Texto: Isabela Santos e Rafael Duarte, da Agência Saiba Mais Fotos: Arquivo pessoal /Fátima Bezerra
Nova Palmeira ainda era um povoado paraibano, na segunda metade dos anos 1950, quando por muito pouco não foi cenário de uma tragédia. A tarde seguia sem pressa até o instante em que um caminhão baú em alta velocidade atravessou o sertão e passou por cima de uma das filhas do artesão Severino e da parteira Luzia.
De sobressalto e em estado de choque, a família correu em desespero imaginando o pior, ao mesmo tempo em que o motorista sumia na caatinga sem rumo e sem prestar socorro.
Deitada, sem se mexer, a pequena Fátima abriu os olhos devagar quando viu os irmãos, os pais e amigos aglomerados ao redor dela. O corpo da menina tinha ficado posicionado entre as rodas do caminhão. A “neguinha” de seo Severo, como o pai chamava a filha, saiu ilesa.
“Foi milagre!”, gritou a mãe, parteira do povoado e devota de Santa Luzia.
Seis décadas depois, a filha de Severino e Luzia, dada como morta por poucos e intermináveis segundos naquela tarde dos anos 1950, é motivo de festa mais uma vez em Nova Palmeira, embora o destino a tenha levado para o vizinho Rio Grande do Norte, onde construiu uma trajetória que começou na sala de aula, passou pelo movimento sindical, chegou ao legislativo estadual, seguiu pela Câmara dos Deputados e Senado até desembarcar no cargo político mais importante do Estado.
Nesta terça-feira (1º), Fátima Bezerra consolida esse percurso. Será empossada como a única mulher eleita em 2018 para administrar um estado no país pelos próximos quatro anos. E com um adendo, como costuma enfatizar desde a campanha eleitoral: será a primeira governadora de origem popular no Rio Grande do Norte, estado que já contou com outras duas mulheres na chefia do Executivo (Wilma de Faria e Rosalba Ciarlini), mas ambas ligadas à famílias tradicionais e oligarquias locais que se revezavam no poder até as eleições deste ano.
Fátima em Nova Palmeira, numa das viagens de volta ao passado
Em 63 anos, mudou muita coisa no país, na região Nordeste, no Rio Grande do Norte e na vida da governadora eleita pelos potiguares. Os seis filhos de Severino Bezerra de Medeiros e Luzia Mercês do Amaral – Preta, Sebastião, Bêu (já falecido), Conceição, Fátima e Terezinha – dormiam nos colchões de palha e lã feitos pelo pai, inicialmente dentro da própria casa da família. Depois, em um galpão vizinho. Luzia muitas vezes se ausentava por horas ou virava a noite para ajudar outras mulheres a serem mães também.
Apesar da vida partidária de Fátima, a política não chega a ser uma novidade para a família Bezerra. Preta, a irmã mais velha, foi vice-prefeita e vereadora de Nova Palmeira. E a própria mãe, dona Luzia, tinha o respeito dos políticos da região em razão do carinho popular conquistado pelos partos gratuitos que realizava nas redondezas.
Quando Fátima confrontou Carlos Eduardo Alves (PDT) num dos debates do 2º turno, afirmando que ele não sabia o que era uma seca de verdade, a senadora e então candidata ao Governo olhava para o próprio passado e voltava para um cenário conhecido, marcado pelos efeitos que a estiagem deixava no chão de Nova Palmeira.
A irmã Conceição conta que quando eram criança, ainda na Paraíba, a região sofria com uma longa seca:
“Às vezes nossa mãe chegava nas casas e não tinha nem açúcar pra fazer uma garapa pra dar força nas mulheres. Ela levava a comida, um pedacinho de carne pra fazer pirão e só voltava pra casa quando a mulher descansava”, relata.
Ceição, como é chamada, vê algo da matriarca na irmã mais famosa. “Fátima hoje é essa mulher que – eu digo muito a ela – faz o que minha mãe fazia, só que de outra forma, com outra roupagem. A vida dela é trabalhar pelo povo”, diz com orgulho da mãe e da irmã.
