Via: La Izquierda Diário
Tradução: Juliana Medeiros
Dezenas de milhares se mobilizaram até o Congresso, horas antes de começar a sessão que trataria da contrareforma da previdência.
Embora a CGT não tenha chamado para a mobilização, nesta segunda-feira uma multidão composta por dezenas de milhares de jovens trabalhadoras e trabalhadores, de aposentados e estudantes se mobilizaram e ocuparam os arredores do Congresso Nacional.
Após uma ordem judicial, o ‘Governo de Cambiemos’ tomou a decisão de realizar uma operação repressiva diferente da última quinta-feira, quando o governo foi forçado a suspender a sessão em meio a uma brutal repressão da Gendarmeria Nacional.
Segunda-feira, em uma segunda tentativa oficial para que os legisladores aprovassem a lei, Horacio Rodríguez Larreta ordenou uma operação apenas com a Polícia da Cidade, aquela à qual se somaria, em uma segunda etapa repressiva, a Polícia Federal. A Gendarmeria estaria impedida de intervir, embora, em um momento da tarde, fosse vista preparando-se para o caso de que fosse convocada.
Havia também uma mudança na cerca. Ao contrário da quinta-feira, desta vez o Parlamento foi cercado com cercas de dois metros de altura que impediram a aproximação do prédio a menos de 200 ou mesmo a 300 metros. Um convite à raiva e indignação daqueles que queriam se aproximar do Congresso para repudiar o plano de ajuste de pensões de Macri.
A sessão começaria às 14 horas. Poucos minutos antes, os manifestantes acompanhavam através de seus celulares o que estava acontecendo dentro do Parlamento. A garantia de que Cambiemos conseguiria quórum foi aquecendo o clima daqueles que haviam chegado à praça realmente indignados. A Polícia foi passando de uma atitude (estranhamente) passiva para outra que expressa o que eles realmente sabem fazer.
Depois de duas horas sem avançar, finalmente, do Ministério de Segurança e Justiça de Buenos Aires, se baixou a ordem de descarregar a repressão. Balas de borracha, gases lacrimogêneos e cacetadas a quem lhes cruzava pela frente.
Já iniciada a sessão, muitos deputados da oposição pediram que se suspendesse porque ao redor do Congresso se desencadeava uma dura repressão policial. As cercas em um momento foram inúteis e a Polícia começou a atacar a população mobilizada.
Por volta da 15h, o presidente da Câmara, Emilio Monzó, propôs um quarto intervalo e chamou a seu gabinete os líderes de blocos para avaliar como continuar. Depois de se comunicar com a Casa Rosada, Monzó anunciou que a sessão deveria continuar e a lei deveria ser votada.
Foi então quando Monzó disse, sem eufemismos, que havia “agressões na rua, mas os agentes estimavam controlá-las na próxima meia hora”. O que Monzó quis dizer com “controlá-las”?
Como se tudo estivesse planejado, Monzó apenas disse isso e na praça se desencadeou uma caçada. As forças policiais (já somadas às patrulhas da Polícia Federal) voltaram a disparar novamente balas de borracha e gases. Perseguiram os manifestantes, os espancaram e levaram vários detidos.
Havia carros de patrulha, motocicletas e até viaturas policiais que, como se tivessem recebido a mesma ordem, passaram por cima das pessoas em vários pontos da geografia central da cidade. Algumas das vítimas, de jovens a aposentados, tiveram de ser hospitalizadas com graves ferimentos.
Havia feridos por atropelamento, por balas de borracha, pelos efeitos dos gases de pimenta e lacrimogêneos e pelas pauladas que antecediam a detenção.
Pelo menos quatro manifestantes perderam um dos olhos: um trabalhador do Estaleiro Rio Santiago que se mobilizara desde a Ensenada junto com 700 companheiros, um militante da Frente das Organizações em Luta (FOL) e dois da Coordenação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP).
Entre os feridos/detidos está ainda Carlos Artacho, operador de telefone, líder do PTS e membro (pela minoria) da comissão diretiva da Foetra Buenos Aires. Por horas a polícia o manteve preso sem atenção médica, apesar do fato de que seu rosto foi quebrado a pauladas.
Havia muitas queixas sobre um modus operandi da Polícia: cada mulher ou homem que caía nas mãos dos efetivos recebia uma bateria de golpes e insultos do tipo “nós vamos matá-los” ou “você vai desaparecer”.
Vários jornalistas foram atacados e outros foram detidos durante a cobertura dos eventos. De acordo com a agência Télam, foi relatada a detenção de trabalhadores da FM La Patriada e as feridas sofridas pelo jornalista Mauro Fulco do C5N, “alcançado pela repressão policial nas proximidades do Congresso”, bem como um jornalista da Crónica TV.
Por sua vez, o sindicato Sipreba denunciou a agressão policial contra dois fotógrafos da Página12, Bernardino Ávila (ferido com um corte na testa) e Leandro Teysseire (ferido no rosto pelo impacto de uma bala de borracha).
O governo montou um teatro. Na primeira cena das horas anteriores, a operação policial parecia estar muito mais relaxada do que o planejado pela ministra Bullrich, que enviou um exército de gendarmes no dia da sessão falida da última quinta-feira.
Na segunda cena, se mostravam pessoas jogando pedras e a “polícia inofensiva que não conseguia agir”. Muitos líderes das organizações mobilizadas denunciaram a presença de infiltrados. O ex-deputado Claudio Lozano pôde verificá-lo em sua própria carne.
O governo montou esse cenário de provocação para deslegitimar a mobilização maciça que expressava o ódio de um setor muito amplo da sociedade sobre essas medidas anti-trabalhadores.
A imprensa oficial reproduziu o livreto de Cambiemos. Eles falaram o dia inteiro sobre a violência. Não a do governo e suas forças repressivas, mas de alguns manifestantes que, depois que homens uniformizados começaram a caçar, se defenderam jogando pedras.
Um confronto assimétrico entre o Estado armado até os dentes e manifestantes que só tem para se defender galhos de limão e algumas pedras.
Falam de manifestantes violentos mas, como disse a legisladora porteña do PTS-FIT, Myriam Bregman, em um programa do C5N, “Macri fala de violência quando ele e sua família durante a ditadura passaram a ter entre 7 e 47 empresas”.
Aqueles que apoiaram o genocídio e hoje roubam 17 milhões de pessoas e suas já escassas rendas lançam através da mídia viciada, que também apoiou o genocídio – como o Grupo Clarín e o La Nación – campanhas macartistas contra manifestantes e a esquerda que defende os aposentados.
A FIT levou mais de um milhão de votos nas últimas eleições e se mobilizou para impedir que esta lei fosse aprovada. Nicolás del Caño disse que apenas à ponta de pistolas se poderia aprová-la porque mais de 70% da população se opõe a isso.
As leis anti-trabalhadores, medidas regressivas que procuram retroagir os direitos adquiridos que custaram ao movimento trabalhista décadas de luta para conquistá-las, são a base para entender por quê um setor dos manifestantes tentou impedir as leis colocando seu corpo. Arriscando sua vida.