Cartazes de protesto e reflexão estampados na fachada do prédio de arquitetura moderna já alertam aos desavisados. Um homem de meia-idade se aproxima. Apressado, passa ignorando Bruna, que tenta avisá-lo da ocupação. “Não tenho nada pra falar com vocês, vim resolver coisa minha”, diz ele, em tom ríspido, ao perceber que o funcionalismo não estava presente. O caso soma-se a xingamentos e ofensas por parte de alguns indivíduos que foram até lá, alguns apenas para provocar, como quando um motorista realizou manobras à cavalo-de-pau ameaçando ir com o carro prédio adentro, segundo relataram as ocupantes.
É manhã de uma terça-feira (21), em que se completam sete dias da ocupação feminista da Reitoria da Universidade Federal Goiás, em Goiânia, campus Samambaia. Estão lá, sobretudo estudantes mulheres da universidade. Elas reivindicam uma série de ações políticas afirmativas de gênero e raça, dentre outras medidas. Em menor número, homens também ocupam em apoio a causa, mas sem o poder de voto nas assembleias. A ocupação segue pacífica e organizada em 5 comissões: comunicação, segurança, cultura, estrutura e formação.
Uma moça sentada à mesa disposta logo na entrada principal do recinto orienta as pessoas que chegam a assinar uma lista de frequência. Por volta das 8hs30 iniciou-se uma roda de conversa feminista, primeira programação do dia. As jovens trocam experiências e discutem o machismo. Muitas são secundaristas, que estão entre os 25 mil estudantes de todo o estado, participantes da edição 2016 do Espaço das Profissões, organizado pela UFG. Desde o início da ocupação, a média de circulação diária na Reitoria é de 200 pessoas.
“O que é machismo?” pergunta uma veterana, “é qualquer coisa que nos ponha como inferior ao homem”, responde, sob aplausos, uma secundarista. Elas falaram sobre o preconceito sofrido por mulheres em campos majoritariamente ocupado por homens. “A mulher na área de exatas enfrenta muito machismo”, diz uma das presentes. Renata, filha de uma matemática, conta que sua mãe sempre foi inferiorizada nos espaços acadêmicos. “Há essa ideia de que o homem é superior a mulher”, diz.
Entre os muitos cartazes colados nas paredes, um deles diz: “machismo é burrice”. E é mesmo. Segundo pesquisa do Peterson Institute for International Economics e a empresa de auditoria Ernst & Young, mulheres em posição de liderança melhoram o desempenho da empresa, que aprende a lidar com a diversidade.
As jovens ainda destacaram o fato de o assédio passar por brincadeira, como se fosse algo normal. “Ninguém tem o direito de tocar em você sem a sua permissão.”; “brincadeirinhas não são brincadeirinhas”, alertam as estudantes.
Polêmica
O estudante de Relações Públicas Daniel Bezerra, 21, publicou nas redes sociais na noite da última terça-feira (14) que havia encontrado, no campus, uma vítima de estupro. Assustada, a moça teria fugido do estudante que se aproximou para ajudar. Cobrando mais segurança e um posicionamento da instituição, manifestantes se reuniram em protesto na manhã do dia seguinte, quarta-feira (15), culminando com a ocupação da Reitoria.
Dois dias depois, na sexta (17), foram descobertas pela investigação do caso imagens em que Bezerra muda a direção da câmera que mirava para o banheiro masculino onde ele havia encontrado a suposta vítima. A apuração segue com fortes indícios de que o estudante forjou a denúncia, colocando, inclusive, uma calcinha no banheiro que serviria de prova da passagem da jovem. A pecha serviu de argumento para aqueles que deslegitimam a ocupação.
No entanto, Amanda, que integra a comissão de segurança, conta que a ocupação é resultado de um processo. “A Frente Feminista Contra o Assédio da UFG junto de outras meninas já vinha tendo reuniões com o reitor para discutir medidas após o caso do InterUFG, mas a gente não quer só reuniões, queremos ação”, conta a estudante, ao se referir sobre a “lista de pegação” que atribuiu pontos para os diferentes “tipos” de mulheres que os participantes masculinos do Jogos Internos da UFG acumulariam se as “pegassem” durante o evento que ocorreu entre os dias 25 e 29 de maio.
No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, aponta pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mensura em torno de 527 mil o número estupros no país ao ano. No entanto, aproximadamente apenas 10% dos casos chegam à polícia. Tudo isso se insere na “cultura do estupro”, termo que faz referência a naturalização e culpabilização da mulher vítima de estupro.
Segurança
Um dos pontos de reivindicação da ocupação, o reforço da segurança passa, primeiramente, pela negação da Polícia Militar, que “não é sinônimo de segurança, pelo contrário, a polícia é uma instituição que oprime mulheres, nos violentando e deslegitimando. Além de ser uma instituição racista que criminaliza pessoas negras e os movimentos sociais. Assim, reforçamos que não estamos pedindo mais policiamento no campus e, sim, um novo projeto de segurança.”, conforme uma das pautas feitas pelas feministas.
Para Luciana, estudante de Enfermagem, a terceirização é um grande problema para a segurança no campus. Ela conta que os guardas têm seus benefícios precarizados e que devem prestar contas à empresa de origem, e não à UFG. Bernardo acrescenta ainda que o treinamento dos profissionais da área de segurança tem que incluir uma formação humanizada. “Estamos em uma universidade, espera-se que aqui seja um ambiente orgânico entre estudantes e profissionais”, conta.
Jogral
Ao fim da manhã, um grupo formado por membros e não-membros da ocupação saiu pelo campus bradando em coro frases como “machistas, fascistas, não passarão!” e “se cuida, se cuida, se cuida seu machista, a universidade vai ser toda feminista”. Em seguida, realizaram um jogral informando sobre a existência da ocupação, que segue até que as petições sejam atendidas.
As ocupantes acordaram que não irão se reunir com o reitor Orlando Afonso Valle do Amaral, e que o mesmo deve se dirigir, em caráter público, à pagina da ocupação no Facebook para manifestar suas propostas.
Até o momento, ele não deu as caras.
Até o fim desta reportagem, a assessoria de imprensa do reitor da UFG não atendeu às ligações dos Jornalistas Livres.
Íntegra das pautas de reivindicação da ocupação feminista
Nota: Por razões de segurança, as ocupantes preferiram não se identificar; os nomes são fictícios.
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