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  • Futebol Callejero no Capão Redondo

    Futebol Callejero no Capão Redondo

     

    Evento Estéticas das Periferias leva futebol de rua e conscientização para o Capão Redondo


    Neste 30 de Agosto, domingo passado, aconteceu o último Encontro Estéticas das Periferias, no Capão Redondo, mais precisamente na Vila Valquíria. O evento foi organizado pela Ação Educativa em parceria com diversas outras instituições, entre elas a Associação Capão Cidadão, que forneceu o espaço para o evento acontecer. Este encontro passou também por outras regiões consideradas de risco pelos altos índices de violência, levando cultura, lazer e conscientização para os moradores das comunidades.

    Uma das principais ferramentas para que eles tenham sucesso na empreitada é o futebol, esporte que sempre promoveu sociabilidade entre os moradores de comunidades carentes do Brasil. O futebol tradicional, que é o utilizado pelos grandes clubes do mundo, perdeu boa parte de seu espírito de coletividade e têm cada vez mais levado os jogadores a pensar unicamente no capital, na carreira e no individualismo antes de ver a influência que tudo isso tem nos jovens carentes. Para mudar essa ideia, o Estéticas das Periferias realizou o I Festival de Futebol de Rua e contou com uma metodologia diferenciada do futebol, o Fútbol Callejero (espanhol para ‘Futebol de Rua’), que foi criado na Argentina pelo ex-futebolista Fabian Ferraro e já está presente em mais de 64 países ao redor do mundo, contando inclusive com uma Copa América e com um mundial.

    O Futebol Callejero tem regras diferenciadas do futebol tradicional. O jogo é dividido em três tempos ao invés de apenas dois, sendo que no primeiro tempo os jogadores se reúnem para discutir as regras a serem utilizadas durante a partida. Essas regras podem variar de acordo com a necessidade de cada equipe e comunidade, mas alguns pontos básicos precisam ser seguidos.

    No segundo tempo o jogo acontece e no terceiro os jogadores se reúnem novamente para discutir se as regras combinadas foram cumpridas. Tudo é feito sob a supervisão de mediadores, que agem como auxiliadores do diálogo. O sistema de pontuação pode mudar, por exemplo. O gol pode valer mais que apenas 1 ponto se ele for fruto de uma troca de passes ao invés de uma jogada individual. A ideia do Futebol Callejero é fazer com que os jovens entendam conceitos de coletividade e de resolução de conflitos através do diálogo e do respeito mútuo, eliminando assim a necessidade de uma autoridade em campo, que no futebol tradicional é representada pelo juiz. Além de promover o debate, o Futebol Callejero promove também a discussão de gêneros entre os jovens da comunidade, ao permitir que mulheres e homens entrem em campo juntos. A medida tem forte influência na questão de gênero nas comunidades.

    Foto: Adolfo Gabaldo Garroux

    As mulheres, inclusive, pareciam comandar os jogos, fazendo gols e dando dribles desconcertantes. Eram também voz ativa na hora de discutir as regras e o cumprimento dessas, e eram devidamente respeitadas pelos participantes masculinos. O poder de conscientização disso é astronômico, mostrando para a sociedade que as mulheres tem a mesma capacidade dos homens — se não tiverem mais. Toda essa metodologia veio para ensinar aos jovens que, se organizados, eles mesmos tem o poder de conduzir a sociedade de forma pacífica e efetiva, sem a necessidade de grandes autoridades para lhes dizer exatamente o que fazer. No final do evento troféus são entregues aos jogadores como premiação pela participação no festival.

    Rodrigo Guimarães, um dos mediadores e também jogador consagrado do Futebol Callejero no Brasil, falou conosco e explicou que essa é a metodologia escolhida pelos organizadores por seu poder de conscientização social. “Se a gente consegue resolver os conflitos do futebol por meio do diálogo, por que não conseguiríamos resolver conflitos da sociedade no geral? A ideia é que não formemos apenas jogadores ambiciosos, mas também cidadãos.”, disse.

