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Internacional

Síria: A Fissão Tóxica

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*Por Pepe Escobar

US Navy – Ford Williams/AFP

 

“Esses atos hediondos do regime de Assad não podem ser tolerados”. Assim falou o Presidente dos Estados Unidos.

Tradução instantânea: Donald Trump – e/ou a sopa de alfabeto das agências de inteligência dos EUA, sem nenhuma investigação detalhada – estão convencidos de que o Ministério da Defesa Russo está simplesmente mentindo.

É uma acusação muito séria. O porta-voz do Ministério da Defesa Russo, Major-General Igor Konashenkov, enfatizando a informação “totalmente objetiva e verificada”, identificou um ataque da Força Aérea da Síria lançado contra um armazém “rebelde moderado” ao leste da cidade de Khan Sheikhoun usado para produzir e armazenar conchas contendo gás tóxico.

Konashenkov acrescentou que os mesmos produtos químicos foram usados ​​por “rebeldes” em Aleppo no final do ano passado, de acordo com as amostras coletadas por especialistas militares russos.

Ainda assim, Trump sentiu-se obrigado a telegrafar o que agora é sua própria ‘linha vermelha’ na Síria: “Militarmente, eu não gosto de dizer quando vou nem o que estou fazendo. Não estou dizendo que não farei nada, mas de uma forma ou de outra, certamente não vou dizer a vocês [imprensa]”.

Ao lado dele, no gramado da Casa Branca, o patético Rei da Jordânia elogiou Trump: “abordagem realista para os desafios na região.”

Isso pode parecer um esboço do Monty Python [grupo de comédia britânico]. Mas infelizmente, é a realidade.

 

O que está em jogo em Idlib

Histeria desencadeada – mais uma vez -, a opinião pública ocidental esqueceu convenientemente que as declaradas armas químicas mantidas por Damasco foram destruídas em 2014 a bordo de um navio dos Estados Unidos, e mais, sob a supervisão da ONU.

E a opinião pública ocidental, convenientemente, esqueceu também que antes de ser teoricamente transpassada a chamada “linha vermelha de Barack Obama sobre armas químicas”, um relatório secreto da inteligência dos EUA deixou claro que Jabhat al-Nusra, também conhecido como o comandante da al-Qaeda na Síria, dominava o ciclo de produção de gás sarin e era capaz de produzi-lo em quantidade.

Sem mencionar que a administração Obama e seus aliados, a Turquia, a Arábia Saudita e o Qatar fizeram um pacto secreto em 2012 para criar um ataque de gás sarin e culpar Damasco, preparando o cenário para um replay de ‘Shock and Awe’ [Choque e Pavor – doutrina militar baseada no uso de força avassaladora]. O financiamento para o projeto veio da conexão NATO-GCC [OTAN-Militares e Governos], juntamente com uma conexão CIA-MI6 [CIA-Agência Britânica de Inteligência], também chamada de rat.line, de transferir todo o tipo de armas da Líbia para Salafistas-jihadistas [movimento ortodoxo ultraconservador dentro do islamismo sunita] na Síria.

Assim, essas armas tóxicas que “desapareceram” – em massa – dos arsenais de Gaddafi em 2011 acabaram por incrementar a Al-Qaeda na Síria (não o Estado Islâmico/Daesh), re-batizaram Jabhat Fatah al-Sham e os amplamente descritos nos ‘Beltway’ [idioma do establishment norteamericano] como “rebeldes moderados”.

Encurralados na província de Idlib, esses “rebeldes” são agora o principal alvo do Exército Árabe Sírio (SAA) e da Força Aérea Russa. Damasco e Moscou, ao contrário de Washington, estão empenhados em esmagar toda a galáxia Salafista-jihadista, não só o Daesh. E se o SAA continua a avançar, e esses “rebeldes” perdem Idlib, é ‘game over’.

Assim, a ofensiva de Damasco tinha de ser manchada, sem impedimentos, para toda a opinião pública global.

Além disso, não faz qualquer sentido que apenas dois dias antes de outra Conferência Internacional Sobre a Síria, e imediatamente após a Casa Branca ser forçada a admitir que “o povo sírio deve escolher o seu destino” e que não se fala mais em “Assad deve ir”, Damasco lance um ataque de gás contraproducente antagonizando todo o universo da OTAN.