O reconhecimento pelo trabalho da mãe é público. No ano seguinte à morte de Luzia, em 1998, a creche municipal de Nova Palmeira recebeu o nome de Luzia Mercês do Amaral.
Dona Luzia, parteira de Nova Palmeira e hoje nome de creche na cidade, participou da eleição de Fátima em 1996 para a prefeitura de Natal
A neguinha de seo Severo
Se a governadora potiguar guarda semelhanças de personalidade com a mãe, o carinho que recebia do pai também marcou a família. Severino, também conhecido como Severo, era artesão e tropeiro, vendedor que transportava os produtos montado em burros ou cavalos pelo interior do Nordeste. O pai de Fátima também era um exímio contador de histórias, mas até hoje as filhas não sabem se ele conseguia ganhar algum dinheiro com o dom.
Caçula da família, Terezinha Bezerra lembra do carinho de Severo com Fátima e lamenta o fato do patriarca não ter conseguido acompanhar a trajetória política da filha:
– “Meu pai morreu em 1981, infelizmente não viu Fátima vencer. Ele só a chamava de “Neguinha”. Era a “Neguinha” de seo Severo. Ele dizia: “essa neguinha ainda vai fazer muito sucesso, essa neguinha ainda vai trazer muito dinheiro pra mim”. Fátima se destacava desde pequena, era quem fazia as coisas”, diz Tetê.
Além da empatia, Fátima herdou também responsabilidade. A qualidade é reconhecida pelos eleitores que a fizeram a governadora mais votada da história do Rio Grande do Norte, com mais de um milhão de votos. No início da adolescência, o traço era visto no cuidado com os irmãos, mesmo pelos mais velhos:
“Eu sou mais velha, mas só ia pra festa se ela fosse, porque Fátima ficava policiando a gente. Sempre foi muito responsável. Na casa, cada uma tinha alguma atividade. Não precisava minha mãe mandar, ela sempre deixava tudo pronto”, lembra Conceição.
Fátima ao lado as irmãs em Nova Palmeira, em visita da poetiza Zila Mamede
As tarefas de casa foram substituídas pelas da escola, quando retomou os estudos da segunda etapa do Ensino Fundamental, no Instituto Padre Miguelinho, em Natal. Fátima havia parado de estudar por falta de escola em sua cidade. A mais próxima era em Picuí, onde Conceição morou na Casa do Estudante.
“Não é que meus pais não dessem valor a estudo, mas não tinham dinheiro pra colocar todos os filhos na escola de uma vez. Quando chegava no final de semana eu levava os livros e ela ficava devorando”, contou a irmã, revelando que Fátima sempre teve apreço pela Educação, mais tarde sua bandeira de militância e de vida.
Em sala de aula, a professora Fátima ia além do conteúdo didático
Fátima passou em 1º lugar no concurso para a rede municipal de ensino
Como em Nova Palmeira só tinha o primário, Fátima seguiu para Picuí, onde ainda estudou e morou durante um ano. Quando soube que uma tia paterna morava em Natal (RN), arrumou as malas e chegou na capital do Rio Grande do Norte na segunda metade dos anos 1970 para terminar os estudos. A irmã de Severo morava na rua Galdino Lima, bairro das Quintas, Zona Oeste, e foi o primeiro endereço da menina de Nova Palmeira em Natal.
Os estudos levaram Fátima a se tornar pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). No primeiro concurso para a rede municipal, Fátima foi aprovada em 1º lugar e ainda passou no concurso da rede estadual.
Hoje motorista e líder comunitário, Fernando Luiz da Costa foi um dos alunos de Fátima na Escola Estadual Presidente Café Filho, em 1980. Ele presidente do Conselho Comunitário de Brasília Teimosa e da Federação dos Conselhos Comunitários do RN – FECAP-RN, está se desfiliando do PSD (partido do governador Robinson Faria) para ingressar no PTB.
Costa lembra de ter aprendido nas aulas de Ciências Sociais mais que conteúdo didático.