    Coletivo Narra Várzea. Foto: Adolfo Gabaldo Garroux

    Todos os jogos foram narrados ao vivo pelo Coletivo Narra Várzea, que estava no palco conduzindo o evento ao lado de um DJ que fazia a alegria dos jovens com seus beats de rap. Aliados a um discurso majoritariamente sócio-educativo, o Narra Várzea, como o próprio nome já diz, existe para levar narrações esportivas para os jogos das comunidades. Os narradores agiam também como conscientizadores sobre diversas questões que pudessem surgir durante as partidas, como por exemplo a discussão de gêneros, sempre falando sobre a presença feminina em campo e como isso deveria ser respeitado. A empolgação dos narradores durante os jogos fazia também com que os jovens se sentissem importantes mesmo sem a ideia do futebol tradicional de crescimento individual. Um dos narradores e participantes do Coletivo Narra Várzea é Dugueto Shabazz, rapper, que atua também como arte-educador para os jovens da periferia. “A ideia é que o jovem da periferia não precise ir até o Ibirapuera pra encontrar lazer e cultura. Queremos que eles possam ir ao Ibirapuera também, mas eles tem que ter isso dentro da quebrada deles”, disse. Dugueto critica também a posição dos órgãos governamentais, principalmente o governo do Estado, que se mostram ausentes nessas questões básicas que necessitam de total atenção. Eles estão nos lugares onde essa consciência social precisa ser melhor difundida, e o fazem com total efetividade.

    Conversamos também com Magrão, representante da Associação Capão Cidadão, que nos contou um pouco de sua participação nas ações sociais da região. “Isso tudo aconteceu na minha vida após eu ter visto um grafite na rua, uma frase do Raul Seixas. ‘Sonho que se sonha só é sonho que sonha só. Sonho que se sonha junto é a realidade’. A partir dessa ideia eu comecei a mudar a minha vida no sentido de observar as coisas, de sonhar junto com as pessoas. E vejo que uma frase na rua, junto das tecnologias modernas utilizadas da forma correta, pode implantar conhecimento e mudar a vida de uma criança. É importante se igualar à criança, entender o universo dela”, disse. Nada melhor para isso que o futebol e o grafite, que estão presentes nas vidas dos jovens de periferia, que olham para essas práticas com olhares diferentes dos que olham para as práticas criminosas. A arte, a cultura e o lazer tem o poder de fazer com que os jovens sintam-se acolhidos e entendidos ao invés de ameaçados.

    “Eu fiquei encantada desde o inicio quando a proposta do Futebol de Rua me foi apresentada. Foi um pouco difícil no começo, levamos um ano pra conseguir participar e fomentar esse projeto, que é preventivo, sem dúvida. É importante ensinar aos jovens que existem outras formas de se resolver conflitos além das já utilizadas hoje, através da paz e da conciliação”, disse Maria Luiza de Freitas Nalini, presidente do comitê de ação social e cidadania do Tribunal de Justiça.

    Fotos: Dayane Ponte

    Além do Futebol Callejero, o evento contou também com apresentações teatrais e musicais, e também de grafites que foram pintados nos muros da sede da Associação Capão Cidadão. O evento teve grande participação da comunidade e de instituições como o Movimento População de Rua. A população da região compareceu em massa no campão de terra que era chamado pelo Narra Várzea de Arena Pantanal, além de prestigiarem o evento também de suas lajes e janelas que estavam viradas de frente ao campão. O evento durou o dia inteiro e incluiu diversas crianças e adolescentes da região, que poderiam muito bem estar em outros lugares naquele domingo ensolarado que não aprendendo sobre consciência social, consciência de gênero e coletividade.

    Foto: Adolfo Gabaldo Garroux

     

  • R-existência no corpo incrível dos B-Boys

     

    Meninos ágeis, fortes e elásticos fazem movimentos impossíveis ao som da batida forte de músicas sampleadas. São lindos meninos que dançam break num domingão, disputando o duelo que acontece na quadra da Escola Estadual Doutor João Ernesto Faggin, na Vila Clara, periferia do Jabaquara (Z/S de São Paulo)

     

    É puro amor pela arte, pela criação, pela vida.

    Se você só é capaz de mexer seus músculos ou mobilizar a sua inteligência se tiver grana envolvida, saiba que esses gênios da dança entregam de seis a sete horas de suas vidas por dia para treinar os passos das coreografias sensacionais que exibirão numa quebrada como a da escola Doutor João Ernesto Faggin. Ao vencedor será dado um troféu. Grana, nenhuma.

