Um fato que chama a atenção no Acampamento Nacional pela Democracia e Contra o Golpe é a grande quantidade de jovens que circulam pelo local. Vindos de todo o Brasil, trouxeram consigo a disposição e ousadia típicas da idade.
Gabriela Guedes, do Levante Popular da Juventude, chegou hoje à Brasília. Vinda de Sorocaba/SP, ela é mais uma a se somar à população que não pára de crescer no acampamento montado ao lado do Ginásio Nilson Nelson. E Gabriela está animada: disse que a turma do Levante veio para fazer muita agitação e propaganda, envolvendo não somente a juventude, mas todos os residentes dessa mini cidade montada em defesa da Democracia.
Como mulher, Gabriela se diz duplamente ofendida com os ataques à Presidenta Dilma Rousseff. Para ela, aproveitam a condição dela ser uma mulher para destilar todo o machismo retraído com a emancipação feminina dos últimos anos. Ainda em relação à misoginia, a jovem teme que a crise econômica pela qual o mundo passa – “uma crise estrutural do capitalismo, diga-se” – faça com que muitas mulheres tenham seu espaço no mercado de trabalho diminuído.
O clima fascista manifestado pelos apoiadores do golpe assusta Gabriela. Ela nos conta que dias atrás estava em um ônibus em Sorocaba, vestida com uma camiseta do Levante Popular da Juventude, quando foi hostilizada por um homem que também estava na condução. Além de ser chamada de “comunista”, a jovem ainda teve que escutar o agressor proferir palavras como “vadia e vagabunda”. Ela acredita que o clima de ódio que tentam impor ao País despertou o fascismo na sociedade brasileira. “Estava adormecido, mas se sentiram encorajados a mostrar a cara com os últimos movimentos da oposição, notadamente antidemocrática e alheia às necessidades do povo”.
Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial par os Jornalistas Livres.
Na manhã desta sexta-feira (15), movimentos populares e sindical, do campo e da cidade, realizaram ações em vias e rodovias de todo o país em favor da democracia e para denunciar a tentativa de golpe em curso no Brasil. “Não vai ter golpe, vai ter luta” gritaram milhares de pessoas durante as intervenções.
Em São Paulo, capital, aproximadamente 5 avenidas foram fechadas: as Avenidas Cupecê e Vergueiro, Zona Sul, Av. Ipiranga/Av. São João e Rua da Consolação, Centro, Marginal Tietê e Ponte das Bandeiras. As Rodovias Imigrantes, na Altura de Diadema/SP, e Washington Luiz, em São Carlos, Anhanguera (altura de Ribeirão Preto), Marechal Rondon (Andradina), Dutra (no Vale do Paraíba) e Praça de pedágio na divisa dos Estados PR e SP também foram fechadas em protesto.
No Paraná, o MST – Movimento dos Trabalhadores sem Terra, bloquearam rodovias por Reforma Agrária e pela Democracia. Acampados e assentados da Reforma Agrária, trancaram rodovias estaduais e federais e liberam pedágios em Curitiba, Cascavel, São Miguel do Iguaçu, Londrina e Maringá. De acordo com balanço do MST, a Jornada Nacional de Lutas mobiliza 62 mil Sem Terra em 18 estados do país, sendo eles: Paraná, Alagoas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Pará, Distrito Federal, Mato Grosso, Sergipe, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Santa Catarina, Ceará e Rio Grande do Norte.
Na Bahia, trabalhadores da Limpeza do SINDILIMP, trabalhadores do setor previdenciário, da Estação Porajá e petroleiros cruzaram os braços contra o golpe em um dia de paralisação. Também foram fechadas a BR-324, o Trevo da Resistência e a Via Parafuso, acesso ao Pólo Petroquímico de Camaçari.
Em Minas Gerais, a BR 116, km 406, em Governador Valadares foi fechada por assentados do MST. O movimento, junto ao MSTB, também fechou a BR 050, em Uberlândia. As ações fazem parte da Jornada Nacional do Abril Vermelho, em defesa da democracia.
Raimundo Bonfim, da coordenação nacional da Frente Brasil Popular, explicou que as ações de trancaço das vias e rodovias foram rápidas, de 15 min à 1h em média, e simultâneas. “É uma amostra do que vai acontecer com o país se eles insistirem com esse golpe. É um esquenta para domingo”.
Veja a íntegra da entrevista:
Domingo (17) será realizada na Câmara dos Deputados a votação para a abertura do Processo de Impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), o pedido, no entanto, não possui bases legais e é considerado um golpe pelos movimentos sociais.
Até lá, as entidades populares e sindicatos estarão nas ruas para denunciar a tentativa de golpe e defender a democracia. Amanhã, sábado (16), serão realizados atos em todo o país. Em São Paulo, brigadas populares realizarão ações de panfletagem, principalmente na periferia da capital. Também será realizado um Carnavato, protesto puxado pelos blocos de carnaval paulistanos em defesa da democracia, a partir das 15h na Praça do Patriarca, centro.
Domingo (17), as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo convocam grandes atos, também em defesa da democracia, que serão realizados em todo o país. Para saber o calendário de ações acesse: frentebrasilpopular.com.br.
*Até o fim desta edição as direções estaduais da Frente Brasil Popular ainda não haviam fechado o balanço de todas as ações no território nacional.
