Tarde dessas nadava eu no porto Encantado, assim nomeado por Maria, a companheira de trabalho e fé em local diário, entre o vespertino e o noturno, em apaziguamento banhávamo-nos. Equilibrar a temperatura do corpo nas águas frescas de ribeirão é conhecimento salutar, pois assim com os indígenas evidencia-se o hábito sem incongruências: banhar-se é bom.
Sem temer arraia ou sucuri, com os pés suspensos em pequeno afluente do Rio Xingu, em terras dos Ikpeng, algo enroscou-se entre meus pés. Puxei-o à tona e entre os dedos uma embalagem de sabonete vertia o título: la Fruta. Me surpreendi, pois, em vago momento surrealista pensei que seria alguma publicidade aos tucunarés, que agora em época de cheias, passeiam entre a mata alagada, ou aos jacarés que adoram os tucunarés.
Já não se fazem rios como antigamente, por mais puro que seja. Só os leitos e sua terceira margem sabem o que corre por baixo das águas, nossos resíduos. Mas algo é certo: as águas mudam suas cores por todos os lados, lentamente.


Na idade da terra algo anuncia-se entre águas e a terra, que esquenta: o presente é nosso tempo, o futuro a outros trará seu pertencimento. Vimos às águas banhar-se, na curva desse tempo onde a esperança dança e se equilibra, é necessário sujeitar-se aos riscos.
A água é aos Ikpeng, bem fundamental, transporte e um supermercado a céu aberto. Os índios daqui há muito deslocaram-se do Rio Jatobá, que em grande parte teve sua nascente excluída da área demarcada do PIX. Foram deslocados para o Xingu no início da década de 60 após desastroso contato , quando quase desapareceram entre doenças trazidas pelos garimpeiros. Hoje fortalecidos, reivindicam e retomam em epopéia de vivas lembranças do território original à beira da devastação, no Vale do Jatobá, cujo processo está em estudo na Funai. Retomar uma terra tem uma dor libertadora exposta na vontade, luz firme nos olhos dos anciões, que brilha como caramujo esculpido em forma de peixe no brinco dos velhos.
Há imagens do contato com os Txicão, autodenominados Ikpeng, os marimbondos bravos. O conselho com caciques e velhas senhoras é momento reconfortante entre tempos difíceis.
Navegar é preciso, Banhar-se também.
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