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Agroecologia

(Des)caminhos da cadeia industrial da carne

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por Diana Aguiar (1)

A deflagração da Operação Carne Fraca da Polícia Federal suscitou preocupações em relação à qualidade da carne comercializada cotidianamente no Brasil e exportada a partir daqui, resultando inclusive na suspensão da importação de carne brasileira por diversos países. Em pouco tempo, as redes sociais tornaram-se palco de um debate acalorado, que infelizmente, da mesma forma que a cobertura da mídia, passou ao largo das questões de fundo que envolvem a cadeia industrial da carne e as estratégias de enfrentamento que há muito vêm sendo construídas por organizações, movimentos sociais e sindicais do campo no Brasil e através de suas articulações nacionais, regionais e internacionais.

Para termos um panorama destas questões de fundo, façamos o percurso ao longo dos caminhos da cadeia de produção da carne, imaginando-a como uma corrente que passa por diversos elos até chegar à prateleira dos supermercados. Já na parte inicial da cadeia produtiva, os monocultivos de soja e milho transgênicos – cujo principal destino é a produção de ração animal – despejam venenos que contaminam solos, rios e lençóis freáticos e promovem a erosão da diversidade das sementes e das culturas agrícolas e alimentares.

No elo seguinte deste caminho, a criação de gado, encontramos uma atividade campeã em trabalho análogo à escravidão no país (2). Ainda neste elo, vemos que entre terras degradadas e atualmente utilizadas no Brasil para pastagem, a pecuária já ocupa 25% do território nacional e continua pressionando por expansão (3). Essa expansão acontece em grande medida por meio da grilagem de terras públicas e de ocupação tradicional, causando conflitos intensos com camponeses e camponesas, indígenas e outras comunidades tradicionais. Ainda em razão da contínua expansão, a pecuária é o principal vetor do desmatamento no país, promovendo o etnocídio de povos que construíram e constituem a diversidade biológica e cultural de territórios no Cerrado e na Amazônia, os dois biomas mais ameaçados pela expansão da carne. O caso do Cerrado é tão dramático que o próprio futuro do bioma está sob ameaça imediata (4). Mas, apesar disso, as tecnologias desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para a expansão da cadeia industrial da carne, e que foram implementadas ali ao longo das últimas décadas, servem como justificativa para que o Cerrado seja modelo para o avanço do agronegócio no norte de Moçambique (5) e em outros países.

A parte seguinte da cadeia produtiva é o abate de animais, um setor que conta com inúmeras denúncias de condições indignas de trabalho nos frigoríficos. A Operação Carne Fraca teve como alvo direto este elo e somente uma parte específica dos problemas relacionados a este: as brechas e corrupção na fiscalização da qualidade da carne comercializada a partir dos frigoríficos. É compreensível que a qualidade da carne seja a primeira preocupação da perspectiva do consumo, mas em um cenário tão complexo: como ignorar que a carne que comemos, vendida empacotada e com a aparência de total higienização, percorre um caminho tão tortuoso até chegar ali, deixando um rastro de devastação ambiental e social?

foto Vermelho/reprod.

Poucos campeões, muitos perdedores

A cadeia produtiva da carne é ligada a algumas das mesmas oligarquias herdeiras do coronelismo no Brasil, compondo hoje a coalizão mais poderosa e reacionária do Congresso Nacional: a bancada ruralista. As continuidades históricas na governança agrária no país são trágicas, sobretudo por conta da eterna promessa não realizada da reforma agrária, que propicia a permanência de grandes latifúndios concentrados nas mãos de poucos.

Como um espelho corporativo desta concentração de poder econômico, a cadeia industrial da carne em todo o mundo tem alguns de seus elos controlados por um pequeno conjunto de empresas transnacionais. Os insumos agrícolas para o monocultivo, como as sementes transgênicas e os agrotóxicos, são controlados por um pequeno conjunto de corporações. Este setor deve ficar ainda mais concentrado em razão de diversos processos de fusão em curso (Bayer com Monsanto, Dow com DuPont e ChemChina com Syngenta). Já a exportação da soja e do milho transgênicos para consumo animal, entre países onde se localizam os monocultivos e outros países produtores de carne, tem participação majoritária de gigantes corporativas como Bunge, Cargill, ADM e Louis Dreyfus Commodities.

