Jornalistas Livres

Tag: Redução

  • Mães da redução

    Mães da redução

     


    O Capão de um dos meus escritores favoritos, Ferréz, tomava forma a cada estação que o trem avançava. Sempre por motivos festivos, era a segunda vez que eu me dirigia para lá, agora para o Festival Amanhecer Contra a Redução da Maioridade penal


    Ainda no vagão, uma moça jovem, negra, de pele manchada pelo sol e vestes detonadas, pedia qualquer tipo de ajuda — sua mãe a abandonara, deixando dois irmãos mais novos em seus cuidados. Só que aquela história não era nova. Era uma narrativa infeliz, com final incerto, que as mulheres do meu povo tradicionalmente carregam como um fardo desde os tempos de escravidão.

     
    Foto: Mídia NINJA

    Durante os debates acalorados sobre a PEC 171, que tem como principal objetivo seguir negando cidadania e dignidade aos jovens negros periféricos , é muito comum ouvir que “educação vem de casa”. Aí eu me pergunto: que tipo de casa?

    Casa de mulheres totalmente ignoradas pelo Estado e pela sociedade, que age confortavelmente destinando uma falha do poder público à vida privada, na qual a figura da sobrecarregada por todo tipo de responsabilidade é e sempre foi a mulher.

    No sábado (15/08), muitas mães compareceram acompanhadas por seus filhos e pouquíssimas por seus pais.

    Tive a oportunidade de conversar com algumas delas e, apesar do tema do festival, todas se posicionavam a favor da redução da maioridade penal, ressaltando todas as dificuldades que já passaram e que, mesmo assim, jamais pensaram em se enveredar pelo caminho do crime.

    “É preciso ampliar o debate e a participação dessas mulheres, para que adquiram consciência crítica, pois são os seus filhos que estão correndo perigo e não os garotos das classes mais abastadas, que têm como pagar um bom advogado. Realizamos ações que visam essa inclusão, mas é evidente que precisamos de mais. Os universitários precisam ser mais presentes, voltar os olhos para a periferia.” Neide Abati, Presidente da União Popular de Mulheres do Campo Limpo e Adjacência.

    Foto: Mídia NINJA

    Pessoas que vivem em condições precárias e apoiam uma lei que vai à contramão de todas as conquistas do CONDECA (Conselho Estadual do Estatuto da Criança e do Adolescente), jogando para além do esquecimento a vida de milhares de jovens que só interessam aos senhores que lucram com a privatização dos presídios, mostram quão importantes são os nossos esforços. Neste momento, é urgente reforçar a importância do protagonismo dessas mães e empoderá-las para que cobrem satisfações a quem lhes deve: o Estado.

     

     

  • Quebrada contra a redução — Zona Sul disse não!

    Quebrada contra a redução — Zona Sul disse não!

    Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres

     

    Foto: Midia NINJA

    Quebrada contra a redução — Zona Sul disse não!

    Três mil pessoas passaram pelo campo do Pantanal, no Capão Redondo, durante o festival Amanhecer contra a redução.

    Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres

    No meio dos morros do Capão Redondo, entre ruas estreitas e vielas ainda mais, o campinho de terra — um dos poucos espaços de diversão da molecada daquela quebrada — coloriu-se e assumiu mais uma função social e política na Zona Sul, o de defender aqueles meninos que ali brincam.

    Nesse sábado (15) foi realizado o Festival Amanhecer Contra a Redução, o primeiro na capital Paulista, o terceiro no país, reunindo mais de três mil pessoas. Em junho, 20 mil cariocas ocuparam a Praça XV. Em julho, centenas de pessoas se reuniram em Limeira, interior de São Paulo, para organizar o mesmo festival. Está em curso a organização de edições por todo o país. Isso por que aliar a arte na luta contra a violência é uma tática vitoriosa desde… sempre.

    Foto: Mídia NINJA

    Todos os festivais são construídos de maneira colaborativa, reunindo coletivos culturais, de comunicação, movimentos sociais, cooperativas e quem mais quiser ajudar. A ideia é unir forças e criar redes em defesa da juventude e contra o encarceramento da nossa juventude.