A economia é uma ciência social, embora muitos economistas tentem nos convencer que preços, salários, juros, etc. sejam frutos de leis, como as leis da natureza, como as leis da física. Houve até o grupo de fisiocratas que comparava o funcionamento da economia com o funcionamento do corpo humano.
A verdade é que o salário mínimo e a taxa de juros, por exemplo, são determinados pela sociedade, fazem parte de um acordo social, são convenções, contratos sociais.
Falam de taxa natural de desemprego e de taxa natural de juros para convencer as pessoas da inevitabilidade de condições que prejudicam a maioria: se não há remédio, se foi a “natureza” que determinou, não temos nada o que fazer. Em verdade, a natureza nada tem a ver com decisões tomadas para favorecer grupos com maior poder político e econômico.
Imagine que você tenha muito dinheiro e o empreste para o governo. Seria extremamente confortável fixar uma taxa de juros num nível altíssimo, destinar montanhas de recursos para seus bolsos e, ainda por cima, dizer que a taxa é um dado da natureza. “Não há nada a fazer. A taxa natural de juros no Brasil é alta mesmo, sempre foi e sempre será.” Simples, não é?
Exatamente o mesmo se dá na determinação do salário mínimo. “O mercado, com suas leis naturais, é quem determina os salários e qualquer interferência leva a desequilíbrios e ineficiências que no longo prazo prejudicam o próprio trabalhador.” Você certamente já ouviu essa ladainha. No fundo o que estão dizendo é: aceite seu salário baixo da mesma forma que aceita a chuva ou a falta dela. Misturar decisões e acordos feitos por pessoas com forças da natureza serve muito bem ao propósito de convencer a maioria de que não tem saída, que só se pode aceitar, afinal é impossível fazer chover ou deter a chuva.
Vejam esse gráfico elaborado pelo Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos:
Gostaria de, primeiro, dar uma explicação e depois fazer três proposições sobre o gráfico.
Os valores do salário mínimo mostrados ano a ano são “valores reais”, isto é, foi retirado deles o efeito da inflação. Dessa forma podemos encarar os valores, de fato, como o poder de compra do salário mínimo em cada momento. Quem recebia salário mínimo durante esses anos teve o pior ano em 1995, ano quando o poder de compra foi o menor da série. O que equivale a dizer que, nesses 34 anos, o menor salário mínimo foi no ano em que foi implantado o Plano Real. Sim, o plano Real arrochou salários.
A primeira proposição é que o salário mínimo é determinado pelas forças políticas dominantes em cada momento. Reparem como é fácil diferenciar a política salarial dos governos dos Fernandos (Collor e Cardoso) e dos governos de Lula e Dilma. Os Fernandos adotaram a cartilha neoliberal: cada qual que negocie seu salário com seu empregador, o governo lava suas mãos. Enquanto que Lula e Dilma fizeram a balança pender ligeiramente para o lado dos trabalhadores.
A segunda proposição é que o movimento de valorização do salário mínimo feito por Lula e Dilma não contém nenhum absurdo: apenas fez seu valor retornar ao nível de 34 anos atrás. Não há nenhum radicalismo em crescer a remuneração mínima, conforme cresce a produção do país. A desigualdade, que foi aprofundada nos governos dos Fernandos, regrediu nos governos Lula e Dilma. E nada há de “bolivariano” aqui.
A terceira proposição é que o aumento dos salários em geral, e do salário mínimo em particular, ajuda a economia do país a crescer. Os salários vão quase completamente para o consumo. Como o Dieese afirma, “a valorização do Salário Mínimo induz a ampliação do mercado consumidor interno e, em consequência, fortalece a economia brasileira”. Deve e precisa ter continuidade, sobretudo porque o país segue profunda e resistentemente desigual.
Temer e o PMDB publicaram um documento em que enumeram as políticas econômicas que defendem para o Brasil. Nesse documento, eles propõem o “fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais”. O que isso significa? Significa que as regras de reajuste, como a do salário mínimo que usa a inflação mais o crescimento do PIB, seriam eliminadas. Não garantindo, portanto, que não teríamos uma nova queda como a mostrada no gráfico.
Sob o discurso de que o trabalhador vai ganhar no futuro, eles propõem retirar direitos no presente. Da mesma forma, sob o discurso de combater a corrupção, querem mesmo é privilegiar os capitalistas, os mais ricos às custas dos trabalhadores, dos que ganham salário mínimo ou têm seu rendimento ligado ao valor do salário mínimo. No Brasil, segundo o Dieese, 48 milhões de pessoas, um quarto da população, recebem seus rendimentos conforme o valor do salário mínimo. A economia brasileira cresceu nesses 34 anos e esses 48 milhões só voltaram a ganhar o que já se ganhava em 1983. A luta tem que continuar por mais direitos, mesmo tendo progredido nos últimos anos, seguimos sendo um país muito injusto e desigual.
Brinca-se que para termos quatro opiniões diferentes, sobre um mesmo tema, basta ouvirmos três economistas. No entanto, o encontro de Leda Paulani, Bresser-Pereira e Guilherme Melo produziu mais convergências do que o habitual. Nossa economia enfrenta graves problemas, mas certamente não estamos, tampouco rumamos para o caos. Vejamos algumas das opiniões desses três economistas reveladas no debate promovido pelo Barão de Itararé, cuja pergunta central era: a economia brasileira ruma para o caos?
