“Por sobre as nossas lindas terras, loiro imigrante andou”: pelo hino oficial de Santa Cruz do Sul, cidade-polo do Vale do Rio Pardo (RS), coração da fumicultura brasileira, já é possível identificar a exacerbação do “germanismo”, termo criado por historiadores para definir a imposição cultural alemã a outras etnias da região.
E a cultura germânica é exaltada por uma indústria que se instalou na região: a do tabaco que, não à toa, enaltece a ascendência alemã como símbolo de disciplina e organização. Não é incomum escutar dos “guias” regionais apontamentos sobre “as diferenças” entre as plantações de folhas de fumo dos “loiros” e do “resto”. De um lado, o capricho é sinônimo de Alemanha. De outro, fica o trabalho daqueles que muitos representantes das empresas chamam de “caboclada”.
“O investimento pesado da indústria em reforçar a hegemonia alemã para garantir o rótulo de melhores produtores de tabaco do mundo resultou em racismo”, comentam João Peres e Moriti Neto, autores do livro-reportagem Roucos e Sufocados: a indústria do cigarro está viva, e matando, que foi lançado no final de agosto pela Editora Elefante.
A situação descrita pelos jornalistas é traduzida pelo Deutschtum, palavra alemã que sintetiza o conceito de “germanismo” como uma ideologia que se refere à conservação das características culturais, sociais, raciais e dos grupos formados por indivíduos de origem germânica. O historiador gaúcho Mateus Silva Skolaude, num trecho do artigo História, identidade e representação social: o caso da comunidade afrodescendente de Santa Cruz do Sul, explica:
Ate o bicicletário no centro de Santa Cruz do Sul tem forma de folhas de fumo
“No caso de Santa Cruz do Sul, a década de 1970 é paradigmática no sentido de afirmar a identidade germânica. O município apresenta grandes transformações sociais, políticas e econômicas ocasionadas por um intenso processo de urbanização, acompanhado pelo crescimento demográfico, decorrência do grande fluxo de migrantes vindos de municípios vizinhos e do interior do município, motivados pela perspectiva de trabalho no setor fumageiro, que se encontrava em plena ascensão econômica. Algumas estratégias foram articuladas pelo poder público municipal para a invenção de uma tradição germânica para a cidade”, argumenta Skolaude, santa-cruzense de nascença.
É nesse cenário que as maiores transnacionais de cigarros instalaram sedes no pequeno município, de 773 quilômetros de área e 127 mil habitantes, considerado a “capital mundial do fumo” e o polo aglutinaddor que faz do Brasil o maior exportador de tabaco processado do planeta e vice-campeão mundial em produção da folha, atrás apenas da China.
Fundada em 6 de dezembro de 1877, a cidade fica a 155 quilômetros da capital gaúcha, Porto Alegre, e é um dos principais núcleos da colonização alemã em solo brasileiro. A combinação entre a prevalência da cultura germânica e a presença da indústria fumageira (como é chamado o oligopólio das transnacionais do cigarro na região) concede outro título ao local: além de “capital mundial do fumo”, Santa Cruz aparece como “campeã” de mortes. Está na lista do Mapa da Violência no Brasil, publicado com base em dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM), entre as líderes do ranking de suicídios no país.
Para que se tenha uma breve ideia, são 30 as pessoas que se suicidam diariamente no Brasil – 10.950 mil anualmente – o que supera os números diários de vítimas fatais de alguns tipos de câncer. O Rio Grande do Sul, apesar de abrigar somente 14% da população brasileira, é cenário de 23% dos casos anuais (2.518,5), com 10,7 suicídios a cada 100 mil habitantes, o dobro da média nacional (de 5,4), sendo o Vale do Rio Pardo um dos pontos mais alarmantes.
Em 2014, o Mapa já apontava que, das 20 cidades de maior índice, 11 são gaúchas. Entre elas, três estão na região das fumageiras: Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e Encruzilhada do Sul.
Órgãos municipais também acompanham a situação. E a confirmam. Venâncio, município habitado por 65 mil pessoas, a 30 quilômetros de Santa Cruz, chegou a ser classificado como a “capital mundial do suicídio”, devido a um surto em 1996, quando 37 casos por 100 mil habitantes ocorreram (60% em área rural).