    A escola que abriga o duelo neste domingo tem grades para todos os lados. A pintura está desgastada. Mas basta os meninos começarem a voar e rodopiar dentro do quadrado de decorflex no chão da quadra de esportes –a pista de dança — para que o espaço se transforme. Torna-se o coração da liberdade, do sonho, da cultura.

    Mauricélio de Lima Barros, 21 anos, o Mauri Lima, foi o campeão da disputa que envolveu 35 dançarinos de vários estados. Mauri é um rapaz sério e tímido. Nasceu em Diadema, na Grande São Paulo, e hoje divide-se entre São Bernardo do Campo e Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero. Ele se torna um gigante quando entra no decorflex.

    Membro de um time de B-Boys conhecido como RootsFavela Crew, Mauri vive para o hip hop, embora não tenha conseguido, até aqui, viver do hip hop. Ele treina muito, ouve rap, tenta uns versos, e observa. Observa muito.

    Seu colega de time, Marcos Rafael Freitas da Silva, 21 anos, que se consagrou vice-campeão no duelo deste domingo, explica que ele e os amigos observam muito todos os movimentos: “Se estou tomando banho e passo a mão na cabeça para lavá-la, pode estar aí um movimento que incorporo na minha dança”, diz. “O tempo todo penso nos movimentos que faço com meu corpo e observo os movimentos que as pessoas fazem com os delas”.

    O Brasil já é uma potência nos duelos internacionais de B-Boys. E a tradição vem da década de 1990, quando pioneiros como Edcarlos Faustino Guilherme, hoje com 36 anos, começaram a treinar os primeiros passos. Hoje, Edcarlos é um empresário do setor de transportes que, nas horas vagas, gosta de estimular a abertura de novos espaços para a prática da dança.

    A meca dos B-Boys, por incrível que possa parecer, é Seul, na Coréia do Sul. É estranho porque se sabe que a dança de rua nasceu nos anos 1970 entre os negros e latinos de Nova York. Mas os B-Boys coreanos incorporaram aos movimentos do hip hop elementos de danças tradicionais coreanas, como o pungmul e também de lutas, como o taekwondo.Caiu no gosto do país.

    Hoje, os duelos de B-Boys na Coréia envolvem grana alta de patrocinadores, a vibração de platéias lotadas e vultosas somas em dinheiro para os grandes artistas.

    No Brasil, Marcos Rafael explica que também está buscando “vitaminar” a dança de rua com elementos da sua cultura de origem. Pernambucano de Recife, o menino coloca em suas coreografias as influências explícitas do frevo, do xaxado e do coco –tradicionais do nordeste, ligados à força das culturas negra e indígena, misturadas. “Fica diferente, e fica muito legal”, ele garante.

    A B-Girl Karen, brasileira que vive em Copenhagen (Dinamarca) há 23 anos, estabelece bem a diferença entre a cena B-Boy brasileira e a do país europeu. “Aqui no Brasil, os B-Boys vêm das comunidades. É um movimento ligado existencialmente às comunidades pobres. Isso dá uma autenticidade forte e imprime indelevelmente a marca da cultura popular. É notável, por exemplo, que os movimentos dos B-Boys brasileiros têm muita dinâmica e muita acrobacia. Não tenho dúvidas de que isso se deve à influência determinante da capoeira”.

    Para manter os corpos tão leves e alongados quanto musculosos, os meninos usam a receita mais tradicional possível: alimentam-se de arroz, feijão, frutas, legumes. Pouca carne. Frituras e óleos são quase banidos. E nada, nada mesmo, de bolas e anabolizantes.

    Cansados e felizes com o resultado da prova, os heróis da equipe RootsFavela Crew saíram do duelo deste domingo e foram, juntos, pegar o ônibus que os levaria de volta a São Bernardo. Nenhum deles tem carro. Nada de ostentação. Sua riqueza são seus corpos. Dali a duas horas, estariam em casa. No caminho, avisam, vão pensando nas músicas, nas coreografias, em como melhorar. Eles amam o hip hop.

