Aumento dos assassinatos no campo, ameaças contra órgãos fiscalizadores do meio ambiente e investidas contra o território camponês marcam período pré e pós-eleitoral

 Os meses de outubro e novembro foram marcados por uma nova escalada da violência contra os povos do campo, em especial contra os indígenas. Em três dias de outubro, três pessoas foram assassinadas. Uma liderança camponesa e dois indígenas. Já em novembro, um indígena ficou paraplégico em decorrência do tiro que levou e um Pataxó foi assassinado na Bahia. Dados parciais da CPT apontam 22 assassinatos em conflitos no campo em 2018. Despejos e ameaças de despejos também se multiplicaram. Na região Norte do país, as equipes do Ibama e do ICMBio sofreram ataques ainda no intervalo entre o primeiro e o segundo turno eleitoral, durante operações de combate ao desmatamento ilegal nos estados de Rondônia e Pará.

 

No dia 19 de outubro, uma equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi impedida de entrar na Floresta Nacional Itaituba 2, quando a única ponte que dava acesso ao local foi incendiada por moradores de Bela Vista do Caracol. Parte da população local vive da extração ilegal de madeira e palmito. Segundo o ICMBio, também foram bloqueados outros dois acessos à mata e tiros foram disparados para o alto, na tentativa de intimidar os agentes ambientais. “No que depender de nós, vamos agir. Onde eles entrarem, nós vamos queimar ponte, vamos fazer coisas para eles sempre sofrerem”, disse um morador em uma gravação. Os fiscais do Instituto precisaram pedir reforço da Polícia Militar para deixar a floresta. Eles aplicaram 11 multas por desmatamento ilegal e apreenderam caminhões, tratores e motosserras. 

Já no dia 20, três carros do Ibama foram incendiados na cidade de Buritis, em Rondônia, quando as equipes se preparavam para sair para mais uma operação. Um suspeito foi preso. Em julho do ano passado, oito carros do Instituto foram queimados na cidade de Altamira, sudoeste do Pará, e três meses depois, as sedes do Ibama e do ICMBio, em Humaitá, sul do Amazonas, foram incendiadas. Tudo isso após uma operação de combate ao garimpo ilegal no Rio Madeira. Essa sucessão de ataques se concentrou no chamado arco do desmatamento, que começa no norte de Rondônia, passa pelo sul do Amazonas e segue até o oeste do Pará. A região é área de cobiça de garimpeiros, madeireiros e grileiros, por ser uma das áreas mais ricas em biodiversidade na Amazônia. 

Nova escalada de violência no campo

No dia 11 de outubro, o líder sindical Aluísio Sampaio, conhecido como Alenquer, foi assassinado na casa onde morava, em Castelo dos Sonhos, município de Altamira, sudoeste paraense. Sua casa, localizada ao lado da BR-163, também funcionava como sede do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (Sintraf), do qual era presidente. Dois suspeitos foram detidos por roubo de terras e pelo assassinato, de acordo com a Polícia Civil de Itaituba (PA). São eles Júlio Cesar Dal Magro, conhecido como Júlio da Guara, proprietário da empresa Guara Agroserviços, em Novo Progresso (PA), que seria o homem que supostamente estaria por trás do assassinato, e João Paulo Ferrari, motorista dos supostos assassinos. 

As polícias Civil e Militar realizaram, ainda, uma operação conjunta, deslocando-se até uma fazenda, para prender Marcio Siqueira e seu irmão Vando Siqueira, que estariam também envolvidos no crime, mas foram recebidos a balas. O primeiro foi baleado e morreu no local, o segundo conseguiu fugir mata adentro. A polícia emitiu mais dois mandados de prisão para membros de uma gangue criminosa que, de acordo com a polícia, “invadiu terras e matou pessoas de bem”. A investigação do assassinato está em andamento. 

No dia 10 de outubro, na sede da Funai em Colniza, Mato Grosso, que foi palco de um grande massacre ano passado, que vitimou 9 trabalhadores, um indígena foi morto após um tiroteio. A suspeita é que Erivelton Tenharim tenha sido vítima de um atentado arquitetado por madeireiros, de acordo com denúncia divulgada em Nota da Associação do Povo Indígena Tenharim do Igarapé Preto. Já em Amarante, no Maranhão, no dia 12 de outubro, Davi Mulato Gavião foi assassinado com cinco tiros enquanto dormia na Praça do Mercado, no centro de Amarante, distante três quilômetros de sua aldeia. Relatos dão conta de que dois homens em uma moto pararam próximo a Davi, um deles desceu e efetuou os disparos. A comunidade de Davi também luta contra a ação de madeireiros no Território Indígena. A CPT ainda aguarda mais informações sobre esse caso para poder identificá-lo como assassinato relacionado a conflito por terra ou como um assassinato motivado por ódio e racismo, o que infelizmente tem se tornado comum na nossa sociedade. 

Um atentado a tiros, no dia 6 de novembro, contra o jovem Donecildo Agueiro, de 21 anos, o deixou paraplégico. O indígena Avá-Guarani passou por uma cirurgia para descompressão da medula, no dia 14, mas, por recomendação médica e para não correr o risco de ficar tetraplégico, a bala não foi retirada. 

Segundo Donecildo, um carro com carroceria da Volkswagen, na cor prata, teria sido usado para praticar o atentado. Como os tiros foram disparados pelas costas do indígena, nenhum rosto pode ser reconhecido. O atentado ocorreu após o Avá-Guarani sair de reunião da Coordenação Técnica Regional da Funai, que tratava dos processos de licenciamento de duas linhas de transmissão que passam em Guaíra, com estudos ambientais iniciados. No dia seguinte ao atentado, o desembargador federal Candido Alfredo Leal Junior, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), concedeu uma liminar à Federação Agrícola do Estado do Paraná (Faep) para suspender, por 90 dias, o processo de demarcação de terras dos indígenas Avá-Guarani nos municípios de Terra Roxa e Guaíra, no Oeste do estado. 