“Nós fracassamos!” Desse modo Bresser-Pereira resume nosso desenvolvimento econômico desde a crise da dívida externa nos anos 1980. E ele se inclui entre os fracassados, pois foi Ministro da Fazenda no governo Sarney. “Crescemos, em média, 7% ao ano, entre 1930 e 1980. E não fomos capazes de crescer mais do que 1% ao ano depois dos anos 1980”. Explica ele que tivemos uma redução da desigualdade de renda extremamente importante durante os governos do Partido dos Trabalhadores, mas desde 1990 temos perdido indústrias e temos voltado ao patamar de economia exportadora de produtos primários. Claramente há certo exagero nessa afirmação, mas é verdade que perdemos muitas indústrias, especialmente em razão da competitividade dos produtos chineses aliada à nossa taxa de câmbio.
Vamos nos deter um pouquinho sobre esse ponto. Quando a cotação do dólar está baixa, em reais, conseguimos comprar produtos importados pagando menos e, se formos exportar, nossos produtos ficaram mais caros para o consumidor do outro país. Esse fato diminui fortemente nossa competitividade da nossa indústria. Imaginemos que um carro, produzido aqui, precise ser vendido por R$ 20 mil. Se a taxa de câmbio está em R$ 2 por dólar, precisamos vender, para o exterior, por US 10 mil. Se a taxa de câmbio estiver em R$ 4, podemos vender o carro por US$ 5 mil. A taxa de câmbio pode nos colocar ou nos expulsar do mercado por si só.
Bresser-Pereira insiste que matamos um número enorme de indústrias ao manter o real valorizado, ou seja, o dólar barato, por muito tempo. Com taxas de juros baixas em todo o mundo e altíssimas no Brasil, atraímos uma montanha de dólares que vagava pelo mundo, por conta da política dos EUA de inundar o mercado de moeda para tentar evitar uma recessão maior. A taxa de juros “escandalosamente” alta e o dólar muito barato foram os principais desequilíbrios macroeconômicos que levaram o Brasil ao crescimento muito menor do que poderíamos.
Devemos ainda considerar o componente político que contribuiu para a recessão atual. Segundo Bresser-Pereira, “os derrotados de 2014 e os irresponsáveis de sempre se colocaram em marcha” e transformaram “a política em ódio”. Sem um acordo nacional, a recessão será muito mais profunda, conclui.
Leda Paulani iniciou seu raciocínio pelo lado político: “a elite brasileira sempre teve comportamento predatório e irresponsável” e é a elite que fracassou, pois não foi o povo que comandou a política neoliberal vigente desde 1990. Ela ressalta que, em que pese Lula ter feito uma política social efetiva, seu governo não mudou a política neoliberal em curso desde o governo de Fernando Collor. “A indústria foi minada por três décadas de governos neoliberais”, pontua.
O momento econômico que vivemos é fruto da contribuição de quatro variáveis, segundo Leda Paulani. A primeira é que nossa economia andou assentada no consumo e não no investimento, entre 2004 e 2010, e esse modelo esgotou-se. Era impossível que consumo continuasse a crescer, o investimento, que seria o motor natural da economia, não compareceu no nível adequado. A segunda variável foi o aprofundamento da crise internacional. A queda do ímpeto importador da |China teve efeitos perturbadores sobre o comércio mundial e, especialmente, levou à queda forte dos preços das commodities. Tornou-se muito mais difícil para o Brasil manter-se em crescimento com a queda vertiginosa dos preços dos produtos que exportamos. Continuamos, hoje, a exportar em grande quantidade, mas com preços muito menores.
A terceira variável que contribuiu para o estágio atual da nossa economia foi a taxa de câmbio. Muitos industriais tornaram-se importadores. Ora, se aquilo que produzo não é competitivo porque o dólar está muito barato em reais, dito de outra forma, porque o real está muito apreciado, vou deixar de produzir, comprar o produto importado e vendê-lo no mercado interno.
A quarta variável, segundo Leda Paulani, é o cerco político que começou a se fechar em 2012. A coalizão produtivista, ou seja, a aliança entre industriais que se colocava contra o poder do mercado financeiro, rompeu-se, detonada pelo movimento de junho de 2013. A partir desse ponto instaura-se, nos termos que Leda colocou em seu artigo de 2014, o “terrorismo econômico” em que se exagera tudo. “Não há razão para tanto escândalo”, assegura ela. Não há eventos estritamente econômicos que expliquem a recessão que estamos vivendo, mas o discurso foi tão forte que capturou Dilma. Estamos vivendo num círculo em que a política alimenta a deterioração da economia e a economia, por seu turno, alimenta a deterioração da política, finaliza a professora Leda Paulani.
Um dos exemplos do exagero, sublinhado pela professora Leda, está na questão da dívida pública. Sempre se usou a dívida líquida como o dado principal do endividamento, que retira da dívida, por exemplo, as reservas cambiais que o país possui. Bem, a dívida líquida consolidada do setor público estava em 36% do PIB em dezembro de 2015, um percentual historicamente baixo para o país. No entanto, o mercado financeiro, apoiado pelo FMI e pelas agências de rating, resolveu que não iria mais usar a dívida liquida, e sim, a dívida bruta. Esse número é uma medida pior para nós, especialmente por que desconsidera os 370 bilhões de dólares (quase 1 trilhão e meio de reais) que temos de reservas cambiais. De todo modo, a dívida bruta interna e externa do governo geral está em 72,6% do PIB, valor perfeitamente razoável pelo padrões internacionais. Veja que França, Estados Unidos e Reino Unido tem dívida próxima a 100% do PIB, enquanto que o Japão tem dívida perto de 200% do PIB.