    PS: se você quiser ver uma batalha de B-Boys, não perca: dia 31/10, no Okinawa Club de Diadema, vai acontecer a festa de 30 anos da Back Spin, com toda galera do hip hop presente. Avenida Sete de Setembro N°1.670, telefone 11 7850–7917 .

     

  • Maior problema do Brasil não é a corrupção, é o genocídio da população preta, pobre e periférica

    Maior problema do Brasil não é a corrupção, é o genocídio da população preta, pobre e periférica

    Na continuidade dos protestos contra mais uma chacina no Brasil, o Movimento Independente Mães de Maio segue angariando apoios e participando de manifestações para dar visibilidade ao verdadeiro maior problema do país: o genocídio da população preta, pobre e periférica. Essa semana, membros do Centro Acadêmico 11 de Agosto, fizeram uma homenagem aos 18 mortos de Osasco, colocando cadeiras vazias no pátio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP). Mais tarde, as cadeiras foram colocadas em frente à sala em que o Secretário Estadual de Segurança Pública, Fernando de Moraes, que também foi aluno da instituição, dá aulas todas as segundas-feiras. Não há um prazo para o fim da instalação.

    “Os estudantes de direito estão muito comprometidos com a justiça social e contra ações como a redução da maioridade penal”, contou Débora Maria Silva, fundadora e coordenadora das Mães de Maio. No início do ano estivemos juntos num grande evento sobre o tema, no salão nobre da faculdade que reuniu alguns dos maiores juristas do Brasil. (veja íntegra do ato abaixo).

    Mas as ações das Mães de Maio não param por aí. Amanhã, 21 de agosto, às 19:30, Débora participa em São Paulo, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade (Rua da Consolação, 94, Centro), com a artista e videomaker Clara Ianni do lançamento do livro Esperar Não é Saber: Arte entre o Silêncio e a Evidência, de André Mesquita. A obra á baseada do filme Apelo, de Débora e Clara, que fala sobre os Crimes de Maio de 2006, as chacinas nas periferias e os assassinatos durante da Ditadura com ocultação de corpos numa vala comum do Cemitério de Perus onde ainda são enterrados diariamente dezenas de corpos de jovens, identificados ou não, considerados “indigentes”. Como os familiares não são informados e nem sempre os corpos são reconhecidos nos Institutos Médico Legais, muitas vezes as mães seguem buscando seus filhos mortos a vida toda. Assista Apelo abaixo.

  • Quebrada contra a redução — Zona Sul disse não!

    Quebrada contra a redução — Zona Sul disse não!

    Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres

     

    Foto: Midia NINJA

    Quebrada contra a redução — Zona Sul disse não!

    Três mil pessoas passaram pelo campo do Pantanal, no Capão Redondo, durante o festival Amanhecer contra a redução.

    Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres

    No meio dos morros do Capão Redondo, entre ruas estreitas e vielas ainda mais, o campinho de terra — um dos poucos espaços de diversão da molecada daquela quebrada — coloriu-se e assumiu mais uma função social e política na Zona Sul, o de defender aqueles meninos que ali brincam.

    Nesse sábado (15) foi realizado o Festival Amanhecer Contra a Redução, o primeiro na capital Paulista, o terceiro no país, reunindo mais de três mil pessoas. Em junho, 20 mil cariocas ocuparam a Praça XV. Em julho, centenas de pessoas se reuniram em Limeira, interior de São Paulo, para organizar o mesmo festival. Está em curso a organização de edições por todo o país. Isso por que aliar a arte na luta contra a violência é uma tática vitoriosa desde… sempre.

    Foto: Mídia NINJA

    Todos os festivais são construídos de maneira colaborativa, reunindo coletivos culturais, de comunicação, movimentos sociais, cooperativas e quem mais quiser ajudar. A ideia é unir forças e criar redes em defesa da juventude e contra o encarceramento da nossa juventude.

    O festival teve início às 10h com prestação de serviços para a comunidade, como cabelereiro, manicure e oftalmologista. Essas atividades foram uma demanda trazida pelos próprios movimentos que atuam na região. A pluralidade da construção faz com que os festivais sejam diferentes, trazendo as características de cada localidade.

