MST: Mulheres na luta pela terra

Foto: Isis Medeiros/ Jornalistas Livres

Por Agatha Azevedo e Aline Frazão, para os Jornalistas Livres 

Foto: Isis Medeiros/ Levante Popular da Juventude
Foto: Isis Medeiros/ Levante Popular da Juventude

Maria Sônia Luiza de Andrade, Atiliana Brunetto, Elis Carvalho e Natália Pereira são algumas das mulheres que constroem o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. 

Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres e Mídia NINJA
Foto: Agatha Azevedo / Jornalistas Livres

Elis Carvalho é da coordenação da Ciranda do MST.

Elis Carvalho. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres e Mídia NINJA
Elis Carvalho. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres

Carioca e filha de camponeses, Elis conta que seu pai esteve na luta pela terra desde 1984 e que ela foi morar em um assentamento quando tinha 12 anos. “Eu sou camponesa, mas comecei minha militância na igreja católica, na CEBS. O assentamento que eu vivia com meus pais é um assentamento não regularizado, mas muito antigo, da idade do movimento e muito simbólico. Quando ele surge, o MST também está surgindo.”

Crítica ao MST no início, ela conta que suas irmãs entraram no Movimento e ela, já envolvida na educação de crianças, foi se aproximando da organização através dos materiais educativos que eram disponibilizados e que ela usava para ensinar.

Ela conta que ajudou a organizar as crianças no sem-terrinha e em 2005, foi indicada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra para fazer graduação em licenciatura em educação no campo, na UFMG em Belo Horizonte. “Eu larguei todo o meu trabalho, larguei umas coisas pessoais, fui fazer a prova e entrei. Fiz parte do Pronera, e me tornei orgânica do MST, eu já contribuía há uns 3 anos antes e passo em 2005 a ser orgânica do MST e comecei a me inserir no campo da Educação, e comecei a fazer esta atividade, coordenei o setor no Rio de Janeiro um tempo e fui me envolvendo especificamente na tarefa das cirandas e estudar a infância.”

Ela foi coordenadora nacional pelo estado do Rio de Janeiro e agora está em Minas Gerais, no assentamento de Goianá, na Zona da Mata, e conta feliz sobre o seu retorno à tarefa da Ciranda e como caminha a vida pessoal de ser mulher e militante dentro do Movimento. “Eu estou agora em Minas Gerais, estou coordenando uma escola, trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos, e agora além de ser assentada estou com um companheiro, é a minha primeira experiência também neste sentido. Estou com 38 anos, nunca tinha me casado, juntei porque também não acredito muito nessa coisa de família tradicional e burguesa. Meus pais foram casados 52 anos e só se separaram com a morte do meu pai, me orgulho muito disso mas não quero este formato pra mim.”

“Eu sempre morei com meus pais, agora que eu me separei, é um desafio também. Eu não sou mãe, quero ser mãe, mas é muito difícil também porque eu sou muito liberta, foi muito difícil trabalhar, estudar, militar… a gente tem muita dificuldade no próprio MST com relação ao machismo, tarefas que os homens que tem que fazer, e temos que enfrentar isso no campo político e também das relações pessoais.”

Elis Carvalho. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres e Mídia NINJA
Elis Carvalho. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres

“É uma conquista, é lógico que nós temos que lutar pela transformação do homem e da mulher e isso só será possível quando a gente alcançar o socialismo, porque dentro deste modelo de sociedade capitalista é muito difícil, neste sistema onde tudo é no campo da mercadoria.”

Com tranquilidade, ela diz que luta para garantir a participação efetiva da mulher dentro do movimento, e por isso pensou muito antes de fazer a opção por entrar no MST. “Você tem um filho a hora que você quiser, você ocupa o lugar que você quiser, como você quiser, na hora que você quiser.”

Sobre o seu ofício, Elis garante que se sente feliz e realizada. “Para mim é fundamental estar nesta tarefa, principalmente contribuindo no processo da formação na infância, porque temos que compreender a importância da formação dos sem-terrinhas, meninos e meninas, para que eles possam ser livres, brincar, criar, imaginar coisas e viver esta fase melhor do que a gente viveu. Acho que esta tarefa é maravilhosa e tão importante quanto qualquer outra.”

A indígena Atiliana Brunetto,  é da Coordenação Nacional do MST, no setor de gênero.

Atiliana Brunetto. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres e Mídia NINJA
Atiliana Brunetto. Foto: Agatha Azevedo/ Jornalistas Livres

“Eu comecei  no movimento indígena, sou da nação Terena, passei pela coordenação dos Movimentos Populares, depois fui para o Movimento popular de mulheres urbanas e em 2002 entrei no MST pelo setor de Finanças, lá no Mato Grosso do Sul.”

Em 2005 ela foi para o setor de gênero. “Em 2009 eu assumi a coordenação estadual do setor de gênero lá no Mato Grosso do Sul, e em 2012 assumi a coordenação nacional do setor do MST. Eu posso dizer a partir de mim e das histórias que a gente escuta, que as mulheres quando entram melhoram a sua condição de vida e sua compreensão de mundo e é este o trabalho que a gente tem feito.”

Ela diz que para algumas mulheres, o MST é a fonte de conhecimento que ajuda na militância, na pertença e na busca de direitos. “A gente sempre diz assim, o Movimento é um Movimento que está e existe dentro de um sistema capitalista e também está a mercê do patriarcado e do machismo. É desafiador ser mulher e ser mulher dirigente dentro deste sistema e dentro deste contexto. Claro que a gente já avançou muito no debate da participação das mulheres, mas temos muita caminhada pela frente, é desafiador.”