    O festival teve início às 10h com prestação de serviços para a comunidade, como cabelereiro, manicure e oftalmologista. Essas atividades foram uma demanda trazida pelos próprios movimentos que atuam na região. A pluralidade da construção faz com que os festivais sejam diferentes, trazendo as características de cada localidade.

    Foto: Mídia NINJA

    Edvam Filho, da rede Fora do Eixo, participou da organização do festival do Rio e de São Paulo. Para ele, a maior diferença, e também a maior dificuldade, entre os dois festivais foi a conjuntura política “quando fizemos o primeiro festival a pauta estava muito quente, dessa vez, devido aos tantos ataques que viemos sofrendo, foi mais difícil mobilizar o pessoal” e complementa: “Mas as pessoas compreenderam a correlação entre os assuntos. Está tudo ligado”.

    Foto: Mídia NINJA

     

    E rolou. Mais de 10 coletivos e movimentos, entre eles a Associação Raso da Catarina, o Palhaço Charles, o Levante Popular da Juventude, União da Juventude Socialista, União Nacional dos Estudantes, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, Rede Fora do Eixo, Agência Popular Solano Trindade, Rede Jornalistas Livres, Juntos, Anistia Internacional, União Popular de Mulheres, Capão Cidadão e Rua, se juntaram e fizeram a edição paulistana acontecer.

    Para financiar esse festival o grupo está realizando um financiamento coletivo que termina no próximo dia 20.

    Às 10h, começaram a chegar principalmente mães acompanhadas de seus filhos. E foi assim, começou tímido, a comunidade foi chegando e quando vimos milhares de pessoas se posicionavam contra a redução. São Pedro também colaborou e o dia lindo com céu azul e sem nuvens compôs o perfeito cenário para a celebração. Celebração da vida e da juventude.

    Foto: Mídia NINJA

    Thiago Vinicius, da Agência Popular Solano Trindade, que atua na Zona Sul, participou da construção do evento desde o início, há quase dois meses. As reuniões, semanais, eram abertas a todos que quisessem colaborar. Ele explica que o convencimento da população da região não foi fácil, grande parte dos moradores são a favor da redução “É muito delicado falar sobre isso, as pessoas não têm acesso à discussão. Antes da quebrada falar de redução tem que discutir outras coisas. A quebrada precisa de lazer, de escola, de qualidade, de cultura. A quebrada está saturada de tanta violência, só quem vive aqui sabe o que é enfrentar a violência”.

    Ele também explica a importância do evento ser realizado na periferia. “Fazer na quebrada tem essa importância, por que somos nós que vamos sofrer. Quem é da elite, da classe média alta, está preocupada com o seu patrimônio. É isso, a redução é uma questão mais patrimonial do que humana”.

    E Walquiria Costa, moradora do Capão, sabe bem disso. Ela costuma ser a favor da redução. “Eu via a violência e pensava, tem que prender todo mundo e jogar uma bomba!”. O que mudou? A maternidade. “Eu vi que não era assim. Eu passei por isso, meu filho tomou um enquadro no shopping uma vez e ele é estudante. Comecei a questionar a redução. Vou defender a redução maioridade penal? E se fosse meu filho!”.

    Foto: Midia NINJA

    Os enquadros policiais são uma realidade cotidiana na periferia. Ativistas da Anistia Internacional recolhiam assinaturas durante o evento para a Campanha Jovem Negro Vivo, que denuncia o genocídio dessa população: 30.000 jovens são assassinados por ano, desse 93% são homens e 77% são negros. Os dados são do Mapa da Violência de 2014. “O objetivo maior dessa campanha é chamar a atenção da população e conscientizar as vítimas de que elas são detentoras de direitos”, explica Itã Cortez, ativista da entidade.

    Não foi diferente durante o dia do festival. Às vésperas de sua realização, quinta-feira (13), uma chacina protagonizada por policiais matou ao menos 20 em Osasco, região Oeste Metropolitana da Capital. “Eles estão todos agitados” explica Neide Abati, da União Popular de Mulheres de Campo Limpo e Adjacências. Na sexta (14), durante a montagem do palco, policiais munidos de metralhadoras foram ao Campo, atividade de rotina, queriam saber o que estava acontecendo, deixaram a orientação que o Festival deveria terminar mais cedo. No dia do evento, montaram bases em diversos pontos da comunidade para o patrulhamento de veículos. Também entraram por diversas vezes na área do festival, alegando que havia sido um “Pedido do Alto Comando”.

