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Pariu Mateus que o embale: a criminalização de mulheres mães solteiras, divorciadas, viúvas e abandonadas

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Segundo uma matéria da Mídia Ninja, veiculada no sítio rebaixada.org, em 26 de março de 2014, feministas de Moscou realizaram um ato contra as declarações do deputado Aleksandr Silin, que chamou as “mães solteiras” de “putas” e “escórias” da sociedade, humilhou seus filhos e ainda propôs a esterilização das mulheres que “não desejam se casar”. Na capital do país que já foi palco da Revolução Russa (1917), o ato recolheu apenas 500 assinaturas em uma moção de repúdio às declarações do deputado e que também exigiu que o Ministério Público o condenasse por crime previsto no artigo 282 do Código Penal: “declaração de ódio a um grupo social”.

Nesse mesmo período, o Opera Mundi noticiou que a primeira-ministra da Austrália, Júlia Gillard, pediu desculpas pelas adoções forçadas realizadas entre as décadas de 1950 e 1970, quando centenas de “mães solteiras” foram dopadas, atadas às camas de hospital e forçadas a assinar os papéis de adoção sem poder ver seus filhos, que eram entregues sem documentos a outros pais.  Na Irlanda a situação também caminha para uma desculpa oficial, de acordo com a agência de notícias AFP. Recentemente, o Secretário de Estado de Educação, Ciaran Cannon, pediu a abertura de uma investigação sobre a descoberta de quase 800 esqueletos de crianças, enterradas sem caixão em uma fossa comum, ao lado de um antigo convento católico de Tuam, que abrigou entre 1925 e 1961 jovens “mães solteiras”. Essas jovens eram obrigadas a ter seus filhos nessas instituições, a trabalhar feito escravas em lavanderias e, na maioria dos casos, a entregar o filho para adoção. Segunda a historiadora Catherine Corless, as crianças que ficavam nos conventos, como o de St. Mary, em Tuam, serviram de cobaias para testes de vacinas da multinacional GlaxoSmithKline (GSK).

Essas matérias retratam, junto a outros tantos exemplos em vários países, a história recente de privações e humilhações de toda sorte contra a mulher que é mãe e chefe de família e domicílio, genericamente (des) qualificada de “mãe solteira”. Termo que não compreende a pluralidade dos arranjos familiares contemporâneos, pois a ausência de um cônjuge\pai pode ser por opção ou por ocasião: viuvez, divórcio, abandono. Aqui, onde se canta não existir pecado do lado de baixo do equador, nossos arquivos públicos estão cheios de códices documentais que retratam trajetórias e estratégias de sobrevivência, desde os tempos coloniais, de mulheres sozinhas com filhos que sobreviveram valendo-se da construção de redes de apoio para criar seus filhos, enquanto muitas outras mulheres viram-se obrigadas a deixarem seus filhos nas rodas dos expostos ou entrega-los à adoção forçada. Histórias que ainda precisam ser contadas, aliás.

De lá para cá, do nosso período colonial até hoje, o mundo felizmente mudou – como demonstram algumas desculpas oficiais mencionadas acima, mas aqui no Brasil algumas questões em relação à mulher, sobretudo em relação à mulher mãe chefe de família (monoparentalidade feminina) ainda permanecem ocupando alguns corações e mentes na chave da (i) moralidade ou da piada com aquilo que não se consegue resolver na realidade. Um passeio rápido pela internet e encontraremos dezenas, centenas de páginas que pregam ódio às mães solteiras e nos transformam em mercadorias de segunda mão, chegando ao absurdo de uma página com o título “quer sexo rápido ainda hoje? Escolha uma mãe solteira e boa foda” – com uma galeria de fotos de mulheres com seus filhos.

Mas a misoginia, o machismo e o preconceito tem muitas faces, como sabemos. Em matéria de junho de 2011, por exemplo, a Revista TPM, uma publicação que se pretende descolada e moderna, publicou uma reportagem intitulada “Namore uma mãe solteira”. Nela, as autoras, duas mulheres(!), sugerem a criação de uma campanha “divertida e descontraída” para homens namorarem “mães solteiras”, pois há vantagens para eles, os homens: a mãe solteira não tem pressa para casar; a mãe solteira não tem pressa para ter filhos e a mãe solteira não tem tempo para “grudar no pé do homem”. E tudo isso porque a mãe solteira já tem filhos.

Na lógica machista, misógina e perversa das autoras, esses filhos serão “assumidos” pelo novo companheiro da mulher mãe, desconsiderando a multiplicidade de arranjos familiares contemporâneos em que todas as crianças das famílias monoparentais femininas já têm pai: alguns moram em casas separadas e mantem contato com seus filhos; outros moram em estados diferentes e mantem contato na medida de suas possibilidades; muitos abandonaram suas companheiras durante a gravidez ou assim que a criança nasceu e agem, com o aval da sociedade brasileira, como se a paternidade de uma criança em gestação ou nascida fosse uma escolha, uma opção.

Assim, para as autoras, essa multiplicidade de arranjos familiares não é uma questão a ser considerada, pois a verdadeira “natureza” da mãe solteira é ter qualidades para agradar o homem que, ao se relacionar com ela, irá a um só tempo restituí-la socialmente da “imoralidade” de seu estado civil (divorciada, viúva ou abandonada) e “resgatar” a criança do pecado de sua condição de “bastarda”. Cumpre destacar que esse termo infame – bastardo – pode designar tanto uma filiação adulterina, uma filiação entre pessoas solteira, quanto a “degeneração da espécie”, no sentido de não ser “puro” em relação à espécie a que pertence.