    Foto: Mídia NINJA

    Edvam Filho, da rede Fora do Eixo, participou da organização do festival do Rio e de São Paulo. Para ele, a maior diferença, e também a maior dificuldade, entre os dois festivais foi a conjuntura política “quando fizemos o primeiro festival a pauta estava muito quente, dessa vez, devido aos tantos ataques que viemos sofrendo, foi mais difícil mobilizar o pessoal” e complementa: “Mas as pessoas compreenderam a correlação entre os assuntos. Está tudo ligado”.

    Foto: Mídia NINJA

     

    E rolou. Mais de 10 coletivos e movimentos, entre eles a Associação Raso da Catarina, o Palhaço Charles, o Levante Popular da Juventude, União da Juventude Socialista, União Nacional dos Estudantes, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, Rede Fora do Eixo, Agência Popular Solano Trindade, Rede Jornalistas Livres, Juntos, Anistia Internacional, União Popular de Mulheres, Capão Cidadão e Rua, se juntaram e fizeram a edição paulistana acontecer.

    Para financiar esse festival o grupo está realizando um financiamento coletivo que termina no próximo dia 20.

    Às 10h, começaram a chegar principalmente mães acompanhadas de seus filhos. E foi assim, começou tímido, a comunidade foi chegando e quando vimos milhares de pessoas se posicionavam contra a redução. São Pedro também colaborou e o dia lindo com céu azul e sem nuvens compôs o perfeito cenário para a celebração. Celebração da vida e da juventude.

    Foto: Mídia NINJA

    Thiago Vinicius, da Agência Popular Solano Trindade, que atua na Zona Sul, participou da construção do evento desde o início, há quase dois meses. As reuniões, semanais, eram abertas a todos que quisessem colaborar. Ele explica que o convencimento da população da região não foi fácil, grande parte dos moradores são a favor da redução “É muito delicado falar sobre isso, as pessoas não têm acesso à discussão. Antes da quebrada falar de redução tem que discutir outras coisas. A quebrada precisa de lazer, de escola, de qualidade, de cultura. A quebrada está saturada de tanta violência, só quem vive aqui sabe o que é enfrentar a violência”.

    Ele também explica a importância do evento ser realizado na periferia. “Fazer na quebrada tem essa importância, por que somos nós que vamos sofrer. Quem é da elite, da classe média alta, está preocupada com o seu patrimônio. É isso, a redução é uma questão mais patrimonial do que humana”.

    E Walquiria Costa, moradora do Capão, sabe bem disso. Ela costuma ser a favor da redução. “Eu via a violência e pensava, tem que prender todo mundo e jogar uma bomba!”. O que mudou? A maternidade. “Eu vi que não era assim. Eu passei por isso, meu filho tomou um enquadro no shopping uma vez e ele é estudante. Comecei a questionar a redução. Vou defender a redução maioridade penal? E se fosse meu filho!”.

    Foto: Midia NINJA

    Os enquadros policiais são uma realidade cotidiana na periferia. Ativistas da Anistia Internacional recolhiam assinaturas durante o evento para a Campanha Jovem Negro Vivo, que denuncia o genocídio dessa população: 30.000 jovens são assassinados por ano, desse 93% são homens e 77% são negros. Os dados são do Mapa da Violência de 2014. “O objetivo maior dessa campanha é chamar a atenção da população e conscientizar as vítimas de que elas são detentoras de direitos”, explica Itã Cortez, ativista da entidade.

    Não foi diferente durante o dia do festival. Às vésperas de sua realização, quinta-feira (13), uma chacina protagonizada por policiais matou ao menos 20 em Osasco, região Oeste Metropolitana da Capital. “Eles estão todos agitados” explica Neide Abati, da União Popular de Mulheres de Campo Limpo e Adjacências. Na sexta (14), durante a montagem do palco, policiais munidos de metralhadoras foram ao Campo, atividade de rotina, queriam saber o que estava acontecendo, deixaram a orientação que o Festival deveria terminar mais cedo. No dia do evento, montaram bases em diversos pontos da comunidade para o patrulhamento de veículos. Também entraram por diversas vezes na área do festival, alegando que havia sido um “Pedido do Alto Comando”.