    Mas o dia foi de festa! Os shows complementaram a narrativa positiva do festival: Youthman Soundsystem, Msário, Coral Indígena, Leci Brandão, DJ Eduardo Brechó, Veja Luz, Pequeno Cidadão, Batalha na Vila, Negredo, NU, Liga do Funk, Bó da Catarina, Afro Funk e Doc. Artistas de diferentes linguagens e estilos: música, dança, teatro, circo, graffiti e poesia! Arte e cultura como formas de protesto.

    A sambista histórica e deputada estadual Leci Brandão marcou presença. Vice-presidenta da Frente Parlamentar de educação e cultura e presidenta da frente parlamentar em defesa da Juventude, Leci acaba de protocolar um pedido de CPI para a investigação do genocídio negro em São Paulo. Durante o show defendeu a juventude: “Estamos aqui para celebrar a vida”. Ela também lembrou a chacina de Osasco: “É muito triste pedir um minuto de silêncio. Por isso, eu peço palmas para dar coragem e força a esses familiares que ficam”.

    Foto: Mídia NINJA

    Além das atrações culturais, o evento contou com aula pública e debate sobre a redução. Durante o debate, Neide, que também compõe a União Brasileira de Mulheres, lembrou “Eu participei da luta pela constituição do ECA que agora é rechaçado. A mesma polícia que matava na ditadura mata hoje os trabalhadores de Osasco, mata a nossa juventude”. Juventude essa que é criminalizada.” Agem como se os jovens fossem os agentes da violência, sabendo que, na verdade, eles é que sofrem com a violência”, desabafou Graziele Monteiro, diretora de Universidades Públicas da UNE. A solução? Para Wesley Machado, diretor de Cultura da UBES, é uma nova educação “que não expulse o jovem da escola. Hoje o jovem não tem nenhum atrativo para estudar”.

    O projeto de emenda constitucional que diminui a idade penal foi aprovado na Câmara dos Deputados em junho, depois de manobra política do presidente da casa Eduardo Cunha. A segunda votação deve ser na próxima terça-feira (18). As mobilizações continuam por todo o Brasil. Em São Paulo, no próximo sábado (22), será realizado o festival pela #15Contra16 também contra a Redução. Nós, Jornalistas Livres, estaremos presentes.

    Foto: Mídia NINJA

     

  • Eduardo Cunha e os Ditadores em Miniatura: Não é só a Maioridade Penal

    Eduardo Cunha e os Ditadores em Miniatura: Não é só a Maioridade Penal

     

    Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

    “A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa” (Constituição Federal, Artigo 60, parágrafo 5)

    Mesmo que você seja favorável à redução da maioridade penal (não acho que todo mundo que defenda essa ideia seja um “fascista” ou um “sacana que quer matar as crianças brasileiras”), deveria estar preocupado com o que aconteceu na Câmara do Deputados neste dia primeiro de julho, sob a presidência de Eduardo Cunha.

    O Brasil levou tempo para construir uma ordem democrática. Os mais velhos talvez se lembrem de Ulysses Guimarães (PMDB) presidindo a Assembleia Constituinte. Ouvia todo mundo, jamais atropelava a minoria, conduzia o processo como um árbitro. Eduardo Cunha é de outra estirpe. É venenoso, ardiloso, bilioso, nefasto para a Democracia.

    Com o projeto de redução da maioridade derrotado na véspera por cinco votos, Cunha decidiu atropelar a Constituição e colocar a mesma matéria em votação — pela segunda vez. Não se sabe que tipo de pressões ocorreram nos bastidores. O que sabemos é que Cunha deu um golpe, virou 15 ou 20 votos — e conseguiu o que queria (ao fim desse post, transcrevo um texto que traz explicação simples sobre a gravidade do que fez Eduardo Cunha).

    O mais chocante é que o nefasto Cunha tenha recebido o suporte do PSDB (partido que já foi de Montoro e Covas, mas que hoje é o PSDB do coronel Telhada e dos tresloucados Aécio e Carlos Sampaio) para atacar a Constituição.

    “Os tucanos, por grosseiro cálculo político (“ah, o PT é contra a redução da maioridade, então vamos derrotar o PT”), embarcaram na aventura. Sem perceber que o veneno que ajudaram a inocular no sistema político vai atingir todas as instituições.”

