Quando era candidato, em ao menos duas oportunidades, o prefeito de São Paulo pelo PSDB, João Doria Jr, se comprometeu a não aumentar a tarifa de ônibus no mandato dele, caso fosse eleito. A última delas foi em 20 de setembro de 2016, durante uma visita a um hospital na Zona Leste de São Paulo. Na ocasião, Doria disse:
Aqui vc vê a reportagem do G1, que flagrou o prefeito na mentira:
Esta segunda-feira, 8/1, constitui-se no primeiro dia útil de vigência das novas tarifas do transporte público de São Paulo. Os ônibus tiveram a passagem unitária majorada de R$ 3,80 para 4. Veja os demais aumentos:
O Movimento Passe Livre (MPL) marcou para o dia 11 de janeiro, a próxima quinta-feira, protesto contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo.
O evento está marcado para começar às 17h, na porta do Teatro Municipal, que fica na Praça Ramos de Azevedo, centro de São Paulo. Foi criado um evento de convocação no Facebook. Leia um trecho aqui:
4.00 REAIS! CONTRA O AUMENTO: DESOBEDIÊNCIA!!!
Querem nos fazer pagar ainda mais caro pelo que nem deveríamos pagar e NÃO É POSSÍVEL ACEITAR PACIFICAMENTE A EXISTÊNCIA DE UM OUTRO AUMENTO!
Por uma vida sem catracas!!!
Se ontem o prefeito empresário e seu padrinho governador anunciaram mais um aumento no transporte, hoje já avisamos que vamos travar resistência a tarifa! Dória e Alckmin esperavam um início de ano tranquilo? Vai ter luta na cidade!
Diego Soares, 28 anos, e Gabriel Silva, 25 anos, ambos militantes do Movimento Passe Livre, o MPL, conversaram com os Jornalistas Livres sobre suas táticas de mobilização contra o novo aumento. O MPL, pra quem chegou agora de Marte, é aquele movimento que realizou as maiores mobilizações contra o aumento das tarifas em 2013, forçando os governos de várias cidades e estados a congelar os preços das passagens.
Gabriel e Diego são trabalhadores. Um é garçom e o outro é bancário. Em meio à vida cotidiana corrida, eles lutam para tornar realidade os sonhos de Direito à Cidade e Justiça Social. Com o MPL, eles querem fomentar o debate contra os aumentos das tarifas de transporte púbico que só prejudicam os mais pobres, aqueles mais excluídos e que pagam mais impostos.
Conheça aqui um pouco sobre o que pensam esses guerreiros pela mobilidade urbana. Leia a entrevista.
O que é o Movimento Passe Livre em 2018?
Diego: O Estado Democrático de Direito é um avanço, poder se organizar em um partido é um avanço, mas não é por esse tipo de sociedade que lutamos, apesar de reconhecermos essas vias.
Gabriel: Em SP, não temos no momento, militantes de partido, mas fazemos ações conjuntas, com pessoas que às vezes estão ligadas a partidos. Em outros Estados há mais proximidade com partidos. Então, o MPL está na luta por transporte e tem a Tarifa Zero como pauta máxima. Somos um movimento autônomo, horizontal, anticapitalista, mas não antipartido. Somos apartidários.
Diego: Sobre número de participantes, por exemplo, o MST está concentrado numa fazenda, espaço específico. Já o movimento social de transporte tem uma dinâmica diferente, temos militantes em POA, Osasco, regiões completamente opostas, então fica difícil quantificar.
Mas, vemos que pelo menos em SP, a maioria das pessoas que participam hoje são mulheres.
Sobre movimento estudantil secundarista, qual é a relação de vocês? Qual é a identificação de vocês?
Gabriel: Temos conexões com lutas autônomas. Estamos atentos, por exemplo, à Cracolândia. Mas a nossa luta especialmente orgânica é com os estudantes secundaristas. A conquista do Passe Livre Estudantil em 2015 é um resultado das ocupações escolares.