O Plano Real não resolveu completamente a questão da inflação, da inércia inflacionária. Tanto é verdade que após quatro anos, em 1999, o Plano Real acabou e adotou-se, no Brasil, o tripé macroeconômico que vigora até hoje. A questão do endividamento externo também não foi resolvida pelo Plano Real: tivemos uma crise cambial em 2002. Com essas opiniões, Guilherme Mello iniciou sua palestra. Ele brinca que felizmente tivemos o evento do caseiro, que terminou com a saída de Antonio Palocci, pois a condução da política econômica no governo Lula, após sua saída foi completamente diferente. Ele chega a afirmar que não houve “um” governo Lula, pois não haveria PAC e política social com ele.
Dilma e Mantega, opina Guilherme, apostaram no investimento privado a partir de 2011, apostaram no apoio ao investimento industrial: baixou os juros, baixou o preço da energia elétrica, desonerou impostos sobre diversos produtos industriais. Mas o investimento privado não aconteceu. O investimento privado não aconteceu como esperavam e o consumo tinha atingido seu limite de crescimento, não prosseguiria sendo o motor da economia.
A aposta que o governo Dilma fez para incentivar o investimento privado não deu certo. Foram dois fortes agravantes: o primeiro foi que nossa burguesia industrial virou rentista importadora, ou seja, nossos industriais passaram a lucrar com juros das aplicações financeiras, da mesma forma que o mercado financeiro, e passaram a importar e vender aqui, ao invés de produzir e investir na produção. O segundo agravante foi que o consumo, que ia muito bem pelo baixo desemprego e aumento da renda da população, “vazou para os importados”, ou seja, o consumo impulsionou indústrias na China e em outros países, e não a indústria nacional.
Guilherme Mello brinca que elegemos uma candidata cujo lema era “Muda Mais”, só que ela mudou para o lado que não esperávamos. Dilma está, timidamente, tentando fazer uma conciliação que está impossível, não somente no Brasil, mas no âmbito internacional, pondera ele. Para exemplificar, ele cita Tony Volpon, ex-diretor da Nomura Securities, que durante a eleição fez campanha contra Dilma e, após a derrota, pregava o “pragmatismo com coação”, em outras palavras, Volpon advogava que o mercado financeiro deveria coagir o governo a tomar decisões de política econômica em linha com o pragmatismo neoliberal. E é exatamente o que estamos temos assistido desde a reeleição. Mesmo com essa postura, Tony Volpon foi premiado com a diretoria de assuntos internacionais do Banco Central do Brasil. Volpon votou pelo aumento da taxa de juros na última reunião do Comitê de Política Monetária.
A nomeação de Tony Volpon é emblemática. Revela o constrangimento de todos que apoiamos a candidatura de Dilma. Demos assento no Banco Central a um dos líderes do “Terrorismo Econômico” que vivenciamos diariamente.
Destaques do relatório: * Sistema internacional de proteção aos direitos humanos corre risco; * Drama dos refugiados é um tema central no mundo; * Violência continua e retrocesso no Legislativo é grande ameaça no Brasil.
A Anistia Internacional lançou mundialmente na noite desta terça feira (23) seu Relatório Anual 2015/2016. O relatório apresenta um cenário dramático para os direitos humanos no mundo e no Brasil, com um cenário em grave deterioração.
Foto por Bruno Miranda
Segundo a Anistia Internacional, são muitos os governos que estão buscando enfraquecer as instituições criadas para proteger os direitos das pessoas. O processo, com características globais, atingiu gravemente a ONU. Segundo Salil Shetty, secretário geral da Anistia Internacional, “a ONU foi criada para ‘ salvar as futuras gerações dos flagelos da guerra’ e ‘reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais’ , mas se encontra no momento mais vulnerável do que nunca diante dos enormes desafios”.
O agravamento da situação em escala mundial ameaça fazer desmoronar o sistema internacional de proteção aos direitos humanos, duramente construído ao longo dos últimos 70 anos, desde a fundação da ONU em 1945. “Não somente nossos direitos estão sendo ameaçados, como também as leis e o sistema que as protegem”, advertiu Shetty. Em 2015, mais de 122 Estados realizaram torturas ou maus-tratos e 30 ou mais países obrigaram refugiados a retornarem a países onde estariam em perigo.
O tema dos refugiados está no centro da abertura do relatório da Anistia Internacional: “O ano passado aplicou um teste rigoroso da capacidade do sistema internacional de responder às crises e aos deslocamentos em massa de pessoas, e seu resultado mostrou que o sistema é lamentavelmente inadequado. Existem hoje mais pessoas desalojadas e em busca de refúgio em todo o mundo do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra.”