Ainda no dia 6, quase no outro extremo do país, o líder indígena Reinaldo Silva Pataxó, de 40 anos, foi assassinado a tiros na aldeia Catarina Caramuru Paraguassú, em Pau Brasil (BA). Ele já havia sido vereador no município e concorreu novamente em 2016, mas não foi eleito. Segundo jornal local, a polícia ainda não tem informações sobre a motivação do crime, mas a principal suspeita é que esteja relacionado a disputa de terras na região. Também no mesmo dia, no Mato Grosso do Sul, outros três ataques foram registrados. Em Dourados, 15 indígenas foram feridos em um ataque de balas de borracha a um acampamento ao lado de uma aldeia Bororo. Outros dois casos de ameaça foram denunciados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no estado. Cerca de 40 caminhonetes fizeram uma carreata a uma retomada indígena em Caarapó, enquanto em Miranda, no Pantanal sul-mato-grossense, fazendeiros soltaram fogos de artifício e realizaram disparos de armas de fogo em direção a um assentamento. 

Violência contra o território também assombra o povo camponês

O discurso do presidente recém-eleito contra povos originários e sem-terra também tem insuflado ações contra os territórios dessas comunidades em todos o Brasil. Quando não atentam contra a vida, atentam a morada e contra a produção. No mês de outubro, um juiz da 1ª Vara Genérica da Comarca de Buritis, no estado de Rondônia, determinou em ordem judicial o despejo de 35 famílias da ocupação Nova Conquista, situada dentro do Distrito de Jacinópolis, no município de Nova Mamoré. Esta foi a segunda reintegração de posse contra o grupo que, há quase dois anos, ocupa uma área de terra remanescente do antigo Seringal Boa Vista, incrustado dentro da Gleba Buriti, pertencente à União, e que foi grilada pela Fazenda Primavera, agora reivindicada pela empresa Agropecuária Rio Machado Industrial e Comércio Limitada. O juiz autorizou ainda a destruição de todos os barracos e demais construções das famílias, assim como as plantações existentes.

No dia 1º de novembro, durante a continuidade de uma reintegração de posse em Palmeirante, no Tocantins, contra a comunidade Gabriel Filho, o pretenso proprietário da área – que responde na Justiça processo criminal pelo assassinato em 2010 de uma das lideranças da comunidade – tentou atropelar com sua camionete um dos agentes da CPT que filmava à distância uma casa sendo demolida. O agente de pastoral conseguiu se esquivar do veículo sem nenhum ferimento. O fazendeiro foi detido e levado para prestar depoimento na Delegacia em Araguaína e a operação de despejo foi suspensa. A comunidade Gabriel Filho é composta por 19 famílias, que desde abril deste ano estão acampadas em uma área vizinha, após terem sido retiradas de suas casas em que viviam há mais de 10 anos. 

Ainda em novembro, uma liminar de despejo propôs a retirada de 450 famílias sem-terra do acampamento Quilombo Campo Grande, no Sul de Minas Gerais. Os agricultores estão acampados há duas décadas no município de Campo do Meio (MG), e o terreno ocupado gera trabalho e renda para cerca de 2 mil pessoas, com larga produção agroecológica ou em transição, com destaque para a produção do Café Guaií. As famílias vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), que encerrou suas atividades em 1996, embora ainda possua dívidas trabalhistas que ultrapassam R$ 300 milhões. Conforme levantamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), neste ano, o acampamento Quilombo Campo Grande possui 40 hectares de horta, 60 mil árvores nativas e 60 mil árvores frutíferas, além da produção de oito toneladas de mel. A safra anual de café chegou a 510 toneladas. As famílias produzem sem o uso de agrotóxicos. Após 24 dias de resistência contra a liminar que ordenou o despejo, o desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant suspendeu a decisão da Vara Agrária. Ele considerou que os acampados “ocupam a área rural por considerável período, aproximadamente 14 anos, com cultivo de lavoura de café entre outros, havendo inclusive imóveis edificados nos quais residem as respectivas famílias”, como afirma o documento. 

No dia 21 de novembro, cerca de 150 famílias de agricultores do acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte, no Ceará, resistiram à ação da Polícia Militar para impedir o cumprimento de uma ordem judicial de despejo em uma área da União, que está localizada em um perímetro irrigado com forte presença do agronegócio. Após a negociação entre as lideranças do acampamento e os oficiais da PM, ficou acertada a suspensão da ação. Foi enviado um vídeo da mobilização dos agricultores para o juiz Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro, da 15ª Vara Federal de Limoeiro do Norte, que autorizou a suspensão do despejo. Os policiais foram embora e não houve confronto. No entanto, a sentença judicial determinando que os agricultores deixem a área continua valendo. Ou seja, as 150 famílias de sem-terra ainda correm o risco de serem despejadas no futuro. No final do mês de novembro, jagunços do grileiro Jorge Bispo, da região de Nova Mamoré, em Rondônia, passaram a aterrorizar famílias entre o Distrito de Bandeirantes (Porto Velho) e o Distrito de Nova Dimensão (Nova Mamoré). No local, no dia 25 de julho deste ano, um conflito resultou na morte de dois jovens, Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira, e de um policial de Guajará Mirim, João Batista da Costa Filho. Outro posseiro ficou ferido na ação.

(Cristiane Passos – CPT Nacional / foto: Joka Madruga)

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