A política dos “Campeões Nacionais” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) propiciou que um conjunto de empresas cujo capital tem origem no Brasil entrasse nesse time seleto e passasse a figurar entre as gigantes do setor de frigoríficos. Entre 2007 e 2013, período em que vigorou a política, o BNDES injetou R$ 18 bilhões em apenas cinco empresas (dentre elas os frigoríficos JBS e Marfrig). A JBS (que controla marcas como Friboi e Seara) recebeu o maior volume: R$ 10 bilhões. Além disso, entre 2005 e 2014, os frigoríficos JBS, Marfrig, Independência e Bertin receberam R$ 11 bilhões em participação acionária do banco via BNDESPar. O banco também estruturou o processo de fusão da Sadia com a Perdigão, resultando na criação da Brasil Foods. A política de campeões nacionais foi instrumental para que estas empresas adquirissem o poder de que hoje gozam: a JBS, atualmente a maior produtora e exportadora de carnes do mundo, não estava nem entre as 400 maiores empresas em operação no Brasil em 2002.

Para se ter uma ideia da concentração de mercado resultante deste processo, em 2007, onze grandes exportadores representavam 70% das exportações do país, enquanto em 2015, apenas três empresas (JBS, Marfrig e Minerva) realizaram 80% das exportações.  Certamente tanta concentração de poder econômico aumenta a ascendência destas empresas sobre o sistema político, erodindo ainda mais os sentidos já tão degradados da democracia. Não surpreende que a JBS esteja entre as maiores doadoras de campanhas políticas no Brasil.

Nesse sentido, ainda que existam prováveis motivações políticas por trás da investigação da Polícia Federal, são questionáveis os argumentos em torno de um complô imperialista por trás da Operação Carne Fraca. Este tipo de argumento parte da mesma premissa que justificou a política de “Campeões Nacionais”: a de que a economia nacional é mais forte se empresas cujo capital tem origem no Brasil se inserem de forma competitiva no mercado internacional. É uma premissa falida ao menos em três aspectos. Por um lado, ela entende que o coração de um suposto “interesse nacional soberano” é o crescimento econômico e que as exportações são um fim em si mesmo, e não um meio para a justiça social. Pior, ela entende que existe algo que se possa chamar “interesse nacional”, apagando toda a diversidade e assimetrias sociais contidas no território brasileiro e a dura realidade de que há sempre os poucos que ganham e os muitos que perdem com o incentivo a uma cadeia produtiva concentrada e devastadora como é a da carne.

Em terceiro lugar, essa premissa escolhe ignorar que as empresas transnacionais não têm fidelidade nacional. Elas migrarão suas operações produtivas e financeiras de acordo com as perspectivas de ganho. Por exemplo, a dificuldade do Brasil em cumprir os requisitos sanitários para exportar a muitos países levou a JBS a uma estratégia de comprar frigoríficos nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Alemanha, Argentina, Uruguai, Paraguai, Itália, África do Sul e China. Em 2016, 90% dos rendimentos da empresa já eram gerados fora do Brasil e, já em 2011, 60% de seus funcionários também se localizavam fora daqui. No primeiro semestre de 2016, a JBS anunciou a intenção de mover sua sede para Irlanda, um paraíso fiscal. O BNDES, importante acionista da empresa via BNDESPar, vetou a mudança, mas não há garantias que uma correlação de forças diferente no banco público no futuro não permita a concretização deste intento.

foto AN Paraná

Cadeia produtiva globalizada

A JBS e a BRFoods são empresas com cadeia de produção globalizada e foram alçadas a tal patamar com injeção vultosa de recursos públicos. Advém daí a pergunta de ouro: se este setor é tão competitivo, por que precisa ser continuamente incentivado? E mais importante: se esta mesma soma de recursos públicos tivesse, diferentemente, sido direcionada para a agricultura familiar, incentivando a produção agroecológica e os mercados institucionais, imaginemos a revolução produtiva e social que teríamos em curso. Ao contrário deste cenário, a situação da agricultura familiar e camponesa em um contexto de contínuos incentivos públicos ao agronegócio é de crescente confinamento.