O encerramento da introdução do relatório é pungente. Salil Shetty reconhece que o documento é insuficiente para retratar o tamanho da ameaça sobre toda a humanidade: “suas páginas não conseguem carregar a profundidade da tragédia que as crises de 2015 imprimiram em cada ser humano –sobretudo a crise dos refugiados, agora agravada pelo inverno no hemisfério Norte. Em situações como essa, proteger e fortalecer os sistemas de proteção civil e de direitos humanos não pode ser considerado uma opção. É literalmente uma questão de vida ou morte.
BRASIL
Foto por Bruno Miranda
O relatório traça um cenário abrangente sobre o Brasil, reunindo as denúncias que foram divulgadas ao longo de 2015 no país pela mídia independente, as organizações de defesa dos direitos humanos e os diferentes movimentos sociais.
Dos homicídios cometidos pela polícia e a consequente impunidade às seguidas repressões e cerceamento ao direito à manifestação; dos violentos conflitos de terra com a morte de dezenas de sem terra e pequenos agricultores; da violência contra jovens negros nas favelas e periferias à cometida contra lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) e aos indígenas; das condições prisionais desumanas à prática cotidiana da tortura; da fragilização dos direitos das crianças e jovens à ofensiva contra as mulheres, à perseguição aos defensores dos direitos humanos; até o desastre ambiental de Mariana.
Este cenário acontece num pano de fundo institucional de grave retrocesso no Legislativo; o Congresso Nacional mantém agenda fortemente regressiva contra os direitos humanos.
Leia a seguir a íntegra do relatório da Anistia Internacional sobre o Brasil.
INTEGRA DO RELATÓRIO SOBRE O BRASIL
Graves violações de direitos humanos continuaram sendo denunciadas, como homicídios cometidos pela polícia, tortura e maus-tratos de pessoas presas. Jovens negros moradores de favelas e periferias corriam maiores riscos. As forças de segurança, com frequência, usaram força excessiva ou desnecessária para reprimir manifestações. Conflitos por terras e recursos naturais provocaram a morte de dezenas de pessoas. Comunidades rurais e seus líderes continuaram a sofrer ameaças e ataques de proprietários de terras, principalmente no Norte e Nordeste do país. Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) continuaram a enfrentar discriminação e violência. Intensificou-se a oposição da sociedade civil às novas leis e emendas constitucionais que ameaçavam retroceder direitos sexuais e reprodutivos, bem como direitos das mulheres e das crianças; jovens e mulheres tomaram a frente dessas mobilizações. O Brasil não se candidatou à reeleição para um assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Segurança pública
A segurança pública e o alto número de homicídios de jovens negros continuaram entre as maiores preocupações. O governo não apresentou um plano nacional concreto para a redução dos homicídios no país, apesar de ter anunciado em julho que o faria. Segundo um relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública referente a 2014, mais de 58.000 pessoas foram vítimas de homicídios; o número de policiais mortos foi de 398, uma pequena queda de 2,5% com relação ao ano anterior; e mais de 3.000 pessoas foram mortas pela polícia, um aumento de aproximadamente 37% com relação a 2013.
Execuções extrajudiciais
Em 2015, o número de homicídios durante operações policiais permaneceu alto, mas a falta de transparência na maioria dos estados impossibilitou que se calculasse o número exato de pessoas mortas em consequência dessas operações. Nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a quantidade de pessoas mortas por policiais no cumprimento de suas funções aumentou significativamente, mantendo-se a tendência observada em 2014. Os homicídios cometidos por policiais em serviço raramente foram investigados, e os relatos de que os agentes envolvidos tentavam alterar a cena do crime e criminalizar as vítimas eram frequentes. Policiais muitas vezes tentavam justificar as mortes como atos de legítima defesa, alegando que as vítimas teriam resistido à prisão. Em setembro, um menino de 13 anos foi morto durante uma operação policial em Manguinhos e um adolescente de 16 anos foi morto a tiros na Maré, duas favelas do Rio de Janeiro.
Em fevereiro, 12 pessoas foram mortas a tiros e outras quatro foram feridas por policiais militares durante uma operação no bairro de Cabula, em Salvador, na Bahia. Após as mortes, os moradores relataram que se sentiam ameaçados e que temiam as frequentes visitas que a Polícia Militar começou a fazer ao local. Uma investigação da Polícia Civil concluiu que os policiais militares agiram em legítima defesa. Porém, as organizações que trabalharam sobre o caso encontraram fortes evidências indicando que as 12 pessoas foram vítimas de execuções extrajudiciais. O Ministério Público condenou as ações dos policiais militares envolvidos nas mortes e questionou a imparcialidade da investigação conduzida pela Polícia Civil. Eduardo de Jesus Ferreira, um menino de 10 anos, foi morto por policiais militares diante de sua casa no Complexo do Alemão, conjunto de favelas do Rio de Janeiro, no dia 2 de abril. Os policiais tentaram adulterar a cena do crime e remover seu corpo, mas foram impedidos pelos familiares e vizinhos do menino. Após receberem ameaças de morte, a mãe de Eduardo e outros membros da família tiveram que deixar a cidade. Cinco jovens negros com idades entre 16 e 25 anos foram mortos a tiros no bairro Costa Barros, no Rio de Janeiro, em 29 de novembro, por policiais militares do 41º Batalhão de Polícia Militar. Policiais efetuaram mais de 100 disparos em direção ao automóvel dentro do qual os homens estavam sentados.