Isto caminha – e fala – mais como o tsunami de mentiras que antecederam a doutrina ‘Shock and Awe’ no Iraque em 2003, e certamente vai no mesmo caminho que a renovada turbinada de uma campanha “al-CIAda”. Jabhat al-Nusra nunca deixou de ser um dos bebês da CIA no cenário preferido para a mudança de regime sírio.

Seus filhos não são tóxicos o suficiente

A embaixadora de Trump na ONU, a proprietária da Heritage Foundation Nikki Haley, previsivelmente foi balística, monopolizando todo o ciclo de notícias do Ocidente. Perdido no esquecimento, também previsivelmente, foi o discurso do vice-embaixador da Rússia, Vladimir Safronkov, quebrando em pedaços a “obsessão por mudança de regime” na Síria, que segundo ele “é o que dificulta este Conselho de Segurança”.

Safronkov sublinhou que o ataque químico em Idlib foi baseado em “relatórios falsificados dos Capacetes Brancos”, uma organização que foi “desacreditada há muito tempo”. De fato; Mas agora os capacetes são vencedores do Oscar , e este crachá de honra da cultura pop os torna inatacáveis ​​- para não mencionar imunes aos efeitos do gás sarin.

Seja qual for, Trump ou Pentágono, quem eventualmente surgir, um analista de inteligência americano independente, avesso ao pensamento coletivo, foi inflexível: “Qualquer ataque aéreo contra a Síria exigiria coordenação com a Rússia, e a Rússia não permitiria qualquer ataque aéreo contra Assad. A Rússia tem os mísseis defensivos lá que podem bloquear o ataque. Isso será negociado fora. Não haverá ataque já que um ataque pode precipitar uma guerra nuclear. ”

Os “filhos da Síria” mortos são agora peões em um jogo muito maior e perverso. O governo dos Estados Unidos pode ter matado um milhão de homens, mulheres e crianças no Iraque – e não houve clamor sério entre as “elites” do espectro da OTAN. Um criminoso de guerra ainda em liberdade admitiu, e registrou [vídeo acima com Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado do governo Bill Clinton], que a extinção, direta e indireta, de 500.000 crianças iraquianas foi “justificada”.

Por sua vez, o Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, instrumentalizou a ‘Casa de Saud’ [Arábia Saudita] para financiar – e armar – cerca de 40 uniformes especiais “examinados” pela CIA na Síria. Vários desses uniformes de fato já se fundiram, ou foram absorvidos, por Jabhat al-Nusra, agora Jabhat Fatah al-Sham. E todos eles se engajaram em seus próprios massacres de civis.

Enquanto isso, o Reino Unido continua alegremente armando a ‘Casa de Saud’ em sua busca para reduzir o Iêmen a uma vasta área de fome identificada por cemitérios de “danos colaterais”. O espectro da OTAN certamente não está chorando por essas crianças iemenitas mortas. Eles não são tóxicas o suficiente.

Publicado originalmente em Sputnik News

*Pepe Escobar é correspondente itinerante da Asia Times/Hong Kong, analista da RT e TomDispatch, e colaborador frequente de sites e programas de rádio que vão desde os EUA até a Ásia Oriental. Nascido no Brasil, é correspondente estrangeiro desde 1985 e viveu em Londres, Paris, Milão, Los Angeles, Washington, Bangkok e Hong Kong.

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Internacional

Rui Costa Pimenta lança livro, em Lisboa, sobre o golpe no Brasil

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Rui Costa Pimenta, jornalista formado pela Faculdade Casper Líbero e presidente do Partido da Causa Operária (PCO), fez uma turnê pela Europa, promovendo seu novo livro, “Golpe de Estado no Brasil: Balanços e Perspectivas”, onde realiza uma análise dos governos capitaneados pelo PT desde 2002 até o golpe de 2016, bem como da organização da resistência ao golpe e as perspectivas dessa resistência.

Foto: Bruno Falci

Foto: Bruno Falci

Em Lisboa, Rui falou sobre os problemas do golpe de Estado no Brasil contra a presidenta Dilma Rousseff, contextualizou a prisão do Lula dentro desse processo de intesinficação do golpe e perspectivas futuras para restabelecimento da democracia.

Estiveram presentes dezenas de participantes , entre brasileiros e estrangeiros portugueses e de outras nacionalidades, que ao final fizeram perguntas. Também marcou presença o presidente da Associação Vasco Lourenço, um dos líderes da revolução de 25 de abril de 1974 – Revolução dos Cravos, que pôs fim a 41 anos da ditadura salazarista. A mesa foi mediada por Maurício Moura, membro do Coletivo Andorinha.