Em quase todos os estados, o MST tem dois dirigentes, em geral um homem e uma mulher, além dos dirigentes de setores. São 36 mulheres só na dirigência nacional do MST. “As mulheres que estão na coordenação da Escola Nacional, estão em tarefas específicas também e chegam a um número de mais de 50 mulheres em cargos importantes e de dirigência.” Sobre ser mãe, dona de casa e dirigente, ela diz: “Nós estamos na saúde, na educação, na cultura, nos direitos humanos, na produção estamos debatendo a inserção delas no processo produtivo mas é difícil este embate.”

Sobre a vida da mulher camponesa do MST, ela subdivide em dois blocos, as campesinas e as que, além do trabalho no campo, se dedicam à militância. “As mulheres camponesas que estão lá no dia-a-dia cuidam essencialmente da parte que é ao redor do seu lote, são responsáveis pelo combate ao sistema de monocultivo do agronegócio. Somos nós que nos preocupamos com a alimentação da família, temos a nossa horta e combatemos os agrotóxicos. A mulher militante é essa que fica um tempo no seu lote fazendo este trabalho, mas dentro da agenda vai para cursos, atividades nacionais e ajuda a organizar as mulheres, que é uma meta nossa. Nossa principal agenda de lutas hoje é o 8 de março.”

Sobre a formação das mulheres, Atiliana ressalta: “o MST desde o princípio se preocupa com a participação das mulheres, mesmo quando a gente ainda se articulava fora do MST. A partir de 2002 nós internalizamos o debate da participação e do direito da mulher no Movimento, nós temos encontro nacionais e estaduais de mulheres, nós temos um curso uma vez por ano chamado “marxismo e feminismo”, a articulação das mulheres nacionalmente e nós temos a jornada do 8 de março como referência de capacitação e formação.”

Maria Sônia Luiza de Andrade tem 53 anos e há 6 está no MST.

Maria Sônia Luiza de Andrade. Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
Maria Sônia Luiza de Andrade. Foto: Gustavo Miranda/ Sô Fotocoletivo

Ela trabalha no movimento como cozinheira, e sente que perdeu tempo vivendo na cidade: “eu deveria ter entrado para o movimento há mais tempo”, conta com um sorriso no rosto.

Natura de Bucuí, na Bahia, hoje vive em Campo do Meio, no Sul de Minas, no assentamento Quilombo Campo Grande. No local vivem cerca de 800 famílias, o que para Sônia é uma escola: “O MST é uma escola. Além de você cuidar do lote, você ajuda todo o movimento, cada um com sua tarefa. Eu me encaixei na cozinha e estou muito feliz, vivo muito feliz no meu barraco de madeira”.

Sônia morava em Campinas quando conheceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em 2009.  Ela não fazia ideia do que seria o MST, mas se interessou. Trabalhava como babá, ajudante de limpeza, em serviços gerais. Ela conta que nunca teve medo do trabalho. Em 2010,  já encantada com o movimento, decidiu acompanhar. Nenhum filho quis ir junto. Ela foi sozinha e não se arrepende. Os filhos vão visitá-la de vez em quando no assentamento.

“Antes eu não imaginava o que era viver em comunidade. Hoje eu vejo a importância. Antes havia coisas que eu não dava valor, que hoje eu sei o valor que têm. A gente passa a conhecer muita coisa, ou se já conhecia, havia deixado para trás. Aprendemos também a ser humilde e dividir o espaço, antes eu não sabia dividir o espaço.”

Maria Sônia Luiza de Andrade. Foto: Gustavo Ferreira/ Sô Fotocoletivo
Maria Sônia Luiza de Andrade. Foto: Gustavo Miranda/ Sô Fotocoletivo

Sônia adotou dois filhos, um de seis e outro de oito anos. Começou depois a namorar o pai das crianças e hoje todos vivem juntos. Sobre ser uma mulher integrante do MST, ela não titubeia: “A gente descobre o que ser mulher de verdade no MST, você descobre a força que tem. Eu achava que era frágil, eu tinha medo de tudo. Hoje me sinto mais forte. Outro dia mesmo um amigo disse para mim: você me surpreendeu. Ele disse isso porque tinha um porquinho que todos tentavam pegar e ninguém conseguia. Eu pulei no chiqueiro com esse porquinho e o agarrei. Nem eu acreditei, mas consegui. Hoje conheço a cultura, as músicas, os bordados, cada plantinha, cada coisinha me emociona. Estou longe da família, mas me sinto mais completa aqui”.

Natália Pereira faz parte da cultura e da juventude do MST

Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres
Foto: Maxwell Vilela / Jornalistas Livres

Ela nasceu no Movimento. Filha de militantes, Natália é uma jovem que está bastante envolvida nas atividades do Movimento. Seus pais a sustentam para que ela e o irmão possam se dedicar à militância. Emocionada, minutos antes de subir no palco do Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária, que aconteceu entre os dias 20 e 24 de julho em BH, ela fala sobre o que pensa de ser mulher: “É difícil né, a mulher do MST enfrenta toda dificuldade que uma mulher enfrenta na nossa sociedade  e mais por estar na zona rural.”

No auge dos seus 20 anos e nascida no Movimento , ela conta: “minha mãe morava na favela, era ela e mais dois irmãos, quando ela ficou grávida de mim ela foi para um acampamento do MST chamado Liberdade, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais e estamos lá. Acho que mulher enfrenta dificuldade sendo de qualquer movimento social, a gente tem que avançar muito!”

Em comum, elas tem o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a identidade feminina de lutas e seguem na militância em seus assentamentos.

Foto: Isis Medeiros/ Levante Popular da Juventude
Foto: Isis Medeiros/ Levante Popular da Juventude

 

 

 

 

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