Estranhos números em uma região que, de longe, é vista como próspera. Santa Cruz, por exemplo, carrega boas marcas econômicas. É o quinto colocado entre os municípios rio-grandenses no que se refere ao Produto Interno Bruto (PIB), chegando ao montante de R$ 7,8 bilhões produzidos em 2017, com renda per capita média mensal de R$ 1.036,87, valor maior do que as médias do Brasil e Rio Grande do Sul, R$ 793 e R$ 959, respectivamente.
As corporações do fumo proclamam-se como responsáveis por esse “desenvolvimento”, mas nada falam sobre o envolvimento do cultivo de tabaco com as mortes e as tentativas de suicídio.
“Os fatos, dados e pesquisas que conectam a relação com os suicídios são diversos e não pautam a mídia tradicional. Tentamos descortinar os motivos dessa tragédia disfarçada. Decidimos realizar uma abordagem sistematizada, que começamos em 2015, sobre a formação da rede estratégica da indústria do tabaco no Brasil, bem como da formação discursiva que coloca na arena do debate público atores diversos que fazem a defesa das empresas para que as próprias não necessitem usar vozes diretas. O Brasil tem uma situação sui generis. O grande número de famílias produtoras garante às empresas uma mobilização forte contra a agenda regulatória e em benefício da eleição de parlamentares ligados diretamente ao cigarro”, contam os autores.
Foram quase quatro anos em que os repórteres se envolveram com extensa pesquisa, incluindo leituras de livros e de muitos textos, desde reportagens, passando por pesquisas acadêmicas de diversos níveis, até documentos legislativos e decisões judiciais. E, claro, pé na lama. Estiveram três vezes ao interior do Rio Grande do Sul e uma no Paraná para conversar com produtores, políticos, comerciantes, funcionários das grandes empresas, sindicalistas, técnicos do setor de saúde, membros de universidades, líderes de organizações da sociedade civil, empresários do setor tabagista, advogados e juízes.
“Há muito o que dizer sobre o êxito da indústria do tabaco em causar confusão em torno de fatos Irrefutáveis, como os óbvios problemas de saúde causados pelo cigarro aos fumantes, mas, também, as questões de graves enfermidades geradas aos plantadores das folhas de tabaco, 150 mil famílias na região Sul do país e mais outras no Nordeste. E essa situação só se mantém graças ao lobby que envolve políticos de vários níveis e figurões do Poder Judiciário, inclusive que passaram pelo STF (Supremo Tribunal Federal). O livro busca desvendar essa rede”, concluem os autores.
João Peres é autor de Corumbiara, caso enterrado (Elefante, 2015), livro-reportagem que esteve entre os finalistas do Prêmio Jabuti em 2016 e foi agraciado com o segundo lugar no Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo em 2015. Foi editor e repórter da Rede Brasil Atual entre abril de 2009 e novembro de 2014, após ter passado pelas redações das rádios Jovem Pan AM e BandNews FM. É tradutor do livro Uberização: a nova onda do trabalho precarizado, de Tom Slee (Elefante, 2017). Nos últimos anos tem se dedicado a investigar o setor privado. É um dos fundadores do site O joio e o trigo, especializado em política alimentar.
Moriti Neto é jornalista, com passagens pelo site Rede Brasil Atual, pelas revistas Fórum e Caros Amigos, e pelo blog Nota de Rodapé. Também colaborou com jornais e sites do interior paulista. Recebeu o primeiro e o segundo lugar no Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo em 2014 e 2015, e o Prêmio Anamatra de Direitos Humanos em 2016, por reportagens produzidas para a Agência Pública. Como professor, coordenou o jornal Matéria-Prima, do curso de jornalismo da Unifaat, que em 2013 recebeu quatro menções no Prêmio Yara de Comunicação. É um dos fundadores do site O joio e o trigo, especializado em política alimentar.
Serviço:
ROUCOS E SUFOCADOS
R$ 45,00
FRETE GRÁTIS!
Roucos e sufocados: a indústria do cigarro está viva, e matando
Cáceres se encontra na micro região do Alto Pantanal. Tem uma população de quase 95.000 habitantes, faz fronteira com a Bolívia e é a principal cidade abrangida, quer dizer envolta ou abraçada, pelo Pantanal.
Agora imagine o abraço de um corpo em chamas e soltando fumaça.
“EU VOU GANHAR ESSA ELEIÇÃO DE QUALQUER MANEIRA.”
Francis Mariz Cruz.