“Ela sempre ensinou a gente a fazer o bem e ajudar o próximo. Aprendi muita coisa com ela”, conta, lembrando que às vezes acompanhava em grupos a professora até a parada de ônibus.
“Na época, acho que ela nem sonhava com política. Era muito humilde e as mães dos alunos gostavam muito dela. Estou muito feliz em ver uma professora que me ensinou ser agora governadora, vinda das bases”, completa Fernando, confiante de que o governo que se inicia neste 1º de janeiro será regido por esse sentimento comunitário, com ênfase na Educação.
Fernando se engana em um ponto. Naquela época, a política já pulsava na jovem professora. Como professora da escola estadual Café Filho, Fátima foi apresentada a um novo mundo: o do sindicalismo e ao do recém-fundado Partido dos Trabalhadores.
Estreia no parlamento com vitória por 82 votos de diferença
Quando Fátima entrou para o movimento sindical, a categoria de professores no Rio Grande do Norte era dividida em várias associações. Havia a associação de funcionários, dos estudantes, dos supervisores e orientadores, com bases fortes e distintas em Natal, Mossoró e Caicó. No entanto, parte do movimento começou a defender maior organização, especialmente a partir da Constituição de 1988, que garantia aos trabalhadores o direito de se organizarem novamente em Sindicatos. Assim nasce o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SINTE), em setembro de 1989
Fátima Bezerra, Fernando Mineiro e Júnior Souto participaram desse processo e iniciaram, com uma enorme contribuição dos professores do Estado, suas respectivas carreiras políticas no parlamento. Dos três, Fátima foi a quem alçou voo por último. Quando ela se candidatou a primeira vez, em 1994, Mineiro já era vereador de Natal desde 1988 e Júnior Souto havia sido eleito deputado estadual quatro anos antes, ambos pelo PT.
Souto era o favorito para manter a cadeira na Assembleia Legislativa e conquistar a reeleição em 1994, contando mais uma vez com a base dos professores do já criado Sindicato dos Professores.
Naquele mesmo ano, porém, a presidenta do Sinte era uma pedagoga de Nova Palmeira que também decidiu concorrer a uma cadeira na ALRN, rachando a base dos professores. Fátima Bezerra entrou de cabeça na campanha e na contagem final das urnas acabou recebendo 82 votos a mais que Souto.
Começava ali uma trajetória de vitórias, algumas derrotas e várias conquistas.
O ex-presidente Lula esteve presente em quase todas as campanhas de Fátima
Hoje, 24 anos depois, Júnior Souto ainda lembra o número de votos que lhe faltou para garantir a reeleição, mas acredita que aquela eleição foi importante para que Fátima ocupasse o lugar que ocupa agora:
-As coisas que acontecem na vida e na história são resultado da ação das pessoas. Foi ótimo que tenha sido assim porque o que Fátima conseguiu realizar, talvez o meu perfil não conseguisse produzir com os mesmos efeitos. Fátima tem uma trajetória vitoriosa, realizou mandatos reconhecidamente exitosos e se consolidou como uma liderança nacional. Esse é um momento histórico e, entre nós do Partido, não há ninguém mais qualificado, e com a marca pessoal dela, capaz de extrair as melhores possibilidades desse arranjo político que foi construído.
Uma característica de Fátima apontada por Júnior Souto é perceber o que pode e o que não pode ser marcado pela ideologia, especialmente num momento do país em que a polarização ideológica estimula e provoca a violência.
– Ela tem uma qualidade de “desideologizar” a política. Ao contrário, ela politiza a política, mas não insere a ideologia em todos os atos até porque existem ações que não podem ter influência da ideologia. E Fátima percebe e sabe disso. E independente dos aspectos ideológicos, não há um único político do Estado capaz de reunir as qualidades para produzir um campo de coalizão no sentido de recuperar a economia como Fátima está fazendo.
