Pouco tempo antes da votação da admissibilidade do pedido de impeachment pela Câmara dos Deputados, cresce na sociedade a percepção negativa de que Temer e Cunha cheguem a ser os responsáveis pela gestão pública e pelos rumos do país no próximo período. Apesar da propalada discrição do Vice-Presidente e aspirante a presidente, Michel Temer, não é difícil confirmar que ele e Cunha são parceiros de longa data, nunca tiveram conflitos e, muito pelo contrário, em muitas situações se apoiaram mutuamente em busca de seus objetivos.
Quando confrontado sobre o polêmico aliado, Temer relativizou as críticas e declarou à “Revista Piauí” (edição 45, junho de 2010): “O Eduardo Cunha tem lá o jeito dele (…) Mas ele é competente, trabalhador, dedicado e tem uma inteligência privilegiada. Só recentemente descobri que ele não é advogado, e conhece o direito tanto quanto eu. Toda medida provisória, todo projeto importante o Eduardo Cunha conhece em detalhes”.
O que deixa claro que além da parceria política e as alianças por resultados, a admiração entre eles vem mesmo de longa data. Cunha foi um dos principais artífices da eleição de Temer a Presidente da Câmara. No ano seguinte, quando Temer foi indicado para ser candidato a Vice-Presidente, a proximidade com o faminto-por-cargos-Cunha foi tema de resistências por parte do governo. Aliás, um dos motivos conhecidos do ódio de Eduardo Cunha pela Presidenta foi o desmonte de um esquema que ele mantinha em Furnas, órgão que esperava ter o controle por indicação de seu padrinho, Michel Temer.
A chamada “chapa” Cunha-Temer ganhou corpo e materialidade com a proximidade da votação do dia 17 e com o anúncio recorrente pela mídia tradicional de que Temer já começa a discutir seu “futuro governo”. A pressa para anunciar a vitória dos favoráveis ao impeachment e o papel central de Cunha em cada passo do processo foi, portanto, catalisadora da reação negativa que a dupla enfrenta nesse momento. Diversos conteúdos na imprensa e nas redes sociais colaboraram para ressaltar isso.
A matéria do “New York Times”, intensamente repercutida e replicada em redes sociais, que inclui a ambos numa lista de políticos corruptos que querem cassar uma Presidenta que não é acusada de corrupção foi talvez o principal deles, assim como um vídeo do ator Gregório Duvivier em que lança luz sobre a figura de Temer e diversos outros memes e textos na rede.
A rejeição a Cunha, aliás, é um fato a parte nesse enredo. Ninguém no Brasil é tão rejeitado como ele, sua figura causa repulsa em grandes camadas da sociedade e poucos políticos hoje gostariam de associar sua imagem a dele. Temer precisa dele para ser presidente e por mais que tente “voar pra longe” está obrigado a tabelas com o parceiro. Os efeitos disso parecem ser inevitáveis: muitas pesquisas, públicas e feitas por parlamentares, apontam para a impopularidade cada vez mais alta de Michel Temer – e a soma das duas rejeições foi a força motriz que balançou o tabuleiro do jogo de xadrez da votação do impeachment.
Ora, muitos deputados estão votando neste processo movidos pela pressão e pelo medo de serem identificados como apoiadores de um governo que é hoje muito impopular, mas se há poucas horas da votação eles percebem que o governo que pode assumir no lugar pode ser tão impopular ou mais e que tem muita gente nas ruas do país todo prometendo resistir ao golpe, a promessa do voto pelo “sim” começa a trazer menos bônus do que eles foram levados a acreditar.
Isso abre espaço para dois caminhos: o mais simples, que é a negociação com o governo federal e com governadores de estados que não apoiam o golpe e, além disso, um movimento novo que foi relatado hoje na coluna de Monica Bergamo como “nem Dilma, nem Temer”, que levaria deputados de alguns partidos a se abster de votar.
Portanto, a lembrança avassaladora de que Cunha e Temer podem estar prestes a assumir o país é uma “verdade inconveniente” para a maioria dos brasileiros. E a manutenção dos dois, aparecendo sempre juntos na narrativa dos que combatem o golpe, funciona como forte antídoto natural para o vírus do impeachment para uma parte mais sensível do parlamento.
Texto: Fernando Stern