentes e 32 km de cercas fez com que milhares de pessoas desistissem de assistir a cerimônia e fossem embora antes das 16h, quando Bolsonaro ainda estava dentro do Congresso. Com isso, às 16h20, dois dos quatro pontos de revista já estavam desmontados e era possível entrar sem qualquer fiscalização. A essa hora, Bolsonaro ainda não havia subido a rampa, mas a rígida segurança anunciada dias antes já estava frouxa.

Um caminhão de som com 6 pessoas estava na parte de cima da Rodoviária do Plano Piloto perto das 17h. Pouquíssimas pessoas olhavam para o telão durante o momento em que Michel Temer passou a faixa a Jair Bolsonaro. O clima era de fim de festa, mesmo que a festa ainda estivesse rolando.

O não-pertencimento

O público bem-arrumado, com boné da Louis Vuitton, que chegou a Brasília de avião e se  hospedou nos hotéis do Plano Piloto ficou chocado com as poucas pessoas que vieram de ônibus ou carro para acompanhar a cerimônia. Perto de um dos pontos de água foi possível ouvir o seguinte diálogo:

– Você chegou quando?
– Ontem a noite e você?
– Cheguei ontem também.
– Em qual voô? Você está em qual hotel?
– Vim de ônibus, fiquei 17 horas, dormi com a família na rodoviária e viemos pra cá hoje.

Neste momento o rapaz ficou chocado. Como alguém toparia 17 horas de viagem e dormir na rodoviária? Ficou claro o constrangimento da família mais simples e a surpresa do rapaz do hotel que não se conformava com alguém se sujeitando àquilo.

Pairava sobre as pessoas mais simples um clima de não-pertencimento. A população que enfrentou horas e horas de ônibus, que trouxe sua própria comida porque não podia gastar e que acredita que Jair Bolsonaro pode ajudar a mudar o país se sentia deslocada ao lado daquela gente que não precisava fazer bate e volta para trabalhar no dia 02. Apesar de estarem juntos na mesma festa, não havia integração entre os grupos, era cada um na sua.

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2 Comments

2 Comments

  1. PAULO

    04/01/19 at 6:16

    Que desastre cometeram e será triste a consciência disso.

  2. Bened Rodrigues de Souza

    04/01/19 at 16:00

    Isso é real! E palpável,teremos os piores 4 anos ,em 500 anos.com as redes sociais,e internet,os eleitos são produto de nossa i inteligência,lamentVel,não passamos no teste.

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Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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#EleNão

EDITORIAL – HOJE É DIA DE LUTO! PERDEMOS O MENINO GABRIEL

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Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.

Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…

O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus

Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.

Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.

Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.

Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.

Obrigada, querido companheiro!

Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.

 

 

Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres

 

Grande personagem da nossa história: Gabriel, um brasileiro

 

 

 

 

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Golpe

Presidência cavalga para fora dos marcos do Estado de Direito

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Por Ruy Samuel Espíndola*

O Governo, num Estado de Direito, deve ser eleito, e, depois de empossado, deve ser exercido de acordo com regras pré-estabelecidas na Constituição. Essas são as regras do jogo, tanto para a tomada do poder, quanto para o seu exercício, como ensina Norberto Bobbio. Governo entendido aqui como o conjunto das instituições eletivas, representadas por seus agentes políticos eleitos pelo voto popular. Governo que, numa República Federativa e Presidencialista como a brasileira, é exercido no plano da União Federal, pela chefia do Executivo, pela Presidência da República e seus ministros, como protagonistas e pelo Congresso Nacional, com os deputados federais e senadores, como coadjuvantes.

Ao Governo, exercente máximo da política, devem ser feitas algumas perguntas, para saber de sua legitimidade segundo o direito vigente: quem pode exercê-lo e com quais procedimentos? Ao se responder a tais questões, desvela-se o mote que intitula este breve ensaio.

Assim, pode-se dizer “Governo constitucional” aquele eleito segundo as regras estabelecidas na Constituição: partido regularmente registrado, que, em convenção, escolheu candidato, que, por sua vez, submetido ao crivo do sufrágio popular, logrou êxito eleitoral. Sufrágio que culminou após livre processo eleitoral, no qual se assegurou, em igualdade de condições, propaganda eleitoral e manejo de recursos para a promoção da candidatura e de suas bandeiras, e que não sofreu, ao longo da disputa, nenhum impedimento ou sanção do órgão executor e fiscalizador do processo eleitoral: a justiça eleitoral. Justiça que, através do diploma, habilita, legalmente, o candidato escolhido nas urnas, a se investir de mandato e exercê-lo. Um governo constitucional, assim compreendido, merece tal adjetivação jurídico-politica, ainda que durante o período de campanha ou antes ou depois dele, o candidato e futuro governante questione o processo de escolha, coloque em dúvida sua idoneidade, ou mesmo diga que não estará disposto a aceitar outro resultado eleitoral que não o de sua vitória, ou, após conhecer o resultado da eleição, diga que o conjunto de seus adversários podem mudar para outros países, pois não terão vez em nossa Pátria e irão para a “ponta da praia” .