    Mas o dia foi de festa! Os shows complementaram a narrativa positiva do festival: Youthman Soundsystem, Msário, Coral Indígena, Leci Brandão, DJ Eduardo Brechó, Veja Luz, Pequeno Cidadão, Batalha na Vila, Negredo, NU, Liga do Funk, Bó da Catarina, Afro Funk e Doc. Artistas de diferentes linguagens e estilos: música, dança, teatro, circo, graffiti e poesia! Arte e cultura como formas de protesto.

    A sambista histórica e deputada estadual Leci Brandão marcou presença. Vice-presidenta da Frente Parlamentar de educação e cultura e presidenta da frente parlamentar em defesa da Juventude, Leci acaba de protocolar um pedido de CPI para a investigação do genocídio negro em São Paulo. Durante o show defendeu a juventude: “Estamos aqui para celebrar a vida”. Ela também lembrou a chacina de Osasco: “É muito triste pedir um minuto de silêncio. Por isso, eu peço palmas para dar coragem e força a esses familiares que ficam”.

    Foto: Mídia NINJA

    Além das atrações culturais, o evento contou com aula pública e debate sobre a redução. Durante o debate, Neide, que também compõe a União Brasileira de Mulheres, lembrou “Eu participei da luta pela constituição do ECA que agora é rechaçado. A mesma polícia que matava na ditadura mata hoje os trabalhadores de Osasco, mata a nossa juventude”. Juventude essa que é criminalizada.” Agem como se os jovens fossem os agentes da violência, sabendo que, na verdade, eles é que sofrem com a violência”, desabafou Graziele Monteiro, diretora de Universidades Públicas da UNE. A solução? Para Wesley Machado, diretor de Cultura da UBES, é uma nova educação “que não expulse o jovem da escola. Hoje o jovem não tem nenhum atrativo para estudar”.

    O projeto de emenda constitucional que diminui a idade penal foi aprovado na Câmara dos Deputados em junho, depois de manobra política do presidente da casa Eduardo Cunha. A segunda votação deve ser na próxima terça-feira (18). As mobilizações continuam por todo o Brasil. Em São Paulo, no próximo sábado (22), será realizado o festival pela #15Contra16 também contra a Redução. Nós, Jornalistas Livres, estaremos presentes.

    Foto: Mídia NINJA

     

  • 32º Festivale: entre a política e cultura

    32º Festivale: entre a política e cultura

     As vozes que narram uma semana de festividade no Vale do Jequitinhonha. Pequenas reflexões sobre a cidade, os shows, a arte e os questionamentos acerca das barragens e das políticas públicas

    Após 21 anos, o Festivale, Festival de Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha, retorna a cidade de Salto da Divisa com a missão de aliar a tradicionalidade da festa com a política e a renovação que a juventude precisa. A 32ª edição do evento emocionou os participantes com muito teatro, poesia, dança, aprendizagem e esperança, já que mostrou abertura do poder público para as demandas da região e vontade dos jovens em engajar-se nas lutas locais.

    Com o início do Festivale, muitos dos jovens que saíram do Vale em direção aos grandes centros, retornaram para curtir a festividade. É o caso de Ulisses de Oliveira, de 26 anos. Natural de Salto da Divisa, ele reside em Belo Horizonte para estudar e afirma que a cidade, que já está quase em território baiano, embaraça as duas culturas. “Creio que a identidade do Salto, como muitas, é bastante complexa, mas vejo que ela se aproximaria a uma ideia de um povo de fronteira, que fica nos limites da construção identitária do povo mineiro e do povo do Vale do Jequitinhonha com a ideia de cultura baiana. É um lugar que neutralizaria essas identidades, onde não dá para descrever que aqui é Bahia ou ali é Minas”.