Antes de Lisboa, Rui Costa Pimenta passou por várias cidades europeias, entre elas Londres, Paris, Amsterdã, Vigo, Barcelona, Frankfurt, Copenhague, Hamburgo, entre outras.

O evento foi organizado pelo Coletivo Andorinha e transmitido ao vivo pela página dos Jornalistas Livres e pelo canal do PCO, no Youtube.

 

Texto: Bruno Falci e Maíra Santafé

Fotos: Aparecido Lima e Bruno Falci

 

Foto: Bruno Falci

Foto: Bruno Falci

Foto: Aparecido Lima

Foto: Aparecido Lima

 

 

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América Latina e Mundo

CHAVISMO OBTÉM VITÓRIA ESMAGADORA NAS ELEIÇÕES REGIONAIS NA VENEZUELA

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Por Juliana Medeiros para os Jornalistas Livres

O PSUV, partido que reúne as forças chavistas, obteve uma vitória incontestável nesse domingo (15), nas eleições regionais ocorridas na Venezuela.

Os candidatos a governador chavistas conquistaram 17 dos 23 estados, 54% da votação nacional, frente à 45% da oposição.

A presidenta do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibisay Lucena, informou em comunicado na sede do órgão em Caracas que a tendência já era irreversível, com 95,8% de urnas apuradas.

 

A MUD – Mesa da Unidade Democrática (aliança que reúne os partidos de oposição) conquistou 5 estados e apenas 1, o estado de Bolívar, ainda não tinha o cenário irreversível no momento do anúncio. O resultado deixa a MUD em uma situação difícil, especialmente por terem perdido o estado de Miranda, tradicionalmente opositor.

A participação eleitoral foi de 61,14%, cifra superior aos 53.94% das eleições regionais de 2012.

Depois dos resultados divulgados, os venezuelanos saíram às ruas para celebrar o fortalecimento de sua democracia e o encerramento de mais uma jornada eleitoral, que transcorreu com normalidade.

Para estas eleições 18.099.391 venezuelanos estavam habilitados a votar em 13.559 centros de votação instalados en todo o país. Só os habitantes do Distrito Capital não participaram do pleito por ser Caracas.

A jornada eleitoral começou às 6h da manhã de hoje e a votação contou com Acompanhamento Internacional integrado por um grupo de mais de 60 convidados, entre acadêmicos, ativistas sociais, parlamentares e jornalistas, oriundos dos EUA, América Latina e Europa, sendo 8 brasileiros.

A Revolução Bolivariana venceu em um cenário de imensa tensão. O chavismo foi derrotado nas últimas eleições para a Assembleia Nacional e desde então, a Venezuela vive um estado de conflagração permanente. No entanto, a decisão de Nicolás Maduro de convocar uma Assembleia Constituinte, demonstra haver sido acertada. A oposição tentou impedir a realização da Constituinte, concluída em 30 de julho, com muita violência. A resposta do povo, portanto, foi sábia. O voto de hoje nas eleições regionais foi um voto contra a violência, um voto pela paz.

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América Latina e Mundo

DITADURA VENEZUELANA – “MAIOR FAKE NEWS DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA”

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Por Juliana Medeiros para os Jornalistas Livres

Neste domingo (15), a Venezuela realiza suas Eleições Regionais, para governadores, em 23 Estados nesta que é sua 22ª eleição em 18 anos de chavismo, o que de pronto classifica o país como a “ditadura” que mais realizou sufrágios na história contemporânea.

Toda a imprensa mundial acompanha de perto a disputa, ávida por encontrar evidências de fraude ou captar imagens para sua narrativa de impacto sobre a diariamente pautada “crise econômica e política” do país.

No entanto, ao mesmo tempo em que a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibsay Lucena, informa em coletiva de imprensa que todas as etapas para o pleito vem sendo cumpridas com a participação de observadores internacionais e membros de TODOS os partidos, que também fiscalizam o processo, os correspondentes credenciados no país tratam unicamente de noticiar as supostas “fraudes” cometidas pelo governo Maduro, ainda que representantes de cada corrente política estejam validando o mesmo processo que a oposição (e a mídia) procuram deslegitimar.