Experiência no Parlamento como a grande escola
Adepta do diálogo, Fátima também soube se impor no Parlamento, como na votação do impeachment de Dilma Rousseff
Fátima Bezerra venceu todas as eleições que disputou para o parlamento, incluindo dois mandatos deputada estadual (1994 e 1998), três de deputada federal (2002, 2006 e 2010) e um mandato de senadora (2014). Nesse período, a governadora eleita também perdeu quatro eleições para a prefeitura de Natal. AS duas primeiras, em 1996 e 2000, a petista foi derrotada pela ex-prefeita e ex-governadora Wilma de Faria. As duas últimas, 2004 e 2008, saíram vitoriosos das urnas Carlos Eduardo Alves e Micarla de Sousa, respectivamente.
Para Raimundo Alves, assessor e futuro chefe da Casa Civil do governo, Fátima aprendeu fazendo política, com vitórias, derrotas, mas sobretudo, com a experiência no Parlamento.
– O parlamento é a principal escola, é onde está a representação da sociedade. É onde estão os extremos, o centro, as oligarquias, os oportunistas… e isso evidentemente cria uma capacidade de diálogo e de respeito com os contrários. A principal característica da Fátima é o diálogo, é essa convivência com os contrários, com as disputas e também com as alianças.
Ele analisa as quatro derrotas eleitorais para a prefeitura de Natal de forma separada. Cada uma com seu motivo:
– As derrotas se deram em circunstâncias diferentes. Na primeira Fátima era desconhecida, na segunda houve um isolamento, na terceira havia uma questão problemática ali na primeira metade do governo Lula e a quarta foi erro de avaliação em relação ao arco de alianças não aprovado pela população. São momentos diferentes. Mas o aprendizado maior na política Fátima obteve na vida parlamentar, que é de fato a grande escola.
Com Wilma de Faria, rivalidade e respeito recíprocos
Fátima e Wilma: adversárias e aliadas a depender das circunstâncias
Entre os políticos potiguares ninguém rivalizou mais com Fátima Bezerra do que a ex-governadora Wilma de Faria. Se a “guerreira” levou a melhor nas duas disputas majoritárias para a prefeitura de Natal, a petista venceu a última batalha, elegendo-se senadora da República numa das eleições mais acirradas da história do Rio Grande do Norte.
Ex-deputado estadual, Leonardo Arruda acompanhou de perto tanto a trajetória de Wilma como o percurso de Fátima. E pontua que, apesar de adversárias, as duas se respeitavam:
– Se respeitavam e tinham uma admiração muito grande uma pela outra. Eu só acho que houve um equívoco de avaliação em 2014, estava na cara que a chapa que a população queria era Wilma para o governo e Fátima para o Senado.
Arruda lembra que conheceu a Fátima sindicalista e, pouco tempo depois, dividiu o plenário da Assembleia Legislativa com a colega:
– A vida política de Fátima é marcada pelo diálogo, a trajetória dela é de vitória. Uma pessoa que chegou sem estruturas maiores, se fez por ela mesma. Na Assembleia Legislativa, por exemplo, não era do contra por ser do contra. Ela teve uma convivência pacifica com os demais deputadas. Fátima sempre soube ouvir.
Uma parlamentar incansável, avalia Mineiro
Amigo e contemporâneo, Fernando Mineiro destaca a luta incansável de Fátima
Contemporâneo da governadora eleita, Fernando Mineiro acompanha a vida política de Fátima desde a universidade. Os dois também estiveram juntos na direção do Sinte e a partir dali caminharam em paralelo conquistando mandatos, vencendo eleições no parlamento e perdendo disputas para o Executivo municipal.
Ao longo do tempo, especialmente a partir dos ano 1990, Fátima e Mineiro se destacaram de tal forma dos demais parlamentares do PT no Rio Grande do Norte que criou-se uma espécie de rivalidade interna ao ponto da imprensa e de parte da militância mais radical dividir o partido entre o PT de Fátima e o PT de Mineiro, análise que os dois sempre negaram.
Quando Fátima venceu a eleição em 1994 e se tornou a primeira mulher parlamentar do PT no Rio Grande do Norte, Mineiro já era vereador de Natal.
