Valores humanos em risco

Essa conversa, entre três amigos, Turco, Zé e Terto, é absolutamente imaginária. É ao mesmo tempo real por conter trechos que, de fato, aconteceram.

“Ele nunca!” Não precisou dizer Terto, pois há muito tempo deixa bem clara sua posição política.

O Turco manda um parágrafo em que Milan Kundera, ao admirar a fotografia do poeta da resistência francesa, René Char, com o filósofo nazista Heidegger, disse que não há nada mais estúpido do que sacrificar uma amizade por razões políticas.

O próprio Turco que, ao ler Ricardo Semler afirmar que estremece a cada vez que ouve que qualquer coisa é melhor que o PT, diz: “Faz pensar. Oscilo todos os dias!!!”

Zé complementa: “Faz pensar sim! Não vou fugir de votar, mas tendo a não dar nova chance a PT e associados com seus líderes atuais.”

Terto, o terceiro amigo, escandalizado com a dúvida de Turco e Zé, pensa em não se manifestar. Não adiantará nada, pensa. Mas não se contém e exclama bem alto:

O cara ofereceu o voto, favorável ao impeachment de Dilma na Câmara, a um torturador facínora, disse que vai liberar armas e autorizar a PM a atirar para matar. Se os caras já matam sem essa ordem explícita, imaginem quando liberar geral. Acho um absurdo completo vocês terem dúvidas.
Apontem um “dos erros”, que vocês julgam que o PT cometeu, que se equipare a essas ideias fascistas?
Vocês também não olharam o desemprego, o salário-mínimo e quantos saíram da miséria durante os governo Lula e Dilma, né?
Se os partidos, nos quais vocês votaram, não tivessem apoiado o golpe contra Dilma, ela estaria no final de seu mandato e, muito provavelmente, não sobraria um fascista de um lado e um petista do outro.

A revista The Economist, conforme matéria dos Jornalistas Livres, opinou que “as reformas necessárias para o Brasil tornar saudável sua democracia não são fáceis nem rápidas”. E conclui: “O sr. Bolsonaro não é o homem para promover isso”.

A revista sublinha o risco de se eleger um candidato que: “i) disse que não estupraria uma deputada porque ela era ‘muito feia’, ii) disse que preferiria um filho morto a um filho gay, iii) sugeriu que aqueles que vivem em uma comunidade fundada por escravos que escaparam são gordos e preguiçosos e iv) dedicou seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao comandante de uma unidade responsável por 500 casos de tortura e 40 mortes durante a ditadura militar.”

Voltando ao Kundera e à amizade. O poeta, René Char, que resistiu firmemente ao nazismo revelou:

 

Compreenda bem isto: Heidegger era para mim um amigo. Ele tinha errado, tinha sido nazista durante dez meses, não mais. Ele queria redimir-se. Na França, Beaufret e eu o ajudamos, por razões justas. Não se pode traçar linhas entre os Resistentes e os outros: alguns resistentes cometeram o crime água acima.

Compreendem que ele julgava que o filósofo havia errado e se corrigido? Ele não relevou que o amigo era fascista, mas sim que o amigo tinha sido fascista e queria se redimir. Bem, a história ainda tomou outro curso, muito tempo depois, quando foi provado que a participação de Heidegger no nazismo não se restringiu a um curto espaço de tempo e vieram à tona muitos indícios de seu antissemitismo.

Em que pese contrariar a opinião de Kundera, há certos conflitos de valores que impossibilitam a amizade. Não estamos diante de opções ou gostos partidários. A história do nazismo e do fascismo na Europa está aí para quem não quiser arriscar repeti-la.

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