    Lembro sempre de Carlos Lacerda, o golpista da UDN que durante mais de dez anos adotou a tática do vale-tudo contra o trabalhismo, contra Vargas e Jango. Em 64, Lacerda alinhou-se com os militares golpistas acreditando que (afastados os trabalhistas do poder) logo se daria nova eleição — em que ele, Lacerda, seria o vitorioso. Não. Lacerda deu o golpe, inoculou o veneno do golpismo no Brasil, e depois também virou vítima da ditadura que lhe cassou os direitos políticos.

    O PSDB vai pelo mesmo caminho…

    Existem duas maneiras de atentar contra a Democracia. Uma é botar tanques e tropas nas ruas. Foi o que se fez em 1964. Outra é solapar lentamente a ordem democrática. No Brasil de 2015, assistimos a essa segunda modalidade de golpe. É o que se chama de golpe em câmera lenta.

    Vejamos…

    1 — Sob a direção da Globo, setores do Judiciário agem à revelia da lei. O juiz deixa de ser um intérprete da lei, e passa a pré-julgar: já tem o roteiro montado, e usa todas as ferramentas (delações, chantagem e prisões arbitrárias) para obter as “provas” que endossem sua tese. Anti-petistas e obtusos em geral aplaudem: “Ah, tudo bem, o que vale é botar esses vagabundos na cadeia”.

    Só que um dia, tudo isso pode-se virar contra qualquer cidadão comum. Um juiz sem limite é um ditador em miniatura. E já temos um deles em ação, em Curitiba.

    2 — A polícia atira, mata, executa. E muita gente aplaude, sob incentivo criminoso de certos jornalistas: “Ah, tudo bem, são vagabundos que merecem morrer”.

    Só que um dia esse “vagabundo” pode ser um filho seu, um amigo, um cidadão qualquer. A polícia não pode julgar e executar. Quem aceita isso aceita a barbárie e o rompimento da ordem democrática. Temos centenas de ditadores em miniatura nas ruas, armados e incentivados a matar pela histeria midiática do medo.

    3 — O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, atropela as regras e a Constituição. E de novos há aplausos: “Ah, tudo bem, essa esquerdalha que defende bandido precisa ser derrotada mesmo, danem-se as regras”.

    “Só que depois que o cristal se rompe, não colamos mais os cacos.”

    Eduardo Cunha, outro ditador em miniatura, quebrou o cristal da institucionalidade democrática. Se o Senado e/ou o Supremo Tribunal Federal não colocarem um basta a esse processo, o golpe terá caminhado mais alguns passos.

    O incrível é que a chefe do poder Executivo, eleita com 54 milhões de votos, não enfrente o golpe abertamente. E não o faz porque errou de forma absurda na política. Eleita pela esquerda, começou governando pela direita, e hoje afunda em 10% de ótimo/bom — segundo as pesquisas.

    Em 1964, a direita precisou botar tanques nas ruas para destituir um governo que era popular, que tinha levado milhares às ruas no Comício da Central, um governo que encaminhara propostas de Reformas de Base. Ainda assim, houve pouca resistência ao golpe.

    No Brasil de 2015, Dilma perdeu apoios, perdeu base popular. O golpe em câmera lenta não precisará de tanques e tropas para se consolidar. Ele vai avançando — passo a passo.

    “O final dessa escalada depende da capacidade de resistência da esquerda, dos movimentos sociais e do centro democrático, mas depende muito mais das contradições que existem do lado conservador.”

    Alckmin e o PSDB paulista querem que o governo permaneça fraco — de olho em 2018. Cunha também prefere o governo fraco. A derrubada de Dilma (último estágio do golpe em câmera lenta) hoje interessa só aos tresloucados de direita e a Aécio.

    Relembremos: se a presidente e o vice caem na primeira metade do mandato, há novas eleições diretas (e Aécio hoje lidera as pesquisas, até pelo “recall” de 2014). Mas se o impeachment ocorre na segunda metade do mandato (ou seja, a partir de janeiro de 2017), aí acontece eleição indireta pelo Congresso: um mandato-tampão até 2018.

    Cunha, o ditador em miniatura, é hoje quem decide a hora de consolidar o lento golpe. Ele é quem decide se abre ou não processos de impeachment.

