VITÓRIA SOBRE FASCISMO: MPF não pode intervir em cursos sobre Golpe de 2016 nas universidades

Vitória da UFRGS no arquivamento da representação de deputado gaúcho do MBL contra Curso O Golpe de 2016 fundamenta parecer geral do MPF. Foto: Maxsuell Vilela
Cursos sobre o golpe de 2016 foram oferecidos por diferentes setores da UFRGS

A autonomia universitária e a liberdade didático-científica das previstas na Constituição não permitem que o Ministério Público Federal julgue o mérito dos cursos e disciplinas “O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, que se multiplicam em universidades de todo o país desde o início do ano com este ou outros nomes parecidos. O parecer é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão oficial do próprio MPF, competente para esse tipo de questão enquanto responsável pela coordenação das ações de proteção e promoção de direitos humanos. Está baseado em arguição da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul, que levou o MPF do Rio Grande do Sul a arquivar a representação do deputado estadual ultra conservador Marcel van Hattem (Partido Novo), contra a realização do curso “O golpe de 2016 e a nova onda conservadora do Brasil”, realizado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IFCH/UFRGS), conforme matéria publicada ontem (2/5), no site oficial do MPF.

Em resposta às representações questionando a constitucionalidade das disciplinas e pedidos de investigação de militantes do MBL – Movimento Brasil Livre e do Projeto Escola Sem Partido, entre outros, a Procuradoria encaminhou parecer no dia 27 de abril a procuradores que atuam na área da cidadania em todo o País. O documento destaca que “cercear a discussão de determinados assuntos, no ambiente escolar, afeta a gestão democrática do ensino público, além de contrariar os princípios constitucionais conformadores da educação brasileira – dentre os quais, as liberdades constitucionais de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber, assim como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
Ministro Mendonça com representantes do Escola Sem Partido, na abertura dos trabalhos do Golpe de 2016

O processo de perseguição aos cursos iniciou com a ameaça do ministro da Educação do governo interventor, Mendonça Filho, de acionar o professor Luis Felipe Miguel, da UnB – Universidade de Brasília, pela oferta do primeiro curso sobre o golpe como disciplina optativa do Instituto de Ciência Política. Um vigoroso movimento em defesa da autonomia universitária desencadeou-se em todo o Brasil, com a adesão da comunidade científica, universitária, organizações de estudantes, professores, sindicatos e até organismos internacionais. Em solidariedade ao professor Felipe Miguel e à UnB, ao menos 50 universidades e instituições de ensino superior do país (segundo a última atualização), se insurgiram contra a censura praticada por Mendonça e aderiram à proposta do curso.

 
Divulgado na página oficial da Procuradoria Geral da República/MPF, o parecer traz grafado o ainda dois trechos que merecem ser destacados:
 
“Não é cabível, pelo Ministério Público Federal, a análise do mérito sobre o teor de cursos oferecidos por qualquer instituição de ensino superior, especialmente em face da autonomia didático-científica das Universidades, conforme preceitua o artigo 207 da Constituição Federal. Esse é o posicionamento defendido pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal que coordena a atuação na promoção e proteção de direitos humanos.”
 
“A universidade constitui espaço propício justamente à formação de valores e narrativas não necessariamente unívocos, mas fatalmente dialéticos. Desse modo, qualquer instituição superior de ensino pode abrigar curso sobre a mesma temática, proposto a partir da autonomia de seu corpo docente ou discente, partindo de outra(s) perspectiva(s) sobre o caso em discussão, especialmente considerando a existência de não uma, ou de duas, mas de diversas narrativas em disputa, em campos científicos múltiplos, que interpretam diferentemente entre si os fatos ocorridos no campo institucional brasileiro em 2016”.
 
Ao defender os princípios da Constituição de 1946, o documento cita o ministro do Supremo Tribunal Federal, Victor Nunes Leal que, em plena ditadura militar, 20 anos depois, absolveu um professor acusado de praticar subversão na Universidade Católica de Pernambuco por distribuir aos alunos um manifesto condenando o regime autoritário. No parecer, está grifada a observação: “Mas tudo isso deve ser resolvido no âmbito da Universidade”.
 
“Se o professor foge do programa, se falta ao seu dever de professor, os órgãos universitários que o admoestem, pelos meios próprios, que o advirtam para não empregar o tempo de suas lições em assuntos que seriam de outra disciplina, ou que não devessem ser tratados na Universidade. Mas tudo isso deve ser resolvido no âmbito da Universidade. Os riscos da liberdade do pensamento universitário são altamente compensados com os benefícios que a Universidade livre proporciona ao povo, ao desenvolvimento econômico do País, ao aperfeiçoamento moral e intelectual da humanidade. E assim quer a Constituição, porque além de consagrar a liberdade de pensamento em geral, também garantiu, redundantemente, a liberdade de cátedra (art. 168, VII).”
Arquivamento do processo no Rio Grande do Sul favoreceu parecer geral reforçando autonomia das universidades

Todo o posicionamento do órgão tem como fundamentação conjunto de argumentos jurídicos apresentados pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Sul, de acordo com matéria divulgada pelo assessoria de comunicação da PFDC na página oficial do MPF http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/pfdc-defende-autonomia-universitaria-na-definicao-de-conteudos-de-disciplinas-academicas. A arguição culmina com o pedido de arquivamento de representação feita ao Ministério Público Federal para impedir a realização da disciplina “O golpe de 2016 e a nova onda conservadora do Brasil”, disponibilizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em  19 de março último, o Procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas deferiu um despacho de 17 páginas concluindo que não existia irregularidade na questão e encaminhou para exame do coordenador do Núcleo de Apoio Operacional à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão na Procuradoria Regional da República na 4ª Região. Em 21 de março, o MPF do Rio Grande do Sul deferiu o arquivamento da denúncia, alegando: “Não há que se falar em quaisquer violações a direitos fundamentais apontadas na representação”. E ainda acrescentou como resposta à representação do deputado fundador do MBL do Rio Grande do Sul: “Quanto à suposta controvérsia nos campos da liberdade de consciência e do direito à educação de acordo com as convicções familiares, afirma o MPF que uma educação democrática permite que o Estado possa definir conteúdos de formação e dos objetivos do ensino, inclusive de forma independente dos pais”. http://www.ufrgs.br/ufrgs/noticias/mpf-arquiva-representacao-contra-o-curso-da-ufrgs-201co-golpe-de-2016-e-a-nova-onda-conservadora-do-brasil201d

Leia o parecer completo do arquivamento da representação contra o Curso: o golpe de 2016 e o futuro da democracia pela Procuradoria do Rio Grande do Sul:

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