O prefeito de Cáceres é Francis Mariz Cruz tem um patrimônio de quase 50 milhões de reais declarados. Oficialmente apoia o candidato Paulo Donizete que é de seu partido e que vai concorrer contra a sua vice prefeita Eliene, mas Francis acredita que mesmo que o candidato apoiado por ele perca, sua vice ainda pertence à sua base aliada o que lhe garantiria mais regalias políticas no município como supõe no áudio vazado.
Entrada daFazenda Cometa, de Francis Mariz Cruz, prefeito de Cárceres, micro região do Alto Pantanal, MT.
O Francisco da Cometa é conhecido assim por ser dono de uma loja de venda de motos, a Cometa Moto Center. Apenas um de seus empreendimentos entre fazendas, aviões, imóveis rurais e prédios comerciais além das 17 empresas das quais é proprietário.
Como todo milionário, o Rei de Cáceres, é arrogante. Em áudio obtido, que corre nos grupos de whatsapp da cidade, o candidato avisa que ganhará a disputa sem fazer esforço algum. “Essa eleição tá no papo!”
https://youtu.be/vs6JBoCgww0
Também não esconde o uso irregular de maquinário municipal utilizado exclusivamente para obras municipais de construção e transporte em benefício próprio como a reforma na Fazenda Cometa.
Maquinário municipal sendo utilizado em Fazenda do Prefeito de Cárceres.
Fazendo o percurso da Transpantanal envolta em fumaça pela manhã, fotografo passando por mim pelo menos três caminhões da Prefeitura de Cáceres voltando da Fazenda Cometa do Pantanal, do Prefeito Francis. A fazenda está em reformas e o maquinário utilizado para as tais reformas são da prefeitura como é possível ver em fotos e vídeo.
Caminhões da Prefeitura de Cáceres voltando da Fazenda Cometa do do Prefeito Francis.
A Fazenda tem sua sede a 12 km de sua entrada. Modesta propriedade que vende touros, sêmen e matrizes. O prefeito aceita seu touro velho na compra de um Nelore Cometa.
Na volta da Transpantanal passo por um foco de queimada recém iniciado à beira da estrada. Paro para observar em busca de alguma prova de crime ambiental, mas o tempo é curto e preciso voltar para o centro para me trocar. As roupas que estou usando estão pretas, sujas de terra, cinzas e fedem a fumaça. A sede e o calor de 45° também castigam e preciso me hidratar antes de voltar à tarde para continuar o trabalho.
Foco de fogo à beira da estrada
No retorno para a Transpantanal à tarde, aquele pequeno foco de fogo se transformou no Inferno abaixo. A fumaça escura tomou a ponte e o fogo pulou para o outro lado do rio se aproximando de casas, à beira do Rio Paraguai.
A fumaça escura tomou a ponte e o fogo pulou para o outro lado do rio se aproximando de casas, à beira do Rio Paraguai .
No local não há nenhum caminhão da prefeitura, ou do exército e nem corpo de bombeiros para tentar conter o fogo. Na verdade, desde que cheguei na cidade, não vi movimentação alguma dos bombeiros ou do exército o que surpreende de forma negativa já que a coluna de fumaça principal vem do centro da cidade cujo foco se encontra na mata que está no Rio Paraguai.
Caminhão pipa que poderia estar no combate ao fogo é usado pelo prefeito em sua fazenda.
Não existe esforço municipal na contenção das chamas que consomem a mata do outro lado do rio dia e noite. Um detalhe que chama ainda mais atenção é que a rua que fica na Praça da Sematur e que faz frente para o rio é também a rua onde mora o Prefeito.
Francis Mariz Cruz não apoia nenhuma iniciativa de socorro a animais. A prefeitura não dá suporte a brigadistas voluntários e nem criou uma força tarefa em concomitância com exército ou marinha para combater os demais focos de queimadas espalhados nas várias áreas da cidade. Nada está sendo feito.
Ao amanhecer, Cáceres desaparece sob a fumaça espessa que atravessa o rio e se instala no centro e entorno. Com o Sol forte ela deixa de aparecer com tanta nitidez, mas à noite é impressionante. E mais impressionante ainda é a apatia dos moradores que levam a vida como se nada estivesse acontecendo. Ao redor de Cáceres são incontáveis os focos de incêndio e é desumana e incompreensível administrativamente a ausência do combate ao fogo.