    Benção das Águas. Foto: Vilmar Oliveira.
    Os jovens da região, repletos de sonhos, se dividem no dilema de amar a cidade e querer recursos que ela não possui. “Minha cidade ia ser muito desenvolvida se tivesse estrada de asfalto, a gente já teve verba pra isso mas não foi feito. O clima é bom e é pertinho de Porto Seguro.. às vezes eu fico pensando, será que aqui é o único lugar que ainda não tem asfalto?”, questiona Ulisses. Larissa Neves, 14 anos, que está no seu primeiro Festivale e faz parte dos Jovens Comunicadores de Salto da Divisa exalta a cidade, ainda que afirme que pretende se mudar de lá para estudar. “Morar em Salto da Divisa é bom porque é uma cidade pequena e é tudo pertinho, é uma cidade de várias culturas. Morar perto da Bahia é um prazer imenso, as coisas ficam mais perto, se aqui não tiver um recurso, um hospital, vamos para a divisa com a Bahia.”

    Cada cidade tem seu teatro, grupo de dança e a riqueza da cultura de um povo que quebra o estigma de “Vale da Miséria” e renasce das próprias contradições. Weslley Barbosa, de 16 anos, morador da cidade de Rubim mostra esta garra. “Foi a própria ONU que veio ao Vale e colocou o apelido de Vale da Miséria pra cá, e isso ficou impregnado até hoje na região. Aqui não é mais aquela coisa de que há anos atrás você via as pessoas com só feijão na panela.” Ainda que, para ele, várias mudanças sejam necessárias, o participante do Folias da Cultura, Ponto de Cultura de Rubim, reforça o poder da juventude. “A gente só vai estar bem representado quando nós mesmos tomarmos as atitudes, irmos pra rua e a massa cada vez mais aumentar. Eu consigo olhar e ver que não estou sozinho e tenho mais pessoas engajadas lutando aqui no Vale.”

    Teatro Ícaros do Vale. Araçuaí. Foto: Vilmar Oliveira

    A imersão na região deixou clara a ligação do povo com o Rio Jequitinhonha, que era e ainda é força motriz destas terras no nordeste de Minas Gerais. Segundo Ulisses, “o rio é evidentemente um verdadeiro elemento que compôs a formação e ocupação da cidade, ali era caminho para vários grupos humanos, desde os indígenas, escravos que fugiam, dos contrabandistas de diamante, dos estudiosos da coroa portuguesa, do oficiais da coroa.”

    Entre um show e outro, narrativas a respeito das barragens submergiam, as manifestações das lavadeiras e de outros movimentos da cidade eram fortes. Pensativo, Ulisses faz questionamentos difíceis de serem respondidos. “Hoje ao ver o rio, ver aquele gramado de futebol de extensão tão grande próximo à sua margem, vejo que o rio morre junto com os peixes e fico triste de pensar que não tem mais retorno. Será que não mesmo?”

    Ato das Lavadeiras. Foto: Agatha Azevedo

    Publicizar as questões referentes ao Vale do Jequitinhonha também foi tema forte durante os debates do Festivale. A Rede Minas e a Rádio Inconfidência se fizeram presentes na tentativa de firmar o compromisso de interiorizar suas mídias. Israel do Vale, presidente da Rede Minas, afirma que a missão de sua gestão é “estar presente onde a TV comercial não estar, levar as pessoas a não só enxergar umas as outras, mas tomar posse deste espaço” , neste sentido, ele reforça: “”Política pública se faz com as pessoas e não para as pessoas, a gente quer fazer junto!”.

    Teatro Meninos do Vale. Medina. Foto: Vilmar Oliveira

    Elias Santos, diretor artístico da Rádio Inconfidência utilizou de sua fala para provocar uma reflexão sobre a região: “O que um debate de TV pública interessa ao Vale do Jequitinhonha? Interessa! As coisas estão mudando e se a gente não ficar atento seremos atropelados!”. A ideia é trazer as pautas para o alcance de todos, e a pergunta de Elias que ficou na mente dos comunicadores locais foi: “De que adianta democratizar os meios, se as pautas e os conteúdos não estão democratizados?”

    De encontro ao debate de mídia, a Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural Ivana Bentes afirmou que “a cultura é produzida por todos nós”, e falou da força política de aliar cultura e comunicação para tornar rentáveis os movimentos na região. Lia Queiroz, Diretora Executiva Adjunta da Fecaje, também entrou no debate. “Hoje nos temos no vale uma gama de rádios livres e eu fico me perguntando: O que vamos fazer com este povo? Eles não são importantes para a cultura?”