Por outro lado, o distanciamento das populações urbanas com a realidade da produção daquilo que consomem só dificulta a pensar para além do imediato. Há uma tendência crescente de preocupação com a saúde na alimentação nos centros urbanos, mas é fundamental enfatizar que mudanças através do consumo têm limites. A maioria das pessoas come o que pode. Dentre as poucas pessoas que podem escolher quais alimentos consumir, menos ainda fazem essas escolhas por motivações sociais ou ambientais. E mesmo quando esse é o caso: quem consegue ter total controle sobre as cadeias produtivas daquilo que come?

Diante dessa situação, uma primeira ação pode ser a de nos somarmos a iniciativas que aprofundem o tema e não diluam falsamente a complexidade do desafio que temos diante de nós. Há diversas articulações construídas coletivamente no Brasil, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e a Campanha em Defesa do Cerrado, que dialogam diretamente com a ideia-chave “Comida de verdade no campo e na cidade”. Um pressuposto básico é de que devemos reivindicar reformas estruturais, como a reforma agrária, e programas e políticas públicas de potencial emancipatório para a agricultura familiar. Entender o tamanho do problema envolvido na cadeia industrial da carne deve ser motor de mobilização coletiva e convergência entre as bandeiras de luta no campo e na cidade.

[1] Integra o Grupo Nacional de Assessoria (GNA) da FASE.

[2] André Campos (Repórter Brasil). Relações de trabalho e a saúde do trabalhador. Em: Cadeia Industrial da Carne

[3] Sérgio Schlesinger (FASE). Poucos campeões, muitos perdedores:concentração e internacionalização da indústria brasileira de carnes.

[4] A transposição e a morte do rio São Francisco (Instituto Humanitas Unisinos).

[5] A cooperação sul-sul dos povos do Brasil e de Moçambique (FASE).

[6] Sergio Schlesinger. A cadeia produtiva de carnes no Brasil. Em: Cadeia Industrial da Carne.

Texto publicado originalmente no site da FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

Agricultura Familiar

Mirna Wabi-Sabi: Precisamos reavaliar o que significa passar fome hoje em dia

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Isto é Brasil: Temos abacates do tamanho de bolas de futebol americano e conhecimento tradicional e milenar sobre relacionamentos sustentáveis com a terra e com o corpo

A decisão de demitir Mandetta por conta de medidas de distanciamento social é preocupante, mas não surpreendente. De acordo com o presidente, deixar a população trabalhar significa cuidar de seu bem-estar, algo que um Ministro da Saúde centrista não é bem equipado para supervisionar. O ex-bancário Rodrigo Maia, uma pessoa em teoria mais preparada para lidar com questões econômicas, fala de redistribuição de riqueza, enquanto Bolsonaro o ataca por não ter um coração verde e amarelo. Uma resposta mais “patriota” a essa pandemia seria acabar com o distanciamento e reduzir impostos para empresas que contratarem jovens (de 18 a 29 anos) e pessoas com mais de 55 anos. Em outras palavras, botar as pessoas para trabalhar.

Comparar o Brasil com os Estados Unidos é inevitável. Bolsonaro disse que não temos o luxo de não voltar ao trabalho, porque não somos tão ricos quanto os EUA e não podemos deixar que nossa dívida aumente mais um bilhão de reais. Maia, por outro lado, disse que o que não podemos permitir é que os erros dos EUA se repitam aqui, e que os índices de morte cheguem a tal nível.