Mas do que se trata essa tal crise na Venezuela? Essa é a pergunta que muitos se fazem nesse momento. Para responder, é preciso antes se perguntar o que faz com que um pequeno país caribenho de repente se torne o assunto dos almoços de domingo de boa parte dos países do mundo, onde seus cidadãos muitas vezes sequer conhecem seu cenário local mas sabem o nome de políticos venezuelanos e falam sobre a tal “crise” como se fossem conhecedores profundos do tema.

Charge do Latuff

Antes ainda, é necessário perguntar se Nicolás Maduro – ao invés de denunciar constantemente a ingerência norteamericana e se recusar terminantemente a seguir suas ordens – fosse um amigo de Washington, será que o país continuaria nos noticiários?

O mais provável é que ele poderia ser de fato o “ditador” que querem que ele seja, por exemplo, oprimindo cruelmente as mulheres como o rei Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud da Arábia Saudita; ou deixando mais de 1 milhão de pessoas morrerem de fome, cólera e bombardeios de aviões aliados em seu próprio solo, como Addrabbuh Mansour Hadi do Yemen; ou ainda usando de maneira violenta e extremada sua polícia contra manifestações pacíficas pelo direito de votar, como Rajoy da Espanha; ou inaugurando uma nova era de presos e desaparecidos políticos como Macri, na Argentina; ou mantendo sob barbárie a última colônia do mundo em um campo murado e minado no meio do deserto do Sahara, como o Rei Mohamed VI do Marrocos; ou pior, fazendo tudo isso, com direito a malas de dinheiro em contas ilegais no exterior e mais uma série de delitos (com Supremo com tudo) como naquele país, vocês sabem onde. Bastaria à Maduro ser menos “guapero” em linguagem latina, aceitando condições comerciais injustas, acordos políticos nefastos e uma ou outra base militar em seu território e tudo estaria resolvido.

Ou seja, no fundo o mundo inteiro sabe que não se trata de motivos humanitários e que a OEA ou o (atual) Mercosul, just don’t give a damn para o que acontece realmente na Venezuela. Se assim fosse, as “guarimbas” – espécie de barricada montada pela oposição como estratégia recorrente de ataque – seriam tão conhecidas quanto todos os outros fatores que parecem fazer com que simples eleições regionais na Venezuela sejam mais importantes para a mídia do que, por exemplo, a possibilidade cada dia mais real dos EUA iniciarem uma nova guerra mundial.

Sem precisar recorrer à estatísticas, é muito provável que você, leitor(a), jamais tenha ouvido falar sobre as tais “guarimbas” com homens armados até os dentes com fuzis e bombas caseiras, fios de arame que decapitam motoqueiros, ou os “poopootov” (lançamento de garrafas cheias de excremento humano), ou ainda pessoas sendo queimadas vivas nas ruas e filmadas enquanto agonizam até o fim. Ou pior, você até já ouviu falar em tudo isso, mas acredita na versão de que foram crimes cometidos pela Guarda Nacional Bolivariana.

A verdade é que a ditadura (ou a crise) na Venezuela, como bem definiu seu Ministro das Comunicações, Ernesto Villegas, não passa do “maior fake news da história contemporânea”.

Por mais que a própria oposição venezuelana declare publicamente em suas páginas oficiais que todas as estratégias citadas acima (e outras) são aceitáveis, ninguém lê porque é invisível até para os pauteiros da grande mídia. E ainda que muitas vezes as críticas à violência do governo Maduro não tenham sequer uma imagem para fundamentar, essas são as notícias que interessam ao mainstream.

Aliás, muitas vezes há imagens sim, como as que a imprensa espanhola produziu horas depois de uma guarimba explodir cerca de 8 policiais em suas motos no meio de uma avenida de Caracas. O frame convertido em instantâneo, foi retirado de um vídeo produzido por uma das câmeras dos próprios policiais que vinham atrás dos que foram atingidos. A mesma imagem foi reproduzida nas capas de vários veículos, sem crédito, com títulos que criticavam a “repressão” de Maduro. Uma notável e descarada manipulação.

Nesse mesmo dia, o jornalista venezuelano Luis Hugas, que acompanhava o grupo de militares em uma das motos (e quase foi atingido também), flagrou em video produzido para o Canal La Iguana TV, os correspondentes de meios internacionais escondidos atrás de uma das barricadas, ou seja, já preparados, poucos antes da explosão, no melhor estilo “se por acaso acontecer algo aqui”.