    Minha aposta: o peemedebista vai avançar em sua agenda conservadora, chantageando o executivo, deixando Dilma e o PT em frangalhos. A hora do impeachment, se depender de Cunha, será entre fins de 2016 e início de 2017. Com a economia no chão, o governo sem base social, o PT derrotado nas eleições municipais: aí, será tirar doce da boca de criança. O ditador em miniatura acerta-se então com os tucanos, e vira presidente num mandato-tampão.

    O PSDB vai sonhar com a vitória nas urnas em 2018, nesse obscuro acerto conservador? Esse, parece-me, é o roteiro da direita. Os tucanos pensam em usar Cunha. Mas há razoes para acreditar que Cunha sairá mais forte que os tucanos em 2018, com uma agenda abertamente de direita.

    Nem todas as cartas estão jogadas. A cada vez que avança no golpe em câmera lenta, Cunha também gera contradições e arestas.

    De toda forma, a situação é tão ou mais grave do que a vivida entre 1961 e 1964. Não nos resta outra alternativa, a não ser resistir. Dialogando com setores de centro (inclusive no PSDB) que precisam entender os riscos dessa aventura.

    ===

    por Yuri Carajelescov*, no Facebook

    Sobre a mais recente manobra de Eduardo Cunha…

    Diz a Constituição Federal que a matéria constante de proposta de emenda constitucional rejeitada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa [artigo 60, parágrafo 5].

    Notem: a “matéria” não pode ser objeto de nova proposta.

    Logo, a matéria “redução da idade de responsabilização criminal” não pode, por ofensa ao devido processo constitucional de emendar a CF, que se constitui em super-cláusula ou limitação formal ao poder constituinte derivado, ser objeto de nova deliberação nesta noite, mas somente no próximo ano legislativo.

    Firulas de redação legislativa, excluindo um ou outro termo presente na proposta rejeitada ontem, são meros jogos de palavras que não mudam essa realidade.

    Ao contrário, tornam ainda mais evidente a intenção ladina de se burlar a lei constitucional.

    Se isso ocorrer, caberá ao STF declarar a medida inconstitucional, mesmo sem examinar o mérito da proposição.

    Sempre é bom lembrar que no estado de direito os meios e processos validam os fins e não o contrário. E o respeito às regras do jogo constitui-se elemento essencial à vida democrática.

    ===

    • Yuri Carajelescov é advogado e professor da FGV/SP

    Conheça os Jornalistas Livres, financie agora a mídia independente: www.catarse.me/jornalistaslivres

     

  • Opinião: Hienas em espólio eleitoral

    Opinião: Hienas em espólio eleitoral

    Comissão aprova às pressas redução da maioridade penal em Brasília

    A irracionalidade, característica da negociação política utilitarista, se impôs ontem na comissão especial que discute a redução da maioridade penal.

    Sedentos pelos votos do campo conservador, que cresce dinamicamente entre os eleitores tradicionais de Dilma Rousseff, os partidos que fazem oposição ao governo encontraram um mínimo denominador comum que lhes permite vestir o estereótipo de justiceiros populares, enquanto a coalizão do governo — que carece de capital político — se poupou do desgaste inerente à derrota e deixou de atuar como bloco.

    Foi referendado o “parecer girafa” em que a redução acontece para crimes mais violentos, o que denota a pouca seriedade dos envolvidos, uma vez que trata-se de evidente resposta aos clamores populares insuflados pela mídia tradicional, com a super exposição artificial que esses crime tem tido. É de conhecimento geral que o aumento na gravidade das penas não implica em redução da disposição dos potenciais criminosos em executar os crimes.

    O posicionamento do PSDB abrandou a irracionalidade da proposta mas deixou claro que também se pauta pela opinião pública de forma populista.

    O ex-presidente Juscelino Kubitschek afirmou, sobre a derrota da ditadura nas urnas em 1974 e as implicações desse acontecimento, que estava solto o “monstro da opinião pública”. Pois agora está solto o monstro, acéfalo, e nós lhe oferecemos como primeira vítima as nossas crianças.