Se há uma coisa que essa pandemia nos ensinou, é apreciar os dois aspectos mais essenciais da vida: comida e abrigo. Trabalho não é sinônimo disso, já que muitas pessoas trabalham e ainda não tem acesso a essas necessidades básicas. Os países ‘em desenvolvimento,’ que ‘ainda não chegaram a um ponto’ em que comida e abrigo sejam acessíveis a todos e todas, estão se preparando para quando a pandemia os atingir em cheio.

Talvez seja o nosso ‘subdesenvolvimento’ que nos prepara para lidar com uma crise sem acesso a recursos adequados ou apoio do governo, encontrando maneiras criativas de sobreviver nas paisagens mais áridas. Talvez desenvolvemos a capacidade de fazer gambiarra inevitavelmente, como soluções improvisadas de distribuição de alimentos a pessoas em situação de rua, ampliamos nossa rede e redirecionamos nossos recursos.

Mas há um aspecto da distribuição de alimentos que sempre foi inflexível e difícil de resolver — o que as pessoas querem comer?

De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014, pelo Ministério da Saúde, a deficiência nutricional deve ser tratada ao lado de doenças causadas pelo excesso de sódio e gorduras animais. Em outras palavras, a desnutrição causada pela pobreza não pode ser mitigada com uma dieta desequilibrada que gira em torno de carnes e alimentos ultra-processados. Eles podem causar um novo conjunto de problemas, como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e até câncer. Portanto, toda a campanha que visa ‘alimentar o mundo’ precisa reavaliar o que significa passar fome hoje em dia, agora que comida se tornou acessível, mas mata.

Um dos pratos mais emblemáticos do Brasil é a feijoada. Vem dos tempos coloniais, quando os colonos comiam as partes mais ‘valiosas’ do animal, enquanto pessoas escravizadas recebiam os restos, pés e orelhas. Era uma época em que os escravagistas não queriam que as pessoas consideradas ‘propriedade’ morressem.

Hoje, a feijoada é para todas as pessoas, mas os pobres ainda estão recebendo as sobras dos ricos. O cachorro-quente, por exemplo, servido em molho de tomate salgado e processado é muito popular. São as sobras das indústrias de suínos, vacas e galinhas misturadas com conservantes, antibióticos e corantes, depois pasteurizadas, embaladas e distribuídas para as famílias de menor renda. Nesses agregados familiares, a ascensão social está geralmente e inconscientemente ainda ligada ao modelo colonial de distribuição de recursos, onde provar um pouco da ‘vida boa’ significa comer a ‘carne boa’. Isso significa que as ‘partes boas’ do animal geralmente são enviadas para o exterior, enquanto os restos são oferecidos a nós disfarçados de O Sonho Americano, uma imagem dos filmes de Hollywood, com um nome que nem podemos pronunciar adequadamente sem inventar vogais: ‘hotchi- dogui’.

Houve outra mudança nos últimos séculos: pessoas über ricas não querem mais que pobres sobrevivam.

Tornou-se aceitável permitir que pessoas pobres morram de diabetes, tuberculose, doenças cardíacas, overdose, covid-19 e assim por diante. Não há vídeos de partir o coração de pessoas violentamente magras que, com sua ajuda, serão poupadas da tortura da fome. Existem ‘pessoas pobres e gordas’ que estão doentes ou abusam de drogas devido a suas próprias ‘más escolhas’ e, silenciosamente, morrem aos milhões, sem causar o menor desconforto ao resto do mundo.

Agora que as academias estão fechadas, qual é o sentido de tirar selfies para colocar no aplicativo se não podemos sair de casa? Quem somos nós quando não estamos constantemente no corre, tentando sobreviver? 2020 está transbordando de angústia existencial, compreensivelmente, já que muito mais pessoas do que o normal estão sentindo a fome e a perda de moradia (e morte) se aproximando delas.

Podemos apostar nas iniciativas de apoio mútuo, organizar nossa comunidade, redistribuir recursos e alimentar pessoas em necessidade. Se elas pedem hotchi-doguis, é só responder com um emoji triste e cansado.

