Um sopro de justiça no berço de nossa claudicante democracia.

imagem de nota da coluna de Mônica Bergamo, usada para ilustrar o post.

Essa sentença, conquistada através de uma longa batalha nos tribunais junto ao meu camarada e advogado Hugo Albuquerque, não foi apenas histórica, foi também poética. Histórica porque a ruptura democrática que houve na PUC-SP em 2012 é muito semelhante com o processo político desencadeado no Brasil em 2016. Em ambos os casos, a vontade da maioria expressada nas urnas foi atropelada. A PUC-SP, para quem ainda não percebeu, antecipa as tendências da política nacional. Foi assim quando, em 1977, Dom Evaristo Arns confrontou a ditadura implantando práticas democráticas dentro da instituição. A inovação gerou dois resultados: 1) Nadir Kfouri, a primeira mulher no mundo reitora de uma universidade católica eleita pelos alunos, funcionários e professores; e 2) a invasão da PUC-SP pelo coronel Erasmo Dias e uma tropa de 3 mil PMs, munidos de cassetetes e bombas, para prender cerca de 2 mil alunos contrários ao regime.

É por isso que, em sua sentença, o juiz Sidney Tadeu Cardeal Banti escreveu: “Certa vez, Dom Paulo Evaristo Arns, ao comentar a invasão da PUC, esclareceu como se entrava na PUC (por meio de vestibular) e que lá não se destruía nada. O iluminado Cardeal se reportava naquela ocasião a atos de polícia do Estado. Mas, em um sentido mais amplo, isso também se dirige aos alunos e gestores, a fim de que não se transforme a Instituição em um Estado policial”.

Sabendo deste histórico e o carinho que a comunidade puquiana tinha pela tradição democrática de mais de 40 anos, Anna Cintra se comprometeu, nas eleições de 2012, que não aceitaria o cargo caso não fosse a primeira colocada. Não só aceitou o cargo destinado ao ex-reitor Dirceu de Mello, ex-procurador que ganhou notoriedade ao combater o Esquadrão da Morte na ditadura, como também perseguiu quem lutou para preservar a tradição democrática da instituição. Eu, junto com outros estudantes, respondi por uma “denúncia” insólita de “incitação de violência, vandalismo e consumo de drogas”. As provas, recolhidas pelo chefe de gabinete, Lafayette Pozzoli, eram mais falsas que a promessa da ex-reitora: se resumia a um print screen de um evento satírico criado pelo Movimento Estudantil chamado “Fim de Carreira para Aécio e seu vice Adão”, que mudou de nome para “Mais amô forro e democracia”. Também havia na “denuncia” provas forjadas com fotos desdatadas e de outros alunos. É por isso que essa vitória também é poética: fomos acusados sem provas, mas não somos nós que estamos sendo condenados com provas.

A condenação de 16 mil (8mil para cada) por tamanha irresponsabilidade ao ter me caluniado no email institucional da Universidade saiu barato. Em umas das audiências perante o tribunal, Anna Cintra alegou que nunca teve relação com nenhum partido político. Porém, a ex-reitora foi filiada 23 anos ao PSDB (de 1989 a 2012). Lafayette, por “coincidência”, também foi filiado ao PSDB – hoje milita no PTB, partido que compunha a base da candidatura de Aécio Neves em 2014.

Esse processo, vitorioso em primeira instância, é uma homenagem e uma luz de esperança à todos que lutam em defesa de nossa democracia, que vem sendo alvejada arroubos autoritários e manipulada por fake news.

Agora, que a justiça foi feita, vamos procurar fazer um acordo e encerrar o processo. Por isso, termino com as sábias palavras do Padre António Vieira, nosso primeiro indigenista, que no século XVII, antes do Brasil se chamar Brasil, já dizia: “A humanidade é o realce da justiça: entre o justo e o justiceiro há esta diferença – ambos castigam, mas o justo castiga e peza-lhe; o justiceiro castiga e folga. O justo castiga por justiça, o justiceiro por inclinação: o justo com mais vontade absolve, que condena; o justiceiro com mais vontade condena, que absolve. A justiça está entre a piedade e a crueldade: o justo propende a ser piedoso; o justiceiro para ser cruel”.

 

Cauê Seignemartin Ameni, é editor na Autonomia Literária)

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