A vitalidade das lutas de 2017 contra os cortes que Doria fez no Passe Livre vem dos estudantes. Se formos falar da base mais afetada com aumento do valor de tarifa, teremos: estudantes, desempregados e trabalhadores precarizados. Desse universo de luta, os estudantes estiveram à frente, são organizados historicamente pois conquistaram passe estudantil em “revoltas”, como foi o caso do Rio de Janeiro, Santa Catarina, todas organizadas por estudantes secundaristas.
Tivemos o golpe e muita coisa mudou depois de 2015 e 2016. Agora vivemos um cenário pré-eleitoral. Como o MPL pode atuar no diálogo com o povo sobre a Tarifa Zero, se ela depende de uma vontade política de candidatos que se eleitos ocuparão os cargos majoritários em 2018?
Gabriel: 2018 está dado como um ano de ataques, ano difícil. Entendemos que a primeira grande luta do ano é essa contra o aumento das tarifas. Logo depois, em fevereiro, pode ser que entre em votação a Reforma da Previdência.
O primeiro grande ataque aos mais pobres é o aumento da tarifa. A resistência a esse ataque vai determinar a força com que eles virão os ataques futuros. Se no início de fevereiro ainda tivermos uma luta vigorosa e nacional contra o aumento, teremos um cenário explosivo. Imagine uma greve geral no meio de uma jornada contra o aumento. Lembrando que junho de 2013 foi um momento onde duas lutas se encontraram: contra a Copa, em especial a das confederações, no RJ e BH, e a do aumento. O cenário desse ano pode ser parecido, se colocada em votação a Reforma da Previdência. Mas acredito que há um receio da elite de colocá-la em votação, temendo um cenário caótico como esse de 2013.
Diego: A luta contra as tarifas de transporte funcionará como uma espécie de termômetro. Se acontecer uma revolta, isso pode reverberar para que o povo vá às ruas contra outros ataques. Isso certamente influenciará também na intensidade da repressão policial aos atos e dos ataques por parte da elite.
Então a responsabilidade de vocês é grande?
Diego: Nossa não! (risos) Acho que da população inteira. Antes do MPL, há 100 anos, o povo virava bonde e não era estudante, era trabalhador. Agora falam de MPL por causa de junho de 2013. Mas as revoltas contra os aumentos de tarifa são centenárias.
Qual é a diferença de estratégia da jornada de 2013 e 2018?
Diego: Cada ano de aumento teve uma estratégia diferente. Historicamente, grandes mobilizações no Brasil são muito esporádicas. Por exemplo, antes de junho de 2013, tivemos o Fora Collor, manipulado pela mídia; antes, as Diretas Já, então, diferente do que diz a grande mídia, nunca tivemos a pretensão de fazer outro Junho de 2013, pois sabemos que é muito difícil que aquela jornada se repita.
Gabriel: Em 2016 tentamos algo mais próximo de 2013, pois ainda aconteciam as ocupações nas escolas e era uma luta explosiva, autonôma e vitoriosa. Tinha o vigor secundarista. Embora o aparato da repressão tenha sido muito grande.
Falando mais sobre repressão policial em SP. O ano é estratégico, de eleição. Mas vocês têm a possibilidade de crescer muito nas ruas, pois o povo espera reações fortes de partidos que se declaram como “de esquerda” e provavelmente esses posicionamentos não acontecerão. Então, caberá a vocês jovens do MPL “executarem esta tarefa”. Crescendo nas ruas, cresce o número de policiais. Como vocês agirão?
Gabriel: Sempre temos a presença de muitos policiais nos atos. Achamos que dessa vez não será diferente. Convidamos vocês a denunciar a repressão que nos cerca. Não vamos arregar por isso. Mas temos um certo otimismo. Alckmin e Doria estão desgastados em suas gestões. Doria cortou diversos direitos sociais e só não é mais impopular pois possui fortes investimentos em marketing e Alckmin está completamente envolvido em escândalos da cartelização de transportes com citação na Lava Jato. Então, acho que “explodir” [reprimir fortemente] os atos já na concentração é algo que eles não estão com moral de fazer nesse momento. Há grande probabilidade de isso despertar a opinião popular e fomentar os atos,o que pode ser perigoso para ambos. Temos completa consciência sobre a grande possibilidade de repressão, o que espanta o povo das ruas. Mas o medo dos governantes sobre a força da revolta popular é maior.