Talvez a explicação para essa apatia seja o fato de que a cidade se encontra no terceiro lockdown desde o início da Pandemia. Há toque de recolher, inclusive, às 20h. A despeito dos casos de covid19, crescentes assim como os óbitos, a cidade caminha como se nada estivesse acontecendo. Mas caminha lentamente já que é difícil enxergar com tanta fumaça nos olhos.
Quem se beneficia dessa cegueira que o fogo e a fumaça trazem é o prefeito. Não que ele faça algum esforço para esconder algo.
Fogo criminoso para passar a boiada e a soja no Pantanal
Queimadas iniciadas em cinco propriedades do MT respondem pela destruição de área equivalente à cidade do Rio de Janeiro. Duas dessas fazendas são de pecuaristas que vendem gado para empresas da família Maggi (Amaggi e Bom Futuro), fornecedoras de gigantes como JBS, Marfrig e Minerva.
Por Daniel Camargos e André Campos | Foto: João Paulo Guimarães | 22/09/20 | para a Repórter Brasil
Parte do fogo que devasta o Pantanal mato-grossense teve origem em fazendas de pecuaristas que vendem gado para o grupo Amaggi, do ex-ministro e ex-senador Blairo Maggi, e para o grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi, considerado o maior produtor de soja do mundo. Esses dois grupos empresariais, por sua vez, são fornecedores das gigantes multinacionais JBS, Marfrig e Minerva.
O levantamento da Repórter Brasil se baseou emestudo da ONG Instituto Centro de Vida, que identificou que as queimadas no Mato Grosso começaram em cinco propriedades, a partir da análise cruzada dos focos de calor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), imagens dos satélites Sentinel-2 e Planet e mapeamento das áreas atingidas por incêndios da NASA. O estudo do ICV analisou os focos de incêndio no Mato Grosso entre 1º de julho e 17 de agosto, mas ressalta que a primeira queimada na região começou em 11 de julho. Com base na geolocalização dessas fazendas, a Repórter Brasil usou dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e da Secretaria de Estado da Fazenda para identificar os proprietários, bem como documentos para averiguar os compradores de dois desses fazendeiros.
No Pantanal mato-grossense, incêndio começou em cinco fazendas, duas delas dedicadas à criação de gado (Foto: Christiano Antonucci/Secom-MT)
O fogo que teve início nessas cinco propriedades rurais voltadas para pecuária, todas localizadas em Poconé (100 km da capital Cuiabá), foi responsável por destruir 116.783 hectares, área equivalente à cidade do Rio de Janeiro. Esse volume de destruição correspondeu a 36% da área total atingida por incêndios no Pantanal mato-grossense no período analisado (entre julho e a primeira metade de agosto).
O incêndio que atinge o Pantanal é alvo de investigação da Polícia Federal, que apura a responsabilidade de fazendas na área rural de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Já o estudo do ICV se concentrou no Mato Grosso, no entorno da cidade de Poconé.
Entre essas cinco propriedades rurais mato-grossenses, está a fazenda Comitiva, de Raimundo Cardoso Costa, onde o fogo começou em 20 de julho e foram registrados pelo menos 171 focos de incêndio. A área total destruída pelo fogo iniciado nesta fazenda foi de 25.188 hectares.
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Fazenda do Mato Grosso, Raimundo Cardoso Costa é proprietário de outra fazenda, vizinha à Comitiva, chamada Recanto das Onças. A Repórter Brasil identificou que a fazenda Recanto das Onças comercializou gado com o grupo Bom Futuro, mais conhecido pela produção de soja, mas que tem um rebanho de 130 mil cabeças de gado nelore. O grupo Bom Futuro está entre os fornecedores de gado dos maiores frigoríficos do Brasil: JBS, Marfrig e Minerva, conforme atestam documentos a que a reportagem teve acesso.
Outra fazenda localizada em Poconé e que está entre as cinco analisadas pela Repórter Brasil é a Espírito Santo, de José Sebastião Gomes da Silva, onde o fogo começou em 4 de agosto. Segundo o Inpe, foram pelo menos 73 focos de incêndio que destruíram 14.292 hectares, segundo análise da NASA.