Não se trata de dizer que não há problemas, a Venezuela vem sofrendo uma pesada guerra econômica precisamente por um equívoco do próprio projeto chavista. Quando Hugo Chávez chegou ao poder, todo o recurso bilionário do petróleo venezuelano era destinado unicamente à elite que controlava o país. A radical transferência de renda iniciada por ele, produziu uma mudança profunda em uma sociedade miserável. A questão é que Chávez não só reduziu drasticamente a desigualdade no país, levando educação ou saúde gratuitos para a população, mas também iniciou um processo de conscientização política. No entanto, a manutenção da dependência econômica sobre uma única commoditie, fez com que a nação caribenha continue precisando importar quase todos os produtos que consome, porém usando como moeda os mesmo barris de petróleo que agora estão em baixa no mercado mundial. E são justamente os comerciantes – boa parte estrangeiros – a usarem a estratégia de retirar os produtos das prateleiras ou colocá-los a preços surreais, como única ferramenta política da direita que tradicionalmente não possui habilidade para construir bases de outra maneira.

Em uma série de vinhetas produzidas pelo canal venezuelano VTV, uma jornalista fala de sua indignação pelas últimas declarações do Depto de Estado norteamericano acerca da lisura das eleições venezuelanas e finaliza dizendo: “Venezuela é garantia de paz na América Latina”. De fato, esse é o ponto.

Depois de passar décadas com pouco interesse sobre o que ocorria na América Latina (mais concentrados em regiões como o Oriente Médio e o Norte da África), os EUA sob Trump decidiram redirecionar seus canhões para nosso continente. Não é coincidência que, ao mesmo tempo em que o mundo está tremendamente interessado em saber qual será o novo governador de Táchira, os EUA tenham reiniciado sua política de bloqueio econômico-financeiro impondo o chamado “Nica Act” à Nicarágua, sob o batido pretexto de promover a “democracia” no país centro-americano. O problema dos EUA com a Nicarágua, Venezuela, Bolívia, ou Cuba é o mesmo: controle dos recursos e combate ideológico.

E a Venezuela parece ser a peça que pode colocar em xeque toda a região, agora que Trump vem ameaçando com uma intervenção armada, que aliás, parte da oposição venezuelana tem a indecência de pedir textualmente em canais de TV privados pelo país. Subserviência e vira-latismo que mais parecem a nova epidemia desses tempos.

Foto: Guilherme Imbassahy

O fato é que mudam os presidentes mas a estratégia yankee não muda. Num primeiro momento, financiam grupos opositores protofascistas na tentativa de promover golpes parlamentares que permitam um alinhamento à sua geopolítica de interesse para a região, como é o caso do Brasil ou Paraguai (que por casualidade tinham nesses momentos a mesma embaixadora norteamericana, que também por acaso foi por anos quem esteve à frente da USAID para América Latina).

E assim como ocorrido no Iraque ou na Líbia, quando a intervenção via “revoluções laranjas” não é suficiente e torna-se necessário recorrer às armas, a primeira a atingir o país-alvo da vez é sempre a propaganda, difundida com muita eficiência (e cumplicidade) pela imprensa internacional.

Convencida a opinião pública de que é preciso intervir, não há problema caso depois alguém se dê conta de que se equivocou ou “pesou a mão”, basta recorrer à indústria Hollywoodiana e produzir algum enlatado (com cara de mea culpa e jeito de planejado) ou apenas, como é o caso da Líbia, jogar no limbo do esquecimento midiático o país que estava todos os dias no noticiário enquanto era importante convencer a todos de que era necessário destruí-lo, sob o irônico pretexto de “salvá-lo”. O problema com essa estratégia em relação à Venezuela (para aqueles que desde fora defendem essa absurda possibilidade), é que um ataque ao país certamente vai ter consequências regionais graves e cuja extensão é difícil de prever, inclusive para o Brasil e todos os países que lhe fazem fronteira.

O mais curioso, é observar como a narrativa hegemônica faz com que qualquer país que demonstre ter um forte sentido de soberania enraizado em sua cultura, passa a ser ridicularizado e seus líderes tratados como loucos. O mundo parece mesmo convencido bovinamente de que o único país ao qual é permitido esse sentimento é aquele que por décadas vem tentando controlar todos os outros.  Resta saber se vamos mais uma vez assistir impassíveis a tudo isso.

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