    Oferecemos ao monstro justamente os meninos e as meninas com menos recursos e capacidade de defesa. Fizemos e estamos fazendo isso enquanto coletividade, por meio de nossos legítimos representantes eleitos, que não criam consenso. Negociam e disputam tal qual hienas os espólios eleitorais uns dos outros.

     

  • Parlamentares expulsam estudantes na porrada em Brasília

    Parlamentares expulsam estudantes na porrada em Brasília

     

    O extermínio da juventude negra é inaceitável. Agora, o Parlamento brasileiro também fortalece a cultura do ódio. Nesta tarde, inúmeros movimentos que se reuniram na Câmara dos Deputados em Brasília foram expulsos e agredidos durante a sessão que tratava da redução da maioridade penal. Uma ativista permanece, até o encerramento desta matéria, em poder da autoridade policial.

    O repúdio à proposta de redução da maioridade penal levou centenas de jovens ao Congresso. A proposta de reduzir de 18 para 16 anos a idade mínima para que uma pessoa seja punida criminalmente era debatida e a presença dos ativistas irritou deputados da bancada BBB (Bala, Boi, Bíblia).

    Irritado, o deputado Alberto Fraga(DEM-DF) chegou a agredir uma militante da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e a chama-la de ‘vadia’.

    Os jovens foram expulsos da Casa do Povo à base de chutes, sprays de pimenta e gás pelos seguranças da casa com pleno apoio de parte dos parlamentares. É só cadeia, tiro, porrada e bomba o que a política tradicional tem a oferecer para a juventude? Mais giz e menos bala na Pátria Educadora. O fascismo ameaça nossa jovem democracia.

     

     

  • Virando o jogo

    Virando o jogo

    Quando a ação é reação: a tecnologia do encontro pelo resgate da convivência

    Já era noite. Embaixo do pergolado do Praça Roosevelt, zona central de SP, com a PM à vista, o Cauê Novaes, do Coletivo Transverso ajudava o João Claudio de Sena a colar seu trabalho fotográfico junto aos microrroteiros da cidade, de Laura Guimarães. Eu me afastei um pouco do grupo, olhei para o outro lado, mirei o céu e não aguentei. Chorei.

    Porra, como é bom ainda poder se emocionar! Fizemos algo grande, e, naquele momento, a ficha caiu: um sábado inteiro de cores, bandeiras, conversas, palavras, corpos, imagens. Não sei ao certo, mas foram aproximadamente 300 artistas, coletivos, movimentos sociais, estudantes, grupos de moradores, pais, mães, famílias, participando da #ViradaPenal, da rede de intervenção contra a redução da maioridade penal.

    Por que mergulhei de corpo e alma nessa causa? Primeiro, eu já tive 16 anos. Eu lembro o que é ter 16 anos. E sei o quanto me distanciei daquele menino de 16 anos. Segundo, não acredito em punição. Nunca acreditei. Esse é o caminho dos impacientes. Terceiro, nunca alimentarei essa cultura do medo, da arquitetura da exclusão, dos alarmes, das cercas eletrificadas, dos condomínios fechados, das milícias de calçada, da polícia punitiva, da indústria do encarceramento, da discriminação, da intolerância. Nunca.

    O dia começou silencioso, em meio a quadros de aviso de igrejas católicas e suas paróquias. O papa é pop. O papa é contra. E terminou numa escadaria pública junto de colaboradores #JornalistasLivres.

    Um dia inteiro separava esses dois momentos.

    Aquelas ações me fizeram acreditar na tecnologia de rede. Me fizeram acreditar na tecnologia do encontro. A rede só se torna verdadeiramente eficaz quando existe o encontro.

    Duas semanas reencontrando velhos e novos conhecidos por facebook, twitter, email, instagram, celular. Corpo a corpo, recados únicos, memória.

    Da rede para o espaço público. Considero a rua, o espaço público, uma das chaves mais importantes para combater ideias antiquadas como essa da redução da maioridade penal. Essa ideia é velha, nasceu velha. Por que temos que discutir um método punitivo, quanto mais para adolescentes que ainda estão em formação? Por que não estamos na rua para procurarmos soluções que ataquem o começo dessa história? Por que não pensar no antes em vez de pensar no depois?