    Povo este que é de luta. A massa de moradores do Vale demonstrou sua força com as faixas que questionavam as barragens da região, que destruíram o estilo de vida de muitas pessoas. Levar recursos de forma digna, promover o acesso das pessoas aos seus direitos, dentre outras questões também foram pauta. Aline Ruas, do MAB — Movimento dos Atingidos por Barragens, trouxe questões que reforçam os problemas que o desenvolvimento forçoso das barragens trazem. “Nós queremos um desenvolvimento para sustentar as empresas ou o povo do Vale do Jequitinhonha? Se for um desenvolvimento com o nome de sustentável, mas que não sirva para sustentar o povo do Vale do Jequitinhonha, não serve pra nós!”.

    Intercalando o orgulho pela terra e o grito por mais direitos, os participantes do 32º Festivale finalizam o diálogo entre política e cultura deixando claro que o festival se manterá sendo uma forma resistência da região, que batalha todo ano para fazê-lo acontecer. Afinal, o que há de mais político do que a resistência de se fazer um festival de cultura popular no Vale do Jequitinhonha?

    Grupo Só Riso. Jequitinhonha. Foto: Vilmar Oliveira

    “O Vale não é o vale da pobreza, o vale da miséria, eu já digo, o vale é o mais rico que eu conheço, rico em cultura. Miséria pra mim é quem não tem nada e nós temos uma cultura tão rica e tão grande pra oferecer. Quem vem, sabe!” — Weslley Barbosa, 16, Rubim. Folias da Cultura, Ponto de Cultura.

    A cultura se renova pouco a pouco, e a tradição já consegue dividir espaço com a juventude, que traz a cultura do rap, as pautas LGBT, dentre outras demandas para o próximo Festivale. O que se espera é que as discussões e os shows continuem fazendo deste encontro entre Alto, Baixo e Médio Jequitinhonha, uma festa que englobe “ Vale, Vida, Verde, Verso e Viola.”

  • São Paulo recebe ato contra a redução da maioridade penal

     

    Nesta terça-feira, 7 de julho, manifestações contra a redução da maioridade penal levaram milhares de pessoas às ruas das grandes capitais brasileiras. Em São Paulo, estima-se que 8 mil manifestantes caminharam em protesto pela Avenida Paulista, passando pela Rua da Consolação até chegar à praça Rooselvelt. Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e outras cidades também receberam manifestações.

    Foto: Mídia NINJA

    Na capital paulista os manifestantes pediram mais investimentos na educação pública e, principalmente, no Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, que completará 25 anos no próximo dia 13 de julho. Gritos de “fora Cunha” e “não à redução” pautaram o manifesto. A Polícia Militar acompanhou o ato pacífico.

    Foto: Felipe Campos Mello

    “A redução da maioridade penal é o resultado de um congresso extremamente conservador e de um momento político do nosso país em que o avanço do conservadorismo recai, principalmente, sobre a juventude negra e pobre.”

    “Essa é a nossa maior demanda porque sabemos que cadeia não é solução, pelo contrário, o Brasil é um dos países que mais prende no mundo e isso não resolve o problema de segurança pública”, afirmou Beatriz Lourenço, 23 anos, estudante de Direito na PUC-SP e militante do Levante Popular da Juventude. “Precisamos, sim, de políticas públicas voltadas para a juventude brasileira.”

    Foto: Felipe Campos Mello

    No dia 13 de julho, quando se comemora o aniversário do ECA, está marcado um novo ato contra a redução da maioridade penal.

    Histórico

    De maneira repentina e polêmica, a Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada da última quinta-feira, 2, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes como homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e atos infracionais hediondos.

    Foto: Mídia NINJA

    Após o texto ter sido rejeitado pela maioria, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, orquestrou uma manobra política que promoveu nova votação e consequente aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 171 pelos deputados.

    Apesar do atual cenário, a PEC 171/93 ainda possui um longo caminho até ser realmente aprovada. Ela será votada em segundo turno na Câmara dos Deputados para, então, chegar ao Senado, onde passa por uma análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, em uma comissão especial sobre o projeto. Por fim, segue ao Plenário para uma última votação.

    Foto: Mídia NINJA

    Saiba mais sobre a redução da maioridade penal em:http://maioridadepenal.org.br/