Olhando para trás e analisando a conjuntura atual, Mineiro defende que não há outro político no Estado com as mesmas qualidades que a companheira de partido:
– Fátima chega ao Governo trazendo na bagagem algo que nenhuma outra governante estadual trouxe. Além de sua origem, traz experiências políticas em duas frentes que em muito a ajudarão a enfrentar os imensos desafios: como liderança sindical e como parlamentar atuante.
Em relação à personalidade da governadora eleita, destaca a determinação:
– O que mais se destaca em Fátima é a sua incansável determinação em alcançar aquilo que se propõe, enfrentando todos os obstáculos.
Dedicação vem da personalidade, aponta amigo e assessor
Fátima Bezerra, Gleisi Hoffman e Vanessa Grazziotini ocuparam mesa do Senado para impedir votação da reforma Trabalhista em 2017
Amigo e assessor de confiança há mais de 20 anos, Adriano Gadelha diz que durante os mandatos de deputada estadual, federal e senadora, mesmo nas discussões sobre os mais diversos temas, Fátima sempre deu um jeito de fazer abordagem pelo viés da Educação.
Fátima foi dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte/RN), um dos maiores do Nordeste, onde exerceu vários cargos, inclusive o de Coordenação Geral. Em 1994, se elegeu deputada estadual, sendo reeleita em 1998. No ano de 2002, com 163 mil votos, foi a deputada federal mais votada do Rio Grande do Norte.
Fátima também foi delegada na IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995) e no I e II Fórum Social Mundial (Porto Alegre, 2001 e 2002). Também participou do Encontro Internacional em Solidariedade às Mulheres Cubanas (Havana, 1998).
“O primeiro mandato federal, que começou em 2003, é marcante porque é muito difícil a conquista de um mandato federal. Sempre foi polarizado entre dois grupos, o grupo A elegia 4 e o B mais 4. A eleição dela é um marco porque a gente conseguiu ter um mandato trazido pelo meio popular, de alguém que não participava daqueles grupos tradicionais”, ressalta Adriano Gadelha.
Fátima Bezerra se reelegeu deputada federal em 2006 e em 2010, ano em que recebeu dos potiguares mais de 220 mil votos, novamente a mais votada. A avaliação da atuação nos três mandatos de deputada federal, por parte do povo potiguar, a impulsionaram a disputar o Senado Federal, em 2014. Eleita, tornou-se a primeira senadora de esquerda e de origem popular do Rio Grande do Norte.
Fruto dos movimentos sindicais, a construção coletiva de mandatos de Fátima é um diferencial, aponta Adriano Gadelha.
“Eu acho que essa dedicação tem a ver com a personalidade de Fátima. Ela se dedica 24 horas aos mandatos e a cobrança sobre a assessoria era muito forte, mas ao mesmo tempo conseguia fazer com que cada um de nós nos sentíssemos parlamentares pelas vitórias conquistadas. Cada projeto de lei é uma coisa nova e sonhada no coletivo”, comenta Adriano, ressaltando que tanto nas ações legislativas, quanto nas eleições, propostas e programas são construídos buscando ouvir especialistas, opiniões políticas diversas de filiados ao PT ou não.
“Nos projetos de lei, audiências públicas, na proposição de emendas parlamentares, Fátima é muito incisiva pra que se faça o máximo de consultas possíveis, pra que a ação se torne mais coletiva, por mais que seja dela como deputada ou senadora, sempre foi nessa linha”, conta.
Em sua história política, destaca-se a instituição da região metropolitana de Natal que possibilitou unificação de tarifas públicas, como telefones e transporte público e ainda do percentual legal destinado à meia passagem de estudantes. Fátima também provocou o Poder Executivo para a criação da Lei de Incentivo à Cultura Câmara Cascudo.
Sobre essa lei específica, Adriano Gadelha lembra que o gabinete preparou o projeto de lei, rejeitado pelo então governador Garibaldi Alves Filho.
“Ele vetou alegando que criava despesa e não poderia ser feita pelo parlamento. Mas aí o projeto serviu porque forçou de certa forma o governador a mandar um projeto igual ao de Fátima, já que tinha que ser encaminhado pelo Poder Executivo. E hoje é lei”.
