Alceu Estevam, o Mestre “Alceu do Urucungos” partiu em uma viagem para Orum, no dia 18 de junho. Alceu era negro, da periferia, músico, fazedor de cultura, agitador cultural, militante e defensor do movimento negro, e mais recentemente transitava pela área de documentários como vídeo documentarista.
Meses atrás, por conta da partida da grande Raquel Trindade e a minha aproximação com a Cultura Popular foi sugerido que eu escrevesse um texto para os Jornalistas Livres, mas eu pensei nele, no Mestre Alceu, ele sim era a pessoa para escrever. Hoje, eu faço questão de escrever o texto em homenagem a ele, mestre, parceiro e grande amigo.
Alceu José Estevam parte dias antes de completar 59 anos, vítima de um infarto fulminante, ele tinha problemas renais, o que o levou a fazer hemodiálise. No entanto, conseguiu se submeter a transplante renal há cerca de dois anos e estava bem.
Alceu foi um dos fundadores e um dos mais ativos integrantes do grupo Urucungos, Puitas e Quijengues que foi formado por Raquel Trindade a partir de um curso na Unicamp. As suas memórias do samba de bumbo praticado nos quintais das casas de familiares. A sua militância e como fazedor cultural começa no final da década de 70 e início da década de 80 no teatro que o fez perceber que o caminho era a cultura popular e a de matriz africana.
No final da década de 80, ele inicia no curso de extensão universitária criado pela grande Raquel Trindade onde negros funcionários e da comunidade misturavam-se a brancos e orientais, um grande fato multicultural.
O grupo é um praticante das estéticas ligadas ao teatro negro brasileiro, com a marcante presença do samba de bumbo, o samba campineiro.
Nesse ano de 2018, Urucungos, Puitas e Quijengues completa 30 anos de existência e Alceu foi um dos responsáveis por manter vivo os caminhos sonhados e trilhados por Raquel Trindade, o grupo em Campinas, é um dos únicos que mantém a tradição da Nação Maracatu, com a coroação e todas as referências culturais do legado dos Trindade.
Alceu tem papel essencial na história contemporânea da cultura paulista. Ele tem papel fundamental no movimento negro e na preservação da cultura de matriz africana no estado de São Paulo.
Militante atuante no movimento negro abriu caminho fazendo o Museu Afro na PUC de Campinas e representou várias vezes a cultura de matriz africana, lutava por políticas culturais e pelo reconhecimento dos mestras e mestras da nossa cultura. Uma das referências da Cultura Viva no país. Ativista de comunicação digital livre articulou várias ações na área, mais tarde sua paixão por comunicação começou a trilhar um caminho de documentarista.
Junto ao seu caminho de documentarista, Alceu travava uma nova luta pelo reconhecimento do Samba de Bumbo como patrimônio imaterial da cidade de Campinas. O samba do qual ele era herdeiro, seus pais traziam esse legado, e ele lutava pelo reconhecimento do valor cultural.
Alceu era um cara agregador, petista e pontepretano sempre fazia provocações nas redes sociais, mas era incrível, ele discutia, defendia o ponto de vista, eu vi altas tretas dele, mas sempre no final, havia a ponderação do tipo” vamos sentar uma hora e tomar um café para conversar melhor” ou “ discordo do ponto de vista dele mas o cara é um parça e o respeito”. E tudo tinha um final feliz. Ele construía diálogos onde parecia ser impossível.
O nosso diálogo e parceria começou anos atrás, em 2011, com uma proposta de exposição que retratava um recorte importante sobre história do samba em Campinas (SP) , fiquei encantada com a narrativas do mestre. Eu atuava junto a (Cepir) Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial e era responsável pela construção do material expositivo, conversei várias vezes com o Alceu pelo telefone. No dia da abertura da exposição recomecei a fotografar a partir da apresentação do Urucungos. Anos depois, volto para a Secretaria de Cultura e começo a fotografar a cultura e seus movimentos na cidade, principalmente a cultura popular, a cultura ancestral. Eu me rendo a sabedoria dos mestres e mestras uma fonte infinita de aprendizados. Reencontro o Urucungos e o Alceu, nessa trajetória, a partir daí começamos uma parceria de camaradagem, reciprocidade, respeito, coisas que são familiares na cultura popular.
Ele e a Rosa, sua companheira, me acolheram como se eu pertencesse a comunidade do grupo, e sempre diziam “ A Fá pertence ao Urucungos, agora só falta vestir a saia”.
Esse acolhimento que tem ao mesmo tempo respeito e liberdade, certa vez em das conversas com o Alceu, ele narra; “aqui (no Urucungos) somos parceiros pela nossa escolha pessoal, cada um tem a liberdade de ir e vir quando quiser. Ninguém é dono de nada, a coletividade é formada por laços de respeito e de parceria”.
Várias longas conversas tive com o Mestre, mais recentemente, com ele investindo em uma carreira de vídeo documentarista, trocávamos informações sobre técnicas, linguagens e direção de fotografia e planejávamos fazer alguns projetos em conjunto. Ele foi apelidado de “Griô Ninja” quando estava com a câmera na mão, e montou uma produtora “ Koroamaisboy” e dentro das suas produções destaca-se o documentário “Candombe, Comparsas e Mocambos” que contextualiza a passagem do Grupo Nación Zumba lelé, companhia de comparsa de candombe do Uruguai, na Casa de Cultura Tainã, de Campinas.
A espontaneidade, a alegria, um jeito inventivo de ser e de fazer, o dom de agregar eram qualidades naturais nele. Em um curso sobre patrimônio em Itu, após o almoço, o grupo que estávamos parou na praça central e lá o Mestre puxou uma roda, cantamos e dançamos. Algumas das pessoas que estavam pela praça, param para ver e se divertiram. No dia seguinte do curso, o Alceu, que era também ouvinte do curso, levou os tambores e ele e a Rosa puxaram uma grande roda de Samba de Bumbo, em uma discussão teórica, o Alceu levou a vivência, a cultura pulsante, ancestral para os corações e almas dos que estavam no curso.
Alegria, irreverência, agregador esse era o Mestre Alceu.
Ele partiu em meio a festa, em meio ao aniversário do grupo, as festas da cultura popular em seus arraiais nos meses de junho e julho. Mestre Alceu escolheu partir durante as festas, no meio de muita alegria, celebração, mu.
Salve! Salve grande mestre da Cultura Popular! Salve grande guerreiro pela luta contra as desigualdades!
Salve Mestre que fez luta, que construiu diálogos, conquistou e caminhou de braços dados, agregando, incluindo sempre com muita alegria.
Salve Mestre Alceu Estevam do grupo Urucungos, Puitas e Quijengues.
Salve Mestre querido!
Gratidão por todos os largos papos e grandes ensinamentos.
Texto e Fotos: Fabiana Ribeiro