O Governo constitucional, sob o prisma de seu exercício, após empossado, é aquele que respeita a mínimas formas constitucionais, enceta suas políticas mediante os instrumentos estabelecidos na Constituição: sanciona e publica leis que antes foram deliberadas congressualmente; dá posse a altas autoridades que foram sabatinadas pelas casas do congresso; não usa de sua força, de suas armas, a não ser de modo legítimo, respeitando a oposição, as minorias e os direitos fundamentais das pessoas e de entes coletivos; administra os bens públicos e arrecada recursos públicos de acordo com a lei pré-estabelecida, sem confisco e de modo impessoal; acata as prerrogativas do Judiciário e do Legislativo, ainda que discorde ou se desconforte com suas decisões; prestigia as competências federativas, tanto legislativas, quanto administrativas, etc, etc. Promove a unidade nacional, em atitudes, declarações públicas e políticas concretamente voltadas a tal fim.

O “Governo constitucionalista”, por sua vez, além de ascender ao poder e exercê-lo, tendo em conta regras constitucionais, como faz um governo constitucional, defende o projeto constitucional de Estado e Sociedade, através do respeito amplo, dialógico e progressivo do projeto constituinte assentado na Constituição. Respeita a história política que culminou no processo reconstituinte e procura realizá-lo de acordo com as forças políticas e morais de seu tempo, unindo-as, ainda que no dissenso, através da busca de consensos mínimos no que toca ao projeto democrático e civilizatório em constante construção sempre inacabada. E governo constitucionalista, no Brasil, hoje, para merecer esse elevado grau de significação político-democrática e civilizatória, precisa respeitar a gama de tarefas e missões constitucionais descritas em inúmeras normas constitucionais que tutelam, entre outros grupos sociais, os índios, os negros, os LGBT, os ateus, os de inclinação política ideológica à esquerda, ou a à direita, ou ao centro, sem criminalização ou marginalização no discurso público de quaisquer tendências ideológicas. É preciso o respeito ao pluralismo político e aos princípios de uma democracia com níveis de democraticidade que não se restringem ao campo majoritário das escolhas políticas, mas, antes, se espraiam para as suas dimensões culturais, sociais, econômicas, sanitárias, antropológicas e sexuais etc, etc.

Governos que ascenderam sem respeito a normas constitucionais, como foi o de Getúlio Vargas em 1930 e o que depôs João Goulart em 1964, são inconstitucionais. E governo que se exerce fechando o congresso e demitindo ministros do STF, como se fez em 1969, com a aposentação compulsória dos ministros da Corte Suprema Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, são governos inconstitucionais, arbitrários, autocráticos, fora do projeto civilizatório e democrático de 1988.

O ponto crítico de nosso ensaio é que um governo pode ascender de modo constitucional, mas passar a ser exercido de modo inconstitucional e/ou de modo inconstitucionalista. O governo do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é um exemplo deste último e exótico tipo: consegue ser inconstitucional e inconstitucionalista no seu exercício, embora investido de maneira constitucional.

E o conjunto de declarações da reunião ministerial de 22/4, dadas a conhecer em 22/5, é um exemplo recente a elucidar nossa asserção: na fala presidencial, a violação ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CF) ressoa quando afirma que deseja agir para que familiares seus e amigos não sejam prejudicados pela ação investigativa de órgãos de segurança (polícia federal). Na fala do ministro da Educação, quando afirma “que odeia” a expressão “povos indígenas” e os “privilégios” garantidos a esses no texto constitucional, o que indica contrariar o constitucionalismo positivado nos signos linguístico-normativos “população”, “terras”, “direitos”, “língua”, “grupos” e “comunidades indígenas”, constantes nos artigos 22, XIV, 49, XVI, 109, XI, 129, V, 176, § 1º, 215, § 1º, 231, 232 da CF e 67 do ADCT. Essa fala ministerial, aliás, ressoa discurso de campanha de 2018, quando o então candidato disse, no clube israelita de São Paulo: “No meu governo, não demarcarei nenhum milímetro de terras para indígenas. Também há inconstitucionalismo evidente na fala do Ministro do Meio Ambiente quando defendeu que se fizessem “reformas infralegais” “de baciada”, “para passar a boiada”, “de porteira aberta”, no momento em que o País passa pela pandemia de covid-19, pois o foco de vigília crítica da imprensa não seria o tema ambiental, mas o sanitário e pandêmico, o que facilitaria os intentos inconstitucionalistas contra a matéria positivada nos arts. 23, VI, 24, VI e VII, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VII, 225 e §§ da CF.