Fundeb, IFRN, transporte escolar e extinção de verba de gabinete para deputados aposentados
Inauguração do Instituto Federal na Zona Norte de Natal, com presença do ministro da Educação Fernando Haddad
Há vários projetos ou ações importantes realizados pelos mandatos de Fátima. Aliás, foram da área de cultura as duas últimas iniciativas do mandato da governadora eleita no Senado: a criação da comenda de incentivo à cultura Câmara Cascudo e a criação da Lei de Incentivo ao Livro e à Leitura, que institui pela primeira vez na história uma política pública de leitura no Brasil.
Olhando para o retrovisor, um dos primeiros embates de Fátima, ainda na Assembleia Legislativa, foi uma ação popular para acabar com a verba de gabinete que os deputados estaduais aposentados recebiam.
“Como eles eram aposentados e recebiam verba de gabinete? Isso foi uma economia gigantesca na época. O povo do Rio Grande do Norte nem sabia que isso acontecia”, conta o assessor, citando ainda a medida que deu o direito para mães acompanharem crianças internadas em hospitais públicos.
Nas lutas pela educação, Fátima foi relatora Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), defendeu sua permanência e se dedicou com afinco ao programa de expansão das universidades e dos institutos federais. A ela se atribui parte da responsabilidade pelo crescimento do número de unidades do IFRN, que passou de 2 para 21 durante os governos do PT.
A petista também atuou na gestão do programa Caminho da Escola levando aos ministérios relatórios dos municípios que precisavam receber transporte escolar. Em 2010, após dois anos da criação do programa, o governo federal já havia transferido ao Rio Grande do Norte cerca de R$ 24 milhões a 128 municípios do estado para aquisição de 155 ônibus escolares.
Os IFRNs são uma marca dos mandatos de Fátima como deputada federal
Essas e outras ações são marcas da atuação de Fátima e a fazem ser recebida por estudantes em todo o Estado. A relação próxima ao ex-presidente Lula e a defesa pela democracia e direitos sociais também são indissociáveis à imagem dela.
Um dos maiores embates de repercussão internacional ocorreu em 2017, quando Fátima Bezerra (RN), Gleisi Hoffman (PR) e Vanessa Graziottini (PCdoB) ocuparam a mesa do Senado Federal para impedir a votação da Reforma Trabalhista. As parlamentares chegaram a ser ameaçadas de agressão física por alguns colegas, que apelaram para desligar a energia da Casa enquanto as senadoras estiveram na mesa.
Fátima é saudada por colegas e amigos como uma parlamentar adepta do diálogo. Mas o episódio da ocupação da mesa do Senado mostra que até para o diálogo há um limite:
Para uma professora que se tornou parlamentar forjada no movimento sindical, esse limite é claro: o ataque ao direito dos trabalhadores.
Na manhã do dia 28 de setembro de 2018, a imprensa noticiou que o ministro do STF Ricardo Lewandowski autorizara Lula a conceder uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Em um grupo no Telegram, os procuradores imediatamente se movimentaram, debatendo estratégias para evitar que Lula pudesse falar. Para a procuradora Laura Tessler, o direito do ex-presidente era uma “piada” e “revoltante”, o que ela classificou nos chats como “um verdadeiro circo”. Uma outra procuradora, Isabel Groba, respondeu: “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”
Eram 10h11 da manhã. A angústia do grupo – que, mostram claramente os diálogos, agia politicamente, muito distante da imagem pública de isenção e técnica que sempre tentaram passar – só foi dissolvida mais de doze horas depois, quando Dallagnol enviou as seguintes mensagens, seguidas de um áudio.