Surgiram denúncias de que, em várias cidades, policiais fora de serviço cometeram homicídios como parte de grupos de extermínio. Em Manaus, no Amazonas, 37 pessoas foram mortas num único fim-de-semana de julho. Em Osasco, na região metropolitana de São Paulo, 18 pessoas foram mortas numa única noite, e as investigações iniciais apontavam o envolvimento de policiais militares. Em fevereiro, Vitor Santiago Borges, de 29 anos, foi atingido por disparos feitos por membros das forças armadas na favela da Maré. Em razão dos ferimentos, ele teve ficou paralisado. As autoridades não prestaram a devida assistência a Vitor ou a sua família, nem conduziram uma investigação completa e imparcial sobre as circunstâncias dos disparos. Desde abril de 2014, o Exército vinha desempenhando funções policiais na comunidade. Os soldados foram destacados para atuar na Maré no período que antecedeu a Copa o Mundo e deveriam ter deixado o local logo após o evento. Porém, continuaram a realizar funções de policiamento na comunidade até junho de 2015. Nesse período, os moradores denunciaram um grande número de violações de direitos humanos cometidas pelas forças armadas, como violência física e disparos contra os residentes.
Impunidade
Policiais responsáveis por execuções extrajudiciais desfrutaram de quase total impunidade. Das 220 investigações sobre homicídios cometidos por policiais abertas em 2011 na cidade do Rio de Janeiro, houve, até 2015,somente um caso em que um policial foi indiciado. Em abril de 2015, 183 dessas investigações continuavam abertas. O Congresso Nacional instituiu duas Comissões Parlamentares de Inquérito, uma no Senado e outra na Câmara, para investigar o alto índice de homicídios de jovens negros. Ao mesmo tempo, uma lei que altera o atual Estatuto do Desarmamento para permitir maior acesso às armas de fogo ganhou impulso no Congresso. O Brasil não ratificou o Tratado sobre o Comércio de Armas. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada em outubro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para investigar homicídios cometidos por policiais e tem sua conclusão prevista para maio de 2016. A Polícia Civil do Rio de Janeiro anunciou que todos os casos de homicídios cometidos pela polícia seriam investigados pela Divisão de Homicídios.
Condições prisionais, tortura e outros maus-tratos
Em março, a Presidente nomeou 11 especialistas para o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O grupo integra o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, e seu mandato incluirá visitas e inspeções a locais de detenção. Superlotação extrema, condições degradantes, tortura e violência continuaram sendo problemas endêmicos nas prisões brasileiras. Nenhuma medida concreta foi tomada pelas autoridades para resolver o grave problema de superlotação e as condições cruéis da Penitenciária de Pedrinhas no estado do Maranhão. Em outubro, foi revelado que um interno de Pedrinhas havia sido morto e parcialmente canibalizado por outros presos. Rebeliões de presos ocorreram em diversos estados. Em Minas Gerais, três detentos foram mortos durante uma rebelião no presídio de Teófilo Otoni, em outubro, e dois foram mortos em circunstâncias similares no presídio de Governador Valadares em junho. Em outubro, ocorreram distúrbios na penitenciária de Londrina, no Paraná.
Foto por Bruno Miranda
Direitos das crianças e adolescentes
O sistema de justiça juvenil também apresentou superlotação severa e condições degradantes. Houve grande número de denúncias de tortura e de violência contra meninos e meninas, sendo que vários adolescentes morreram em custódia no decorrer do ano. Em agosto, a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda à Constituição reduzindo a idade em que crianças e adolescentes podem ser julgados como adultos de 18 para 16 anos. No fim do ano, a emenda ainda não havia sido aprovada pelo Senado. Caso aprovada, a emenda violará diversas obrigações do Brasil diante da legislação internacional de direitos humanos relativa à proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Liberdade de manifestação
No dia 29 de abril, no Paraná, uma manifestação contra as mudanças nas regras que alteram os benefícios de previdência social e aposentadoria dos professores estaduais foi confrontada com uso desnecessário e excessivo da força pela Polícia Militar. Os policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar os manifestantes. Mais de 200 pessoas ficaram feridas e pelo menos sete foram detidas temporariamente. Em consequência do incidente, a Defensoria Pública e o Ministério Público iniciaram ações judiciais contra o governo do estado. No fim do ano, o caso ainda aguardava conclusão. Em outubro, o Senado aprovou um projeto de lei que tipifica o terrorismo como um crime específico no Código Penal. Temia-se que, caso aprovada em sua forma atual, a lei pudesse ser usada para criminalizar manifestantes e classifica-los como “terroristas”. No fim do ano, a lei ainda aguardava aprovação final da Câmara dos Deputados.
Direito à moradia
Desde que o Rio de Janeiro foi escolhido em 2009 para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, milhares de pessoas foram removidas de suas casas para dar lugar às obras de infraestrutura para o evento. Muitas famílias não receberam a devida notificação, nem indenizações suficientes ou reassentamento adequado. A maioria das 600 famílias da comunidade de Vila Autódromo, próxima ao futuro Parque Olímpico, foi removida pela Prefeitura. Em junho, integrantes da guarda municipal agrediram os moradores que permaneceram no local e protestavam pacificamente contra as remoções. Cinco moradores ficaram feridos, entre eles, Maria da Penha Macena, que teve o nariz quebrado. No fim do ano, os residentes que ainda permaneciam no local estavam vivendo em meio aos escombros das demolições e sem acesso a serviços básicos como água e eletricidade. Na cidade do Rio de Janeiro, a maioria dos condomínios que fizeram parte do programa Minha Casa, Minha Vida para famílias de baixa renda estavam sob o controle de milícias (grupos criminosos organizados, formados principalmente por antigos policiais civis e militares ou fora de serviço e bombeiros) ou de outras gangues criminosas organizadas. Essa situação deixou milhares de famílias sujeitas à violência, sendo que muitas delas foram forçadas a abandonar suas casas por causa de intimidações e ameaças.