Soubemos que o aumento vai ser anunciado por Milton Leite, vereador e presidente da Câmara Municipal de SP. Mas o aumento não teria que ser anunciado pelo prefeito?
Gabriel: Doria vai estar viajando, não trabalha e nunca precisou, tampouco sabe o que é fazer isso. Milton Leite é um político altamente ligado aos empresários de transporte. Falo isso para dizer que podemos fazer uma comparação sobre o que está acontecendo no Rio de Janeiro, onde há provas que os aumentos das tarifas foram motivados por propina e caixa 2 de empresários do transporte, ex-governadores, deputados e vereadores. Esses caras foram inclusive presos com essas acusações. Por conta disso, dois aumentos foram derrubados no RJ e em SP nós não temos dúvida que há uma situação semelhante.
Como deve ser financiado o congelamento das tarifas? Vocês defendem a expropriação dos donos das empresas de transporte?
Diego: Para congelar a tarifa bastaria uma auditoria. Além de congelar, teríamos acesso ao valor real. A maior margem de lucro do país se dá em SP, muito acima do mercado.
Fala-se que o metrô tem chance de ser privatizado nos próximos meses… como os trabalhadores do metrô podem ajudar na mobilização atual contra o aumento das tarifas?
Diego: Vemos a categoria dos metroviários como uma das mais combatentes de SP. Eles são parceiros na luta contra a privatização.
Gabriel: Importante o sindicato avançar no debate sobre a tarifa zero. Mas há dificuldades sobretudo por causa da pressão de Alckmin contra o direito de greve. Na última demonstração de luta combativa da categoria, a tarifa zero foi colocada em prática, com a liberação de catracas. Mas dezenas de metroviários foram demitidos no pós-greve.
Lutar contra Haddad é mais fácil do que contra Doria?
Gabriel: (Risos) Entendemos que Haddad faz parte do campo progressista. Mas achamos que ainda há ressentimentos da esquerda em relação as nossas lutas passadas, embora estejamos vendo que as coisas estão mudando e que essa mesma esquerda parece que quer correr ao nosso lado. Não sentimos mais aquelas acusações: “Vocês são golpistas”, “Estão plantados na Direita”. Hoje até falam, mas falam batendo no Doria junto. (risos) Em 2013, Haddad, por ser do campo progressista, tinha que mostrar que estava minimamente negociando. Já Doria tenta agradar seu publico conservador.
Doria declarou para a imprensa tradicional que o “aumento é suportável”. E aí?
Diego: Essa é a visão de um rico que não conhece a cidade, não sabe o que é ser pobre, nunca pegou ônibus e não tem noção do que é o transporte público.
Gabriel: Esse aumento é maior que o do salário mínimo e isso resulta em diminuição da renda dos mais pobres. No contexto geral dos cortes de Doria, as pessoas estão voltando a passar fome na periferia. Isso mostra um conceito.
Diego: Para quem acha que Tatuapé* é periferia, o aumento é realmente suportável.
*Diego fez uma piada com uma frase dita por Doria Jr, que em visita de vistoria ao Hospital de Tatuapé disse: “ver a realidade como ela funciona, sobretudo na região periférica da cidade, com é o caso desse hospital no Tatuapé”. O prefeito fez uma análise baseada na região em que o bairro fica, na zona leste, a mais populosa de SP e com grandes desigualdades sociais em relação ao restante da cidade. Só que Doria se esqueceu que o bairro do Tatuapé constitui-se hoje em centro de empreendimentos de alto padrão. É uma realidade bem diferente daquela que se observa no fundão da ZL, a mais afetada pela a miséria e o desemprego.