Mudar ideias profundamente arraigadas sobre o papel que a desigualdade desempenha em nossas vidas é muito mais difícil do que acessar recursos básicos. Temos os meios para produzir muitos alimentos saudáveis e diversos de forma eficaz, o que não conseguimos fazer é controlar o crescimento da monocultura, que é ineficaz, direcionada ao processamento pesado e à ração. Os alimentos ultra-processados são feitos para serem baratos e durar uma quantidade desconcertante de tempo, e sabemos há anos como são nocivos. Por que tantas pessoas ainda preferem esses alimentos quando recebem uma alternativa pelo mesmo preço?

A resposta instintiva é afirmar que os aditivos que melhoram o sabor e preservam os alimentos são viciantes, e há algumas evidências disso. Mas eu gostaria de focar no lado social das péssimas dietas, porque também há pesquisas para mostrar que “exclusão e marginalização social progressiva” é uma “característica comum do vício humano” (“Time to Connect: trazendo o contexto social para a neurociência do vício”, por Heilig, Epstein e Shaham). Se os aditivos colocados em alimentos baratos são viciantes, a marginalização torna uma pessoa pobre mais suscetível a esse vício do que a falta de acesso financeiro a alimentos mais saudáveis.

Alimentos ultra-processados afetam nossa cultura, tornando os alimentos frescos desinteressantes, especialmente para os jovens. Na página 45 do Guia Alimentar, esse impacto é descrito como:

“A promoção do desejo de consumir mais e mais para que as pessoas tenham a sensação de pertencer a uma cultura moderna e superior.”

Essa é a consequência da ideologia do consumismo, um modo de vida dos Estados Unidos que se infiltra em nossa psique tanto quanto se infiltra em nossos corpos. Ingerimos novos aditivos da mesma maneira que regurgitamos novos sons. Os Big Macs, por exemplo, são tão problemáticos para comer quanto para pronunciar; essas consoantes abertas inevitavelmente se transformam em ‘Bigui Méki,’ à medida que o ritual da refeição se transforma em porções rápidas e individuais para serem consumidas ‘on the go.’ Não há mais necessidade de ter cozinha, a habilidade de cozinhar, acompanhantes ou tempo. Existe apenas uma solução rápida e individualista por um preço baixo.

Tentar mostrar que os alimentos processados estrangeiros não são tão bons quanto os produtos locais é mais difícil do que apenas oferecer esses produtos locais aos pobres. Em escala nacional, nossa produção agrícola é em grande parte direcionada para a manutenção dos hábitos alimentares tradicionais do hemisfério norte (e incorporá-los como nossos), como se pudéssemos ‘comer’ dinheiro estrangeiro. O que não considera que nossa terra é propícia para a produção de alimentos muito mais interessantes do que o que os países europeus minúsculos e frios têm sido historicamente capazes de produzir, e estão atualmente interessados em comprar. Não precisamos viver de linguiça e pão branco como um açougueiro Alemão do século 18.

Este é o Brasil, temos frutas que a maioria das pessoas do hemisfério norte nem sabe que existem. Temos pelo menos meia dúzia de tipos de bananas amplamente acessíveis, abacates do tamanho de bolas de futebol americano, e conhecimento tradicional e milenar sobre relacionamentos sustentáveis com a terra e com o corpo. Pelo menos neste país, alegar que alimentos ultra-processados são mais baratos do que produtos frescos locais não tem base na realidade — ainda. A única maneira disso se tornar realidade é com o marketing mais agressivo dessas empresas, o que aumentará a demanda por esses produtos, tornando outros produtos menos disponíveis.

Uma das principais sugestões do Guia Alimentar é: não veja o marketing como fonte educacional. A “função da publicidade é essencialmente aumentar a venda de produtos, não informar ou, menos ainda, educar as pessoas” (página 120). As vendas de alimentos aparentemente acessíveis são vistas como um sinal de Desenvolvimento, como progresso para o país e para comunidades marginalizadas. Este ‘desenvolvimento’ não tem em mente o melhor interesse da população, tem em mente os lucros do mercado de ações.