Felizmente, esse termo caiu legalmente em desuso aqui no Brasil no Código Civil de 2003. No entanto, algumas pessoas insistem em reabilitá-lo em contextos diversos. Por ocasião do debate sobre a redução da maioria penal, em 23 de abril de 2015, o psicanalista Contardo Calligaris, escreveu no jornal Folha de São Paulo: “A ideia de que a redução da maioridade penal seja um instrumento de dominação de classe é um estranho disparate. Alguém acredita que a delinquência seja um efeito da pobreza?”. Mais adiante, ele mesmo responde à sua indagação, argumentando que a delinquência juvenil é um efeito da “degenerescência moral” na qual muitas crianças brasileiras são criadas: pobreza somada às implicações de crescer em uma família “desestruturada”, na imensa maioria das vezes sem pai presente. Cumpre destacar que o psicanalista que elabora esse tipo de ideia já declarou na grande imprensa ter se casado sete vezes, tido alguns filhos e não convivido com a maioria deles porque veio morar no Brasil.

O que o psicanalista desconsidera é que a condição econômica (baixa) adjetiva e criminaliza a família chefiadas por mulheres sozinhas. Mais recentemente, o posicionamento política também. Por ocasião das manifestações contra a corrupção brasileira nas quais algumas pessoas usaram roupas com as cores da bandeira nacional e gritaram palavras de ordem racistas, xenófobas, preconceituosas e cheias de ódio, um estudante de jornalismo chileno fez um vídeo em que ele entrevistou várias pessoas da manifestação ocorrida no Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 2015. Entre os entrevistados, um senhor elaborou a seguinte ideia sobre o que ele considera ser comunista e petista: trata-se de um grupo de pessoas que cresceu sem a figura paterna em casa, pois todos eles foram mortos pela ditadura civil e militar brasileira. Assim, sem a “força” da autoridade do pai em casa e criados apenas pelas mães, são pessoas “degeneradas”, corruptas por natureza e perigosas. Pessoas que devem ser “eliminadas” do país, segundo esse senhor.

Infelizmente, essas não são as únicas demonstrações de preconceito, ódio e maneiras de criminalizar as mães chefes de família ainda hoje, mas os exemplos aqui citados nos ajudam a pensar algumas questões urgentes. A primeira delas é que o nosso estado civil – mães solteiras, viúvas, divorciadas, abandonas – é contingencial, de maneira que ele não pode nos qualificar como mulheres mães chefes de famílias, pois podemos alterá-lo a qualquer momento e assim que quisermos. Isso tem uma implicação relevante em relação às reportagens/campanhas como a das autoras na Revista Trip: nosso maior desafio está longe de conseguir um/uma companheiro/companheira para nos redimir socialmente – até porque não precisamos de redenção moral por nada.
O nosso maior desafio é a desconstrução por séculos da imoralidade e bastardia que pesam sobre nós e nossos filhos. Não precisamos de marido, mas precisamos de respeito por nossas escolhas, contingências e, sobretudo, por nossas crianças. Precisamos de escolas acolhedoras e empáticas em relação às novas e múltiplas configurações familiares na contemporaneidade. Precisamos também e sobretudo de políticas públicas que nos garantam condições de autonomia para criarmos nossas crianças com dignidade e acesso amplo e irrestrito à educação, saúde, moradia e cultura de qualidade.

A segunda questão é que de acordo com os dados do IBGE/PNAD (Plano Nacional de Amostra Domiciliar), ambos de 2013, a monoparantalidae feminina responde por 53% dos arranjos familiares brasileiros e mesmo assim as mulheres negras e chefes de famílias ainda são o setor de maior vulnerabilidade social do país, pois a maioria das companheiras mulheres mães também fazem parte das estatísticas dos processos de feminização e racialização da pobreza no Brasil, e muitos de seus filhos fazem parte das estatísticas carcerárias e de adoção no Brasil.
Trata-se de um problema social que teve sua origem no escravismo brasileiro por mais de três séculos e no racismo até os dias de hoje. Dados recentes do IBGE e do PNAD demonstram que a feminização e a racialização da pobreza diminuíram nos últimos 13 anos em razão das políticas públicas compensatórias e com contrapartidas, mas ainda assim permanecem como o setor de maior vulnerabilidade social do país. Problemas sociais estruturais como esse requerem um país com uma Democracia forte e políticas públicas de reparação na longa duração, sem cortes no orçamento e nem reformas na Previdência e na CLT, que acabarão jogando mulheres e crianças na miséria absoluta.

Por isso, ter ou não um homem ao nosso lado é o menor dos nossos problemas. Precisamos nos organizar e lutar contra todo tipo de preconceito que pesa sobre nós e nossos filhos e lutar diariamente por políticas públicas específicas para romper esse longo processo de vulnerabilidade social ao qual muitas mulheres estão submetidas.

Acontece amanhã em Salvador – Bahia a Audiência Pública pela Comissão da Mulher, com o tema “Políticas Públicas e a monoparentalidade feminina.”

*Patrícia Valim é Professora Adjunta de História do Brasil Colonial na Universidade Federal da Bahia. É, sobretudo, mãe de Ana Carolina (24), Maria Eduarda (20) e Bento (quase 5 anos), e avó de Maria Antônia (3 meses). É militante na Monoparentalidade Feminina desde que engravidou de Bento e não quis vincular maternidade e matrimônio.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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