Outras falas e atitudes presidenciais ainda mais recentes, e de membros do governo, contrastam com as normas definidoras da separação de poderes, da federação e da democracia, princípios fundamentais estruturantes de nossa comunidade política naciona. A nota do general Augusto Heleno, chefe do GSI, ao dizer que eventual requisição judicial do celular presidencial pelo STF, levaria à instabilidade institucional, traz desarmonia e agride ao artigo 2º, caput, da Constituição Federal. “Chega, não teremos mais um dia como hoje” e “Decisões judiciais absurdas não se cumprem”. Essas falas presidenciais, após o cumprimento de mandados judiciais no âmbito do inquérito judicial do STF, ordenados pelo Ministro Alexandre Moraes, agridem o mesmo dispositivo constitucional, com o agravante do artigo 85, II e VIII, da CF, que positiva ser crime de responsabilidade do presidente atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário. E o atentado contra a democracia poderia ser também destacado na fala do filho do Presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro, que declarou estarmos próximos de uma ruptura e que seu pai seria chamado, com razão, de ditador, a depender das atividades investigativas do judiciário, tomadas como agressões ao governo de seu genitor. E o atentado contra a federação se evidencia nas falas presidenciais contra os governadores e prefeitos que estão a tomar medidas sanitárias no combate a covid-19, em que o presidente objetiva desacreditá-los e incitar suas populações contra esses chefes dos executivos estaduais e municipais, para que rompam o isolamento social, com agressão patente aos artigos 1º e 85, II, da Constituição. Os ataques diários aos órgãos de imprensa e a jornalistas, assim como sua atitude contra indagações de repórteres, também afrontam o texto da constituição da República: 5º, IX e XIV, 220 §§ 1º e 2º, protegidos pelo art. 85, III, da CF.

Em nossa análise temporalmente situada e teoricamente atenta, o conjunto de declarações públicas conhecidas do então deputado federal Jair Bolsonaro, desde seu primeiro mandato parlamentar, alcançado em 1990, portanto após o marco constitucional de 1988, embora constituam falas inconstitucionais e inconstitucionalistas, não servem para descaracterizar a “constitucionalidade” de sua eleição em 2018. Embora ainda reste, junto ao TSE, o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral por abuso dos meios de comunicação social, que poderão ganhar novos elementos de instrução resultantes da CPI no Congresso sobre fake news e do inquérito judicial do STF com objeto semelhante. Sua eleição presidencial se mantém válida, assim como sua posse, enquanto essa ação eleitoral não for julgada definitivamente  pela Suprema Corte eleitoral brasileira.

Algumas de suas falas públicas inconstitucionalistas e inconstitucionais pré-presidenciais devem ser lembradas: “Erro da ditadura foi torturar e não matar”; “O Brasil só vai mudar quando tivermos uma guerra civil, quando matarmos uns trinta mil, não importa se morrerem alguns inocentes”; “Os tanques e o exército devem voltar às ruas e fechar o congresso nacional”, etc. E durante o processo eleitoral de 2018, falas inconstitucionalistas também foram proferidas: “No meu governo, não demarcarei um milímetro de terras para indígenas”. “O Brasil não tem qualquer dívida com os descendentes de escravos. Nossa geração não tem culpa disso, mesmo porque os próprios negros, na África, escravizavam a si mesmos”, entre outras.

A resposta a nossa indagação: embora tenhamos um governo eleito de modo constitucional – até decisão final do TSE -, ele está sendo exercido de modo inconstitucional e de modo inconstitucionalista. A Presidência da República atual, caminha, inconstitucionalmente para fora do marco do Estado de Direito. E o passado pré-presidencial do presidente da República demonstra que o seu inconstitucionalismo governamental não é episódico e sim coerente com toda a sua linha de pensamento e ação desde seu primeiro mandato parlamentar federal.

  • Advogado – mestre em Direito UFSC Professor de Direito Constitucional – Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC – Membro Consultor da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB – Imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira 14, Patrono Advogado Criminalista Acácio Bernardes. 

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