O camburão e À queima-roupa

O camburão

Érika Bonifácio, de Belém para os Jornalistas Llivres

Em instantes voltei há séculos atrás, vários capitães do mato para conter uma jovem de menos de 50k e um metro e meio da altura… Lá dentro é o navio negreiro do século XXI, eu, que reagi de forma pacífica, em nenhum momento alterei a voz, e eu tinha muitos motivos pra alterá-la, tentei dialogar, e praticamente fui arrastada pelo choque até a viatura… Fui humilhada e agredida verbalmente, naquele cubículo, onde eu nem podia sentar direito, sendo jogada de um lado a outro no andar daquela “carruagem”.
Os caras fardados: É pela sua farda, não é exatamente por você…
Eu fazendo a diplomata com um cara que queria “ordem” e mais o batalhão dele que queria quebrar vagabundo… as frases mais recorrentes entre eles “bando de vagabundo”, “eles merecem uns tapas valendo”, “não vai adiantar otários, ela não vai voltar”
Tudo que eu tive que ouvir daqueles pol, tudo que eu tive que ver deles, armando táticas de repressão…
Agradeçamos por estar no centro da cidade! Na quebrada não é bem assim que eles agem, na quebrada só o que vemos é o sangue preto, já derramado! Na perifa não podemos contar ate dez…
Um sonrisal, dois sonrisal, e pronto. Um novo pol. De fato, os pol têm família, amigos e inimigos, eles não são monstros, são gente como a gente! Mas uma farda muda tudo! Um batalhão muda tudo, o militarismo muda tudo, e o machismo, os machos querendo bater. Saibam todos: o alvo da PM nas manifestações é as preta! Somos nós manas.
No meio do barulho, bala de borracha, a acidez do espray de pimenta, um silêncio me invadia, um silêncio que muitas mulheres negras entenderam, o silêncio da minha solidão, o vazio, o enjoo no estômago de estar em um carro, cujo referência que tenho desde pequena é de medo, terror… Toda PRETA já foi ou viu um parente, amigo, vizinho entrar num veículo desses… Os que voltaram tiveram sorte! Tenham certeza que tinham milhões naquele carro comigo, muitos, muitos… Aquele camburão prefere levar preto, preta!
A força veio da COR, veio do Útero, do cú. As manas trocando msg, e tentando me proteger, todas as que estavam lá fisicamente, e as que estavam espiritualmente! Aí eu entendi o que eles tanto temem, eles temem as pretas na rua, eles temem xs guerreirxs em combate, eles temem a nossa força! Eles temem!
Não é pela Dilma, não é pelo PT, é por nós! É PELA REALIDADE da minha família, dos meus amigos, a minha realidade! Sem heroísmos! Somos um povo de luta, e todos somos capazes! Sem heroísmos!
Não esquecerei o AMOR, não esquecerei de AMAR, mas NUNCA deixarei de guerrear pelo que acredito! O vômito não é só meu, o vômito é de tantas dores que me constroem. Uma preta não é apenas uma preta, ela é as varias caras de mucamas, ela é cada mulher preta escravizada, abusada, humilhada. Essa força que contagia o meu ser é ancestral, é matriarcal, e a força da minha COR!
Novos dias virão, difíceis, pesados, mas como eu aprendi, JAMAIS TEMEREI!
Gratidão a todos xs amigxs. Os de perto, os de longe. Muito amor nessa guerra!

Acho que ainda chego aos 25 anos…

 

À queima-roupa

Relato de Renata Beckmann sobre a prisão da Érika

Na hora em que detêm a Érika, várias pessoas foram pedir sua liberação. Eu e mais manas pretas fizemos frente, junto com outros manifestantes. Eram cerca de seis homens contra apenas uma mulher e é uma lata de spray. Pedimos a liberação da Érika e eles começaram a ameaçar com as armas e a gritar pra gente sair da frente.

No momento em que o policial da ROTAM arrastou a Érika, eu fui questionar a ausência de uma policial na ação. Foi quando o policial que tava na minha frente engatilhou a arma e usou ela pra me empurrar. Primeiro, a arma falhou e então foi uma confusão porque mesmo tentando correr quando a arma falhou pensei que ele não fosse atirar.

ATÉ QUE ele engatilhou novamente e atirou a menos de um metro de mim. A queima roupa mirando na perna. Eu caí e depois ouvi uma série de disparos das armas e também estouro das bombas.

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