28 de setembro de 2018 – grupo Filhos do Januario 3
Deltan Dallagnol – 23:32:22 – URGENTE
Dallagnol – 23:32:28 – E SEGREDO
Dallagnol – 23:32:34 – Sobre a entrevista
Dallagnol – 23:32:39 – Quem quer saber ouve o áudio
Dallagnol – 23:33:36 –
Leia a matéria completa no site do The Intercept Brasil:
Os bolsonaristas, muitas vezes eleitos com apoio da Grande Mídia, agora deram para atacar e ameaçar jornalistas que não passam pano para ilegalidades. Incensada pela imprensa tradicional de Mato Grosso quando aceitou a delação premiada do ex-governador Silval Barbosa (MDB) e o condenou a 13 anos e 7 meses em 2017 (mas permitiu o cumprimento da pena em casa), por exemplo, a então juíza Selma Arruda foi apelidada de “Moro de Saia”. Sob os holofotes favoráveis dos jornais, Selma se aposentou da magistratura e se candidatou, com o apelido na propaganda eleitoral, ao cargo de senadora pelo Partido Social Liberal (PSL), o mesmo de Bolsonaro. Ganhou fácil!
Depois disso, sua relação com o “modelo” não mudou. No último dia 19 de junho, por exemplo, durante depoimento do ex-juiz e atual ministro da justiça e segurança pública, Sérgio Moro, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a senadora fez questão de dizer que “É absolutamente normal juiz conversar com o Ministério Público”. Moro respondeu com elogios: “É normal uma discussão de logística. Tem aqui a senadora Selma, que atuou muito destacadamente como juíza lá no Mato Grosso, teve várias operações, é normal depois da decisão proferida haver uma discussão sobre questão de logística, quando vai ser cumprida, como vai ser cumprida, e eventualmente pode ter havido uma mensagem nesse sentido. Isso não tem nada de revelação de imparcialidade ou conteúdo impróprio”, disse. Nenhum dos dois comentou, nem de leve, a condenação unânime do Tribunal Regional Eleitoral, em abril, à perda do mandato por caixa dois. Ela e seus dois suplentes, também cassados, não conseguiram mostrar ao tribunal a origem de R$ 1.2 milhão gastos na campanha.
Com a revelação do caixa dois, as relações da senadora com o jornalismo sério passaram a uma nova fase. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral analisa em segunda instância se ela deverá ou não deixar o cargo, Selma aproveitou as câmeras da TV Senado para insinuar que a atuação do jornalista Glenn Greenwald, vencedor dos maiores prêmios mundiais de jornalismo, não é profissional, mas guiada por interesses políticos. “O sujeito que vazou é marido do suplente do Jean Wyllys. Ele é intimamente ligado, né. Politicamente, óbvio que é uma estratégia para colocar em dúvida a atuação do juiz e do Ministério Público”, afirmou. Sobre as suas intenções políticas ou as de Moro quando ainda estavam na magistratura, não houve uma única palavra.
Na imprensa matogrossense, a antigamente sempre disponível magistrada passou a escolher com quem conversar. Na semana passada, por exemplo, foi procurada pelo jornalista Lázaro Thor Borges, do jornal “A Gazeta“, o maior diário do estado, para comentar uma reportagem, com dados oficiais obtidos a partir da Lei de Acesso à Informação e do Portal da Transparência, sobre salários de servidores públicos acima do teto constitucional. Via aplicativo de mensagens, a senadora respondeu com xingamentos e, novamente, insinuações de interesse político acima do jornalístico. “Tadinho, você é ridículo. Nem li nem sei do que você está falando. Sua opinião não faz efeito na minha vida e nem na de nenhum matogrossense”, escreveu a parlamentar. Borges, educadamente, respondeu apenas: “tudo bem, senadora”. Mas ela não parou por aí. Além de chamá-lo novamente de coitado e mandar “catar coquinho”, ainda o chamou de “retardado”, ao que Borges respondeu: “É só meu trabalho, senadora”.
A reportagem, publicada no dia 22 de junho e que infelizmente não está disponível online no portal do jornal, trazia o valor mensal líquido de R$ 53,8 mil desde de março desse ano, mais de R$ 14 mil acima do teto de R$ 33,7 mil recebidos pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. De acordo com a matéria, apenas 11 dos 84 magistrados aposentados do Superior Tribunal de Justiça de Mato Grosso receberam acima do teto em abril, mês do levantamento. Os ataques da parlamentar ao jornalista foram repudiados em editorial dojornal, que publicou os prints das telas do celular mostrando as grosserias da senadora. Os as respostas mal criadas ao profissional também sofreram grande condenação do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, em nota também assinada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Está passando da hora de TODOS e TODAS jornalistas se unirem para barrar o crescimento do fascismo e as das ameaças aos profissionais, à liberdade de imprensa e à própria democracia.
