Agora morreu Carolina, matriarca Kaiabi, Kawaiwete, da humanidade. A antiga senhora que sempre andara com seu cajado ao equilíbrio dos homens e no mundo. Partiu a pouco.
Todos os velhos estão a arrumar suas bagagens, estão partindo. Diante da morte não há recursos e todo mundo tem direito igual. Os anciões indígenas se despedem da terra, das matas, das águas partem e na cabeça nossa, os viventes de agora rodam as velhas posturas e arriscam como as borboletas sempre fazem, circunstância do tempo e sua linha.
Agora teremos que nos virar sozinhos, isso é a história.
A Carolina eu admirava tanto. Sempre tão séria e firme ao olhar para câmera, tão doce nas palavras curtas que pronunciava e um abraço maternal e santo na despedida; a aldeia é ideia de lugar deveras. Sentia nela uma conduta clara na jornada obtusa da humanidade, um valor de madeira de lei, tal jatobá e a seriedade das mulheres denominadas sábias.
Os velhos estão a morrer nas antigas aldeias, levam seus conhecimentos e histórias da alma, vamos perdendo e ganhando o que foi possível registrar, lembranças não fáceis de contar ou expor.
Carolina significa em nossa tradição ocidental mulher doce, mulher do povo. Carolina foi uma das primeiras mulheres Kawaiwete a ir para o Xingu com o marido, o pajé Prepori, em convite feito por Orlando Villas Boas, pois o território tradicional dos indígenas na região do rio Teles Pires estava sendo intensamente invadido.
Não sei dizer aqui porque essa mulher originária e das entranhas resolveu assumir nome assim para os brasileiros, mas seu espírito indicou chamar-se mulher doce. Assim foi e parte agora, mulher de seu povo, esposa do fundamental pajé Prepori, homem que perpetuou a etnia Kawaiwete para viver no Xingu.
Descanse, apesar de nossa sede que segue novas carolinas insistem, flui Carolina.