Os incêndios que começaram em fazendas do Mato Grosso já destruíram uma área equivalente à cidade do Rio de Janeiro (Foto: Mayke Toscano/Secom-MT)
Gomes da Silva também é dono de outra fazenda, a Formosa. Essa propriedade vende gado para a fazenda Rio Bonito, de Elza Junqueira de Carvalho Dias, que, por sua vez, comercializa gado com a JBS e Marfrig. A Fazenda Formosa também é fornecedora da Amaggi Pecuária. A empresa faz parte do grupo Amaggi, da família do político Blairo Maggi, que tem 10 fazendas no Mato Grosso e atua em diversos setores além de soja e pecuária, como energia e logística. A Amaggi Pecuária, por sua vez, está entre as fornecedoras da JBS, Marfrig e Minerva.
“Queremos descobrir quem foram os autores [das queimadas no Pantanal]”, disse, à Repórter Brasil o delegado Daniel Rocha, em referência ao fato de que os incêndios que destroem o bioma teriam sido provocados pela ação humana — e não por conta do período seco. As propriedades investigadas pela Polícia Federal na operação Matáá ficam próximas ao Parque Nacional do Pantanal, na divisa dos dois estados, e, segundo o delegado, são grandes fazendas de pecuaristas.
O fogo é a forma mais barata de ampliar uma pastagem, conforme explica o diretor-executivo da Amigos da Terra Amazônia Brasileira, Mauro Armelin. Para o executivo, os frigoríficos deveriam analisar também os seus fornecedores indiretos, como forma de coibir o desmatamento e também as queimadas provocadas pela ação humana. “Se os frigoríficos não fizeram a análise completa e monitorarem os [fornecedores] indiretos, eles nunca poderão dizer que suas cadeias de produção são livres de desmatamento”, explica.
Mais de uma centena de frigoríficos assinaram com o Ministério Público Federal (MPF) um acordo, que ficou conhecido como “TAC da Carne”, em 2009, para não comprar gado de áreas desmatadas ou autuadas por trabalho escravo na região amazônica. Mais de 10 anos depois, os frigoríficos conseguem driblar o acordo com uma série de artimanhas, muitas vezes envolvendo fornecedores indiretos com problemas socioambientais, como mostrou a Repórter Brasil em reportagem publicada em junho.
‘Fogo começou com explosão de automóvel’, diz pecuarista
Raimundo Cardoso Costa disse à Repórter Brasil que o fogo em sua propriedade começou após a explosão de um veículo. “Os bombeiros apagaram, mas o fogo ficou nas raízes das plantas e depois espalhou”, diz. O fogo, segundo ele, destruiu 40% dos 15 mil hectares da sua propriedade, além de ter se alastrado para outras fazendas.
O fogo é a forma mais barata de ampliar uma pastagem, segundo Mauro Armelin, da Amigos da Terra. (Foto: Christiano Antonucci/Secom-MT)
O fazendeiro reclama da legislação ambiental e diz que o ideal seria liberar o fogo no período que não fosse seco. “Tem que deixar o pantaneiro limpar o que tem que limpar”, afirma. Raimundo diz também que jamais colocaria fogo na própria fazenda, pois sem a mata nativa, que funciona como uma cerca natural, ele teria de gastar R$ 10 mil para construir um quilômetro de cerca — sua fazenda, segundo ele, precisaria de 50 quilômetros.
Morador de São Paulo, ele tem fazendas no Pantanal há 10 anos e um rebanho de 1,2 mil cabeças de nelore. É um típico fornecedor indireto, pois vende gado, principalmente, para outros fazendeiros que engordam a criação antes de comercializarem para o abate nos frigoríficos. Ele afirma ter vendido a fazenda Recanto das Onças, apesar de seu nome ainda constar como proprietário em documento da Secretaria de Estado da Fazenda. O pecuarista, no entanto, confirmou que negociou, em diversas ocasiões, com o grupo Bom Futuro (fornecedor de JBS, Marfrig e Minerva).
Raimundo reclama da responsabilidade dos incêndios recair sobre os fazendeiros. “Estão detonando a gente. O pantaneiro sempre foi o cuidador do Pantanal”, afirma. Ele também é um defensor do presidente Jair Bolsonaro. “Tudo que acontece no Brasil é culpa do Bolsonaro. A mídia acha que quanto pior, melhor. Temos que ajudar o presidente a melhorar o Brasil.”
A reportagem entrou em contato com a advogada do outro fazendeiro, José Sebastião Gomes da Silva, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.