A cultura tóxica que somos forçados a engolir é o mais difícil de enfrentar nas iniciativas de apoio mútuo. Mais difícil do que arrecadar dinheiro, distribuir recursos, aprender uma nova habilidade, arregaçar as mangas e sujar as mãos. É aquela coisa escondida nos cantos escuros da psique, esse padrão de comportamento que anos de terapia podem nunca alcançar. Ele sussurra: “Eu não quero que as coisas mudem tanto assim” e dá espaço para a publicidade continuar a nos mudar e a destruir os nossos corpos.

____ NOTAS

Este artigo em Inglês: abeautifulresistance.org/site/2020/4/6/thesystemicchangesneeded

Guia Alimentar 2014: http://www4.planalto.gov.br/consea/publicacoes/alimentacao-adequada-e-saudavel/guia-alimentar-para-a-populacao-brasileira-2014

 

Mirna Wabi-Sabi é

Militante descolonial, anarquista, e feminista interseccional. Editora de Gods and Radicals (abeautifulresistance.org), teórica política e professora.

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Agricultura Familiar

Decreto ameaça educação no campo

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A resolução do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH recomenda que seja revogado o Decreto nº 10.252 de 20 de fevereiro de 2020 que muda significativamente a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e que como consequência extinguiu o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), o programa Terra Sol e outros programas que davam incentivos aos assentados, quilombolas e comunidades extrativistas.

Leiam abaixo a Resolução

 

https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-social/conselho-nacional-de-direitos-humanos-cndh/Resoluon8Pronera.pdf

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Agroecologia

Os Guarani convocam povo de SP para proteger Terra Indígena Jaraguá

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Empreiteira que ameaça vida dos Guarani do Jaraguá tem como slogan de venda: Tenda, Construindo Felicidade. Para quem, cara pálida?

“O povo indígena está com os negros, está com os pobres, está com os favelados, está com o rappers. Nós precisamos mudar nosso país, estamos à beira do colapso final. Nós Guarani estamos alertando isso há muito tempo”

 

Sônia apresenta a luta Guarani para diverso coletivos da cidade de São Paulo

Sônia apresenta a luta Guarani para diversos coletivos de São Paulo

Assim Sônia Barbosa (Ara Mirim), liderança Guarani, saudou coletivos de Rap, Saraus periféricos, coletivos LGBTQI+, movimentos de catadores de recicláveis, representantes do MTST, professoras de escolas públicas e tantas outras pessoas que se juntaram na ocupação Yari Ty na última quinta feira, 27/02. Os coletivos foram convocados pelos Guarani do pico do Jaraguá para colaborarem na luta contra um condomínio da Construtora Tenda a ser construído em território sagrado Guarani num terreno vizinho à Terra Indígena Jaraguá. Os participantes ouviram as lideranças Guarani e propuseram ações que dessem visibilidade à resistência Guarani na Ocupação Yari Ty.

A Construtora Tenda pretende construir 5 torres totalizando 396 apartamentos num terreno sagrado para os cerca de 800 Guarani que vivem ao redor do empreendimento em 6 aldeias da Terra Indígena Jaraguá. Surpreendidos pelo início inesperado das obras na última semana de janeiro os Guarani iniciaram a ocupação assim que  as primeiras árvores foram cortadas. Eles denunciam que o condomínio ameaça aproximadamente 4.000 árvores, além de cursos d’água, nascentes e animais que habitam a região. Como protesto a esse cenário de destruição estão construindo a Ocupação Yari Ty, um lugar de vida focado na preservação do meio ambiente. Os Guarani exigem que o terreno seja destinado à  construção de um parque e memorial Guarani aberto e formando um corredor verde para a cidade.  Nesse espaço aberto, eles poderão praticar e demonstrar suas práticas sustentáveis, como a criação de abelhas nativas, o desenvolvimento de uma agrofloresta, além da realização de formações em práticas agrícolas sustentáveis.