O deputado do PSOL Glauber Braga (PSOL/RJ) desestabilizou os parlamentares governistas nesta terça-feira (2), na Câmara dos Deputados, ao dizer que o ex-juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro passará para a história como um “juiz ladrão e corrompido”.
As palavras duras do parlamentar mexeram com os brios dos colegas que participaram da sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para defender o ex-juiz das graves acusações de interferência no julgamento do ex-presidente Lula reveladas pelas mensagens trocadas entre ele e procuradores da operação Lava Jato.
Moro se esquivou da maioria das perguntas e voltou a tentar criminalizar o site The Intercept Brasil, que vem divulgando a conta gotas as mensagens. Acuado, o ex-juiz deixou a sala da comissão sob os gritos de “ladrão” e “fujão”. A sessão foi encerrada após um tumulto generalizado:
– “A história não absolverá o senhor, da história o senhor não pode se esconder. E o senhor vai estar no livro de história como juiz que se corrompeu, como um juiz ladrão. A população brasileira não vai aceitar como fato consumado um juiz ladrão e corrompido que ganhou uma recompensa pra fazer com que a democracia brasileira fosse atingida. É o que o senhor é: um juiz que se corrompeu, um juiz ladrão”, disse já sob os gritos da tropa bolsonarista.
Após o discurso, as redes sociais do deputado foram inundadas de xingamentos e mensagens de apoio. Ele agradeceu a solidariedade e voltou a provocar tanto Sérgio Moro como a militância que o defende:
– Obrigado pelas inúmeras mensagens de apoio ! E pra turma da extrema-direira que veio aqui desabafar, infelizmente não posso me desculpar. O herói de vocês feriu a democracia brasileira e recebeu a recompensa de Bolsonaro. E em linguagem bem popular, juiz vendido é juiz ladrão ! Boa noite. Fiquem bem!”, escreveu.
Esse não é o primeiro discurso de Glauber Braga que repercute no Congresso e na imprensa. Em 2016, durante a votação para a abertura do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, o voto do deputado do PSOL também foi um dos mais comentados. Na ocasião, ele chamou de “gângster” o então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, atualmente preso, em Curitiba. E evocou figuras históricas da democracia brasileira:
– Eduardo cunha, você é um gangster e o que dá sustentação à sua cadeira cheira a enxofre. Eu voto por aqueles que nunca esconderam o lado fácil da história. Voto por Marighella, voto por Plinio de Arruda Sampaio, voto por Evandro Lins e Silva, voto por Arraes, voto por Luís Carlos Prestes, voto por Olga Benário, voto por Brizola e Darcy Ribeiro, voto por Zumbi dos Palmares, voto não.
Perfil
Glauber Braga é advogado, natural de Nova Friburgo (RJ), tem 37 anos e está filiado ao PSOL desde 2015. Ele exerce o quarto mandato na Câmara Federal. O primeiro assumiu como suplente, em 2007, quando ainda militava no PSB, e os demais foram exercidos como titular da vaga.
Braga ocupou a liderança da bancada do PSOL em janeiro de 2017. No ano anterior, disputou a eleição para prefeito de Nova Friburgo e ficou em 2º lugar.
Progressista, Glauber Braga realiza um mandato participativo defendendo bandeiras em defesa da democracia e direitos humanos. Está na linha de frente da luta no parlamento contra a reforma da Previdência.
O parlamentar do PSOL foi relator da Comissão Especial de Medidas Preventivas Diante das Catástrofes Climáticas, que gerou a primeira Lei Nacional de Prevenção e Resposta a Desastres Naturais (12.608): o Estatuto de Proteção e Defesa Civil. O estatuto foi sancionado pela Presidência em abril de 2012.
Em 2018, Glauber Braga foi escolhido pelo júri especializado do portal Congresso em Foco como o melhor parlamentar do Brasil.