    Pensar numa revolução educacional, valorizando o professor, possibilitando ferramentas de reciclagens periódicas, mudança das ementas, introdução da rede na possibilidade de trocas entre alunos, utilização do espaço público como lugar de pesquisa e estudo, participação dos pais como co-gestores, “inclusão” como matéria oficial do currículo básico, “preconceito”, “tolerância”, “movimentos sociais”, “tecnologia de rede”, “tecnologia comunitária”, enfim, o entendimento da vida como uma variedade de sala de aula, como estudo de uma nova arquitetura educacional.

    Precisamos pensar também em uma reestruturação completa do sistema carcerário tanto de adultos quanto de adolescentes. É urgente mudarmos o pensamento: da punição para a reeducação. É urgente combater o preconceito, o racismo, e as distâncias que separam mundos.

    Voltemos à rua. A rua é a extensão natural do quintal de casa.

    É imprescindível transformarmos a rua em nosso território de ação.

    É na rua que temos os primeiros contatos com as diferenças, sejam religiosas, sociais, raciais. É nesse território que aprendemos sobre a tolerância, o combate ao preconceito, a convivência. E nessa convivência, abrimos espaço para a ideia comunitária, o sentido coletivo, a formação de um bairro, de uma cidade.

    E assim, chegamos nesse dia 9/5, o dia do início da #ViradaPenal. Quando abrimos o bandeirão da casadalapa no Viaduto do Chá, foi só o começo do entendimento do alcance dessa rede. Lambe-lambes do Muda de Ares e família em Perdizes, do Ocupe a Cidade em Bom Retiro, dos Paulestinos, Laura Guimarães, Rudá K. Andrade, Coletivo Transverso no Centro, grafites em São Bernardo na Sopa do Galo, em Mauá, no Grajaú, em São Mateus, Itaim Paulista, na Lapa.

    Os filmes “De Menor”, da Caru Alves de Souza no B_arco, com a presença da diretora e de Carol Trevisan, dos Jornalistas Livres e, “Sem Pena”, do Eugenio Puppo, no Parque Augusta.

    O incrível ZAP! — Zona Autônoma da Palavra, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, com a presença silenciosa/barulhenta do Slam do Corpo, do coletivo CorpoSinalizante, os alvos vivos do Geandre Tomazzoni, da Bijari, diretamente de Querétaro, México e também da Av. Paulista, os pontos de ônibus ocupados pelo Nova Pasta, o resultado forte do workshop da Frente 3 de Fevereiro no Rio de Janeiro, a presença do movimento de moradia FLM/MSTC com suas faixas nas fachadas das ocupações, os materiais do movimento estudantil, ações em cidades como São Roque, Juiz de Fora, Araçatuba, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, e até em Paris, em frente ao Consulado Brasileiro.

    As projeções do Godoy, da Bijari, o Condomínio Cultural causando no metrô, a ocupação da Waldir Azevedo, o Projeto Matilha e suas conversas em Itapeva, os shows na Ocupação Mauá, na Serralheria. Videoinstalações na Oswald e no Centro Cultural. Performers em trânsito na 25 de Março, Anhangabaú e Barra Funda.

    Tambores que ecoam pelo Butantã. Poetas que declamam seus sentimentos na rede e na rua. E a genial Laerte nos muros da cidade.

    E todos os artistas que se declararam contra a redução em shows, peças de teatro, festivais de dança, saraus. Argentinos, bascos, italianos, colombianos, mexicanos, franceses, haitianos, nigerianos, brasileiros.

    Foi muita coisa que aconteceu. Muita gente que tirou a bunda do sofá e veio escrever a sua versão da história. Fico feliz de ter contribuído para que esse assunto não se perca nos programas vespertinos da TV.

    E agradeço a todos que participaram das ações. Que trouxeram sua arte, sua indignação, sua força, sua voz, seu sorriso.

    Mas tenho um pedido a mais. Como diz a Frente 3 de Fevereiro e Gaspar Z’África Brasil, “conquistas, glórias, derrotas, vitórias de tantas batalhas traçadas”. Não temos todo o tempo do mundo. Por enquanto, ainda não. Continuemos na rua, no espaço público, nas praças, nas pontes e overdrives.

    Continuemos a acreditar em algo novo, algo vivo e verdadeiro. Eu continuo a acreditar. E aquele sábado inesperado foi só o começo. Apenas o começo!

    Participe da rede de intervenção contra a redução da maioridade penal!