A Amaggi, que compra gado de José Sebastião Gomes, informou à Repórter Brasil que vai suspender as compras de gado com este fornecedor enquanto aguarda a apuração sobre a responsabilidade da origem dos focos de incêndios em outras propriedades de Gomes.
Jaguatirica morta por conta dos incêndios na região de Poconé-MT (Foto: João Paulo Guimarães/Repórter Brasil)
A Minerva Foods destacou que “os produtores agropecuários são também prejudicados por incêndios de grandes proporções, que podem atingir suas propriedades”. Disse que os fornecedores diretos dela (Amaggi e Bom Futuro) não apresentam irregularidades, mas não comentou sobre os fornecedores indiretos (Raimundo e José Sebastião).
Dona das marcas Montana e Bassi, a Marfrig afirmou que usa uma plataforma de monitoramento via satélite para monitorar os fornecedores com focos de incêndio e que há um alerta para que a compra de gado seja suspensa até que a situação seja esclarecida, mas que não há controle total sobre os fornecedores indiretos. A empresa reconhece a questão como “crítica” e lançou, em julho, um programa para tentar resolvê-la.
A JBS, proprietária das marcas Friboi, Seara, Swift e Doriana, afirmou que só consegue monitorar os fornecedores que vendem diretamente para o frigorífico, pois não tem acesso às Guias de Trânsito Animal (GTAs) dos elos anteriores da cadeia. Sem a informação sobre as GTAs, a empresa entende que seria “precipitada qualquer conclusão da JBS sobre a origem do gado adquirido desses fornecedores” (Leia todos posicionamentos na íntegra).
O grupo Bom Futuro não retornou o pedido de posicionamento da Repórter Brasil.
Destruição avassaladora
As queimadas no Pantanal neste ano são as maiores desde que o INPE começou a registar os números, em 1998. São quase 16 mil focos de incêndio (até a última quarta-feira), 56% maior que 2005, o pior ano da série histórica. O fogo destruiu 15% da região, com 2,3 milhões de hectares da maior área úmida do mundo.
Há dez dias, bombeiros e brigadistas apenas observavam o fogo na região de Poconé, alastrado por áreas grandes demais para ser controlado (Foto: João Paulo Guimarães/Repórter Brasil)
A fauna nativa do Pantanal é a que mais sofre. São 1,2 mil espécies diferentes de animais, sendo que 36 são ameaçadas de extinção. Entre as vítimas estão cobras, jacarés, macacos e onças. Os incêndios já dizimaram um refúgio de araras azuis e avança sobre uma área de proteção de onças-pintadas.
“Quando cheguei em Poconé, perto da meia noite, a cidade estava envolta na penumbra. A fumaça era tão pesada que acreditei ser a névoa da madrugada. Não era. Era o efeito causado pelos mais de 2 milhões de hectares que estavam em chamas no Pantanal”, relatou o fotógrafo João Paulo Guimarães à Repórter Brasil.
No último dia 22 de Junho de, 2020 o pajé Jaguriçá e a Cacica Elúzia, ambos lideranças indígenas da etnia Pankararu-Opará localizada no Município de Jatobá (PE) 452 km do Recife, denunciaram ao departamento Jurídico do Ylê-Oca casa das tradições em Olinda, o conflito que vem ocorrendo em razão de interesses territoriais entre não-índios e índios estabelecidos no Território Indígena Pankararu Opará.
Ocorre que, desde o reconhecimento da T.I. Pankararu Opará pela FUNAI, agricultores não-índios que se estabeleceram na mesma localidade vem fazendo ameaças de violência e morte aos indígenas, já tendo destruído duas edificações integrantes do sítio ritualístico daquela etnia e tendo também queimado uma árvore sagrada para os índios no contexto do conflito.
Pajé Jaguricá Pankararu Opará
Os indígenas reportam já terem denunciado à situação às autoridades competentes, porém, com o contexto da Pandemia, ainda não tiveram qualquer devolutiva das instituições. A casa das tradições afroindígenas – Ylê Oca, provocou à Defensoria Pública da União e ao Ministério Público de Pernambuco a encetar diligências para mediar o referido conflito de interesse territorial, a fim de minimizar tensões entre índios e não-índios na região e apurando eventuais responsabilidades penais no que tange as denúncias de ameaça e intolerância religiosa veiculadas pelos indígenas, a fim de evitar o agravamento do conflito e ocorrência de mais violações de direitos.