Defensores dos Direitos Humanos
O Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) não foi capaz de oferecer a proteção prometida em suas disposições. A falta de recursos continuou a prejudicar sua implementação e deixou os defensores em perigo, enquanto a ausência de um marco legal para o programa também comprometeu sua eficácia. Um projeto de lei visando à criação de um marco legal para embasar a coordenação dos governos federal e estaduais na proteção dos defensores tramitava no Congresso no fim do ano. Conflitos por terras e recursos naturais continuaram a provocar dezenas de mortes a cada ano. Comunidades rurais e seus líderes foram ameaçadas e atacadas por proprietários de terras, principalmente no Norte e Nordeste do país. Em outubro, cinco pessoas foram mortas em Vilhena, no estado de Rondônia, no contexto dos conflitos por terras naquela área. Raimundo Santos Rodrigues, também conhecido como José dos Santos, foi morto a tiros em 25 de agosto na cidade de Bom Jardim, no Maranhão. Sua esposa, que estava com ele, também foi atingida por tiros. Raimundo Santos Rodrigues era membro do Conselho da Reserva Biológica do Gurupi, uma área de proteção ambiental na floresta Amazônica no estado do Maranhão. Por muitos anos, ele fez denúncias e campanhas contra a exploração ilegal de madeira e o desmatamento na Amazônia, trabalhando para defender os direitos de sua comunidade. Raimundo também era membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jardim. Ele havia recebido várias ameaças de morte, que foram reiteradamente denunciadas às autoridades pela Comissão Pastoral da Terra e por uma organização local de direitos humanos. No entanto, nada foi feito para protegê-lo.
Casos de ameaças, ataques e assassinatos envolvendo defensores dos direitos humanos raramente eram investigados e permaneciam praticamente impunes. Temia-se que os responsáveis pela morte de Flaviano Pinto Neto, líder da comunidade quilombola do Charco, no Maranhão, em outubro de 2010, não fossem levados à Justiça. Apesar de uma investigação minuciosa ter sido realizada, em outubro os tribunais indeferiram as ações contra os acusados e culparam a vítima por sua própria morte. No fim do ano, não estava claro se o Ministério Público iria recorrer da decisão.
O rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, no estado de Minas Gerais, no dia 5 de novembro, foi considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil. O acidente resultou em mortes e ferimentos, além de outras sérias violações dos direitos humanos, que incluíam privar famílias e comunidades inteiras de acesso suficiente à água potável e a abrigos seguros, bem como a informações confiáveis sobre o que estava acontecendo. A lama tóxica que tomou conta dos cursos d’água também violou o direito aos meios de subsistência dos pescadores e de outros trabalhadores que dependiam direta ou indiretamente das águas do Rio Doce.
Direitos dos povos indígenas
O processo de demarcação das terras indígenas continuou extremamente demorado, apesar de o governo federal contar com a autoridade legal e os meios financeiros para pôr em prática o processo. Vários casos estavam pendentes no fim do ano. Ataques contra membros das comunidades indígenas continuaram sendo praticados de modo generalizado, e os responsáveis raramente foram levados à Justiça. A situação da comunidade Guarani-Kaiowá de Apika ́y,no Mato Grosso do Sul, deteriorou de forma dramática e muito preocupante. Uma ordem de despejo que teria deixado a comunidade sem ter onde viver foi temporariamente suspensa em agosto. No fim do ano, porém, o risco de expulsão permanecia. Em 29 de agosto, fazendeiros locais atacaram a comunidade indígena Ñanderú Marangatú no município de Antonio João, no Mato Grosso do Sul. Um homem, Simião Vilhalva, foi morto e várias mulheres e crianças ficaram feridas. Nenhuma investigação foi aberta sobre o ataque, nem foram tomadas quaisquer medidas para proteger a comunidade contra novos atos de violência.
Uma emenda à Constituição que transfere a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o Legislativo, onde a frente de pressão do agronegócio tem grande força, foi aprovada por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados em outubro. No fim do ano, a emenda aguardava aprovação do Plenário da Câmara. Caso aprovada, impactará de forma bastante negativa o acesso à terra para os povos indígenas.
Direitos sexuais e reprodutivos
Novas leis e emendas constitucionais que estavam sendo debatidas no Congresso representaram uma séria ameaça aos direitos sexuais e reprodutivos, assim como aos direitos das mulheres. No fim do ano, tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei, como o Estatuto do Nascituro, que propunham criminalizar o aborto em todas as circunstâncias. Outra proposta visava impedir o acesso a abortos seguros e legais no sistema público de saúde, mesmo nos casos atualmente permitidos pela legislação brasileira, como quando a vida da mulher corre risco ou a gravidez resulta de estupro. Caso aprovada, a medida também impediria a assistência de emergência para vítimas de estupro.
Foto de Capa: município de Serra (ES), o mais violento do país com mais de 300 mil habitantes – Bruno Miranda / Jornalistas Livres
Parece que virou moda comunicar-se por carta em Brasília. Você viu a carta que Alexandre Tombini, presidente do Banco Central (BC), mandou para Nelson Barbosa, ministro da fazenda?
Bem, mas nesse caso não é bem assim.
É que o regime de “metas para a Inflação”, implantado no Brasil em 1999, estabelece que a missão do BC é executar políticas para cumprir a meta estabelecida, especialmente administrando as taxas de juros no país. E nesse ato, o presidente do BC fica também responsável por explicar as razões do descumprimento, a cada vez que a meta não é atingida.
A meta atual para a inflação anual é de 4,5% com tolerância de mais ou menos dois pontos percentuais. O que é o mesmo que dizer que o alvo, que o BC deve mirar, é uma faixa entre 2,5% e 6,5% de inflação, medida pelo IPCA, ao ano. Quando a inflação fica dentro dessa faixa, o presidente do BC não precisa fazer nada. Como a inflação ficou em 10,67% em 2015, ele teve de explicar, em carta aberta, ao ministro da Fazenda as razões do estouro. O que faz com que essa carta seja menos “Temerária”, digamos.
Causas do descumprimento da meta
O texto de Tombini começa pelas causas do descumprimento da meta:
Oops, calma Tombini, você está indo muito depressa. O que são preços administrados? E preços livres? O que é processo de realinhamento de preços? O que é realinhar preços domésticos com os internacionais?
Bem, preços administrados são aqueles que o governo federal tem o poder de regular (telefonia, derivados de petróleo, eletricidade e planos de saúde) ou aqueles que os governos estaduais ou municipais regulam (água, IPVA e transporte público). Os preços livres são todos os outros incluídos no cálculo do IPCA, ou seja, aqueles outros preços que não têm ingerências dos governos. Os preços administrados têm um peso próximo de 1/4 do IPCA e os livres de 3/4 do índice. Veja na Tabela 1, que está na carta de Tombini, como vêm variando preços livres e administrados desde 2014. Repare bem no que aconteceu com os preços administrados no 1o trimestre de 2015.
Veja que, em 2014, os preços livres ganharam a corrida, 6,72% de aumento no ano, contra 5,32% dos administrados. No entanto, conforme se nota os administrados aceleraram rapidamente no início de 2015 e se mantiveram subindo com velocidade durante todo o ano. Até que no final de 2015 se percebeu que os preços administrados subiram 18,07%.
Como é possível que os preços administrados tenham subido mais de 18% se a inflação de 2015 foi abaixo de 11%? Bem, a razão é que os administrados representam perto de 25% dos preços e os livres, que representam os outros 75%, subiram bem menos, 8,51%.
Um resumo do que aconteceu com a inflação em 2015 é que o governo tomou a decisão de recompor, de realinhar os preços que administra. Esses preços vinham aumentando menos do que os preços livres. O governo reajustou fortemente, por exemplo, a eletricidade e os derivados de petróleo. Salientemos que eletricidade e derivados de petróleo entram no custo de quase tudo o que é produzido. O que quer dizer que os aumentos na eletricidade e nos combustíveis provocaram mais aumentos nos preços livres.
Além dessa ação deliberada do governo, houve a subida do dólar, era a isso que Tombini se referia quando falou do realinhamento dos preços domésticos em relação aos preços internacionais. Nós sabemos que a cotação do dólar influencia inúmeros preços aqui no Brasil. Um caminho para essa influência são os produtos importados e os componentes importados de produtos feitos aqui. Um carro importado sobe de preço diretamente com a subida do dólar, mas o carro nacional que tem componentes importados também sobe de preço, já que o custo de produzir o carro aumenta.
Mesmo no caso de produtos que exportamos existe influência da alta do dólar. Digamos que você produza açúcar no Brasil e vende aqui mesmo por RS 50 a saca de 50 quilos. Digamos que o preço equivalente no exterior seja US$ 20. Se o dólar sai de R$ 2,50 e vai para R$ 4,00, você tem a chance de vender no exterior a R$ 80 a saca, que é o resultado dos 20 dólares vezes os 4 reais por dólar. Minha pergunta é: você continuará a vender o açúcar aqui no Brasil por R$ 50? O resultado é que o preço daqui sobe para se alinhar com o preço internacional, mesmo que nada tenha mudado na produção de açúcar aqui dentro do país. Depois do preço do açúcar ter caído um pouco em 2014, o preço no varejo em 2015, de fato, subiu mais de 30%.
Repare então no que fez o dólar em 2014 e 2105. Esse Gráfico 3 também faz parte da carta de Tombini. A taxa de câmbio começou o ano a R$ 2,70 por dólar, subiu até R$ 3,26 no final de março, voltou um pouco e fechou o ano em R$ 3,90. Esse aumento de mais de 40% na cotação do dólar pressionou a inflação de 2015. Seu efeito sobre a inflação foi bem menor do que os reajustes nos preços administrados, mas foi relevante.
Nesse último dia 20 o Comitê de Política Monetária do Banco Central resolveu manter a taxa de juros em 14,25%. Será que os componentes do Comitê estão antevendo uma inflação mais comportada? Vamos acompanhar.