Canteiro de obras da Tenda já derrubou espécies nativas e ameaça a TI Jaraguá.

Canteiro de obras da  Construtora Tenda já derrubou espécies nativas e ameaça a TI Jaraguá

Ao invés de cimento e concreto, os Guarani agem para a construção de um espaço com floresta, alimento e cursos de água limpa que sirva como um corredor verde para a cidade. Eles mesmo já iniciaram o processo e nesse quase um mês de ocupação já foram plantadas 800 mudas de espécies nativas e uma horta de plantas medicinais. Além disso, um lago para a criação de peixes está sendo construído a partir de um trecho do Ribeirão das Lavras.

Lago sendo construído em área ameaçada pela construtora Tenda

Lago sendo construído em área ameaçada pela Construtora Tenda

Vale lembrar que o Jaraguá possui inúmeras nascentes de ribeirões que correm diretamente para o Rio Tietê. Se forem construídas, as torres da Construtora Tenda vão impermeabilizar toda uma grande área, fazendo com que a água que não for absorvida vá direto para o Rio Tietê, gerando alagamentos em toda cidade de São Paulo. O empreendimento tende a piorar a situação trágica que já presenciamos com os     alagamentos de janeiro deste ano. Assim, a construção deste  corredor verde com manejo adequado das águas é vital para toda a cidade.

No aspecto jurídico os advogados atentam para a ilegalidade da obra, por se tratar de empreendimento a menos de 8 quilômetros de distância de uma Terra Indígena, o que torna obrigatória a consulta prévia aos Guarani como pré-condição para o licenciamento das obras, como garante a Portaria Interministerial 60, de 2015. Além disso a consulta prévia aos povos é assegurada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e a área também é protegida como parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), desde 1994. Trata-se de um dos últimos pontos de Mata Atlântica da região.

A prefeitura tem sido evasiva diante da situação e mantém a autorização para a obra. A Construtora Tenda alega estar com todas as licenças ambientais. A Justiça de São Paulo autorizou a reintegração de posse e a PM afirma que esta deverá ser realizada até o dia 10 de março. Diante dessa situação David Karai Popygua, liderança Guarani, promete resistir de todas as maneiras.

“Não se negocia a destruição. Se existe lei juruá (não-indígena) que coloca PM aqui, existe lei Guarani que diz que a gente vai ficar aqui até o último Guarani”

É com o apoio de todas e todos habitantes da cidade que os Guarani pretendem barrar a reintegração de posse e garantir a criação do Parque Ecológico YARY TY (CEYTY) e Memorial da Cultura Guarani. Com a reintegração de posse agendada para 10 de março, essa semana é decisiva para a ocupação que construiu uma extensa programação para marcar a resistência com aulas de guarani, mutirões, oficinas e tantas outras atividades socioambientais. É uma ótima oportunidade para quem está interessado em conhecer a ocupação e colaborar com os Guarani. A ocupação é de fácil acesso de transporte público, está a 10 minutos de caminhada da estação Vila Clarice da CPTM e a apenas 5 estações do terminal Barra Funda pela linha 7-Rubi. Vale também assinar o abaixo assinado para a criação do Parque Ecológico (http://bit.ly/37YwRwb).

Além disso, todas as ações da ocupação estão sendo divulgadas nas páginas “Existe Guarani em Sp” (www.facebook.com/existeguaraniemsp/), “Tenonderã Ayru” (https://www.facebook.com/tenonderaayvu)  e da @lutaparquejaragua do Instagram (www.instagram.com/lutaparquejaragua).

 

#JaraguáéGuarani.

Programação ocupação/centro ecológico YARY TY

segue até 11 de março

Endereço: Rua Comendador José de Matos, 139 – Vila Clarice

estação Vila Clarice da CPTM (linha 7- rubi)

Página do Evento: https://tinyurl.com/yx4465oz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leia mais sobre a luta Guarani